sábado, 11 de maio de 2024

Assembleia Geral da ONU relança pedido de adesão da Palestina

 
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, a 10 de maio, por grande margem, uma resolução que garante novos “direitos e privilégios” à Palestina e pede ao Conselho de Segurança que reconsidere o pedido para adesão plena, o que a tornaria no 194.º membro da organização. A resolução foi aprovada com 143 votos a favor – incluindo o de Portugal –, nove contra e 25 abstenções.
A resolução ora aprovada determina que o Estado da Palestina é qualificado para a adesão e recomenda ao Conselho de Segurança que considere “favoravelmente” este pedido.
Porém, a sua versão original foi alterada significativamente, para dar resposta às preocupações dos Estados Unidos da América (EUA), mas também da Rússia e da China, revela a AP, citando diplomatas ocidentais que falaram, sob anonimato, uma vez que as negociações foram confidenciais. 
Uma primeira versão da resolução garantia à Palestina os direitos e privilégios necessários para assegurar uma participação “plena e efetiva” nas sessões da Assembleia Geral, em pé de igualdade com os estados-membros. Moscovo e Pequim, que são a favor da adesão da Palestina, manifestaram preocupação com o facto de existir, inicialmente, uma lista detalhada de direitos e de privilégios, o que poderia estabelecer um precedente para outros estados que querem entrar na ONU – nomeadamente o Kosovo e Taiwan.
A lista final de direitos e privilégios inclui a atribuição à Palestina do direito de intervir em todas as questões, não apenas nas relacionadas com os palestinianos e com o Médio Oriente, o direito de propor pontos da ordem de trabalhos e de responder nos debates e o direito de ser eleita como membro das principais comissões da assembleia. A proposta dá aos Palestinianos o direito de participarem nas conferências internacionais e da ONU convocadas pelas Nações Unidas, mas retira-lhes o direito de voto que constava do projeto original.
No dia 9 de maio, o vice-embaixador dos EUA na ONU, Robert Wood, já tinha deixado claro que a administração Biden se opunha à resolução agora aprovada, com o veto dos EUA e de Israel. O Reino Unido e a Suíça abstiveram-se.
“Fomos muito claros desde o início, existe um processo para obter a adesão plena nas Nações Unidas e este esforço de alguns países árabes e da Palestina é para tentar contorná-lo”, disse Robert Wood, citado pela AP. “Dissemos desde o início que a melhor forma de garantir a plena adesão palestiniana na ONU é fazê-lo através de negociações com Israel. Esta permanece a nossa posição”, esclareceu. 
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A 18 de abril, os EUA já tinham vetado uma resolução do Conselho de Segurança, que teria aberto caminho à adesão plena da Palestina, há muito, um objetivo da Autoridade Palestiniana e que Israel tem procurado impedir. 
Segundo a Carta das Nações Unidas, os futuros membros da organização têm de ser pacifistas e o Conselho de Segurança tem de recomendar a adesão à Assembleia Geral, para a aprovação final. 
Ao abrigo de legislação aprovada, há muito, pelo Congresso, os EUA teriam de cortar o financiamento das agências da ONU que garantissem adesão plena ao Estado Palestiniano, o que significaria um corte nos fundos do país que contribuiu com mais verbas para as Nações Unidas.
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A 18 de abril, os EUA fizeram uso do veto numa votação no Conselho de Segurança sobre o pedido da Palestina, apresentado ao secretário-geral, a 2 de abril, para ingressar na ONU como Estado de pleno direito, o que Israel rejeita.
O Conselho de Segurança encaminhou o pedido para o seu Comité de Admissão de Estados-membros, que discutiu o assunto entre 8 e 11 de abril.
O projeto de resolução apresentado pela Argélia, que recomendava à Assembleia-Geral “que o Estado da Palestina seja admitido como membro das Nações Unidas”, obteve 12 votos a favor, um contra e duas abstenções. O único voto contra de membros permanentes veio dos EUA.
A Autoridade Palestiniana criticou o veto dos EUA, considerando que é uma “agressão flagrante” que empurra o Médio Oriente para a “beira do abismo”.
“Esta política americana agressiva [para] a Palestina, [para o] seu povo e [para os] direitos legítimos representa uma agressão flagrante ao direito internacional e uma incitação para que continue a guerra genocida contra o nosso povo [...] que levam à região ainda mais para a beira do abismo”, declarou o gabinete do presidente Mahmud Abbas, em comunicado.
Este veto “revela as contradições da política americana que pretende, por um lado, apoiar a solução de dois Estados, mas por outro, impedir a aplicação desta solução”, na ONU, lê-se no mesmo comunicado.
Todavia, o gabinete de Mahmud Abbas agradece aos países que apoiaram a adesão plena dos Territórios Palestinianos à ONU.
“O Mundo está unido pelos valores da verdade, da justiça, da liberdade e da paz que representam a causa palestina”, destacou a Autoridade Palestina, que exerce competências limitadas na Cisjordânia ocupada.
O vice-embaixador dos EUA, Robert Wood, declarou, perante o Conselho de Segurança, que o veto “não reflete uma oposição ao Estado palestiniano, mas é um reconhecimento que virá somente das negociações diretas entre as partes.” “Os Estados Unidos continuam a apoiar firmemente a solução dos dois Estados”, afirmou o diplomata.
Esta foi a segunda tentativa da Palestina de adesão como membro pleno na ONU. A votação ocorreu em plena guerra na Faixa de Gaza, que opõe, há mais de seis meses, Israel e o Hamas, e que ameaça alastrar-se a outras regiões no Médio Oriente e envolver o Irão.
A Suíça e Reino Unido abstiveram-se na adoção do texto que remetia à Assembleia Geral uma votação para que os 193 integrantes decidissem sobre a atribuição do estatuto de Estado-membro de pleno direito da ONU.   
O projeto de resolução, que está entre os mais curtos da história do órgão, realçava que o Conselho de Segurança, “tendo examinado o pedido do Estado da Palestina para admissão nas Nações Unidas (S/2011/592), recomenda à Assembleia Geral que o Estado da Palestina seja admitido como membro das Nações Unidas.”
Para um projeto de resolução ser adotado, o Conselho deve reunir, pelo menos, nove votos a favor e nenhum veto dos membros permanentes: a China, a França, a Rússia, o Reino Unido e os EUA.
O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, entregou, pela primeira vez, a candidatura para adesão à ONU, em 2011, tendo falhado, por não ter conseguido o apoio de nove dos 15 membros do Conselho de Segurança.
No entanto, o Estado da Palestina, nesse ano, foi considerado observador (não membro) da Assembleia Geral e, desde 2012, tem o estatuto de Observador Permanente na ONU.
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O percurso do Estado da Palestina ainda tem outros escolhos. Já passaram 25 anos desde que o Conselho Europeu se comprometeu a reconhecer o Estado da Palestina, “no devido momento”, mas apenas um terço dos países da União Europeia (UE) o fez efetivamente. Uma contradição que permanece face à defesa da solução de “dois estados”, para a crise na Faixa de Gaza.
Há  analistas que dizem que o reconhecimento da Palestina como estado daria mais peso aos apelos de alguns governos da UE, para obter um cessar-fogo em Gaza.
“A questão do reconhecimento é apenas um dos muitos exemplos de incoerência entre o apoio retórico da UE a favor da paz, da solução de dois estados e do direito internacional e a falta de ações que correspondam a isso”, afirmou Martin Konecny, diretor do Projeto Europeu para o Médio Oriente, um centro de estudos, em Bruxelas.
“Se isso acontecer, serão países como a Bélgica, a Irlanda, o Luxemburgo, a Espanha, Portugal e, muito importante, a França”, enumerou o analista, já que há países como Alemanha e Áustria que dificilmente sairão da posição de indefetível apoio a Israel.
Atualmente, os nove Estados-membros que reconhecem a Palestina são a Suécia, Malta, o Chipre, a Hungria, a Chéquia, a Bulgária, a Polónia, a Roménia e a Eslováquia. Contudo, a maioria deles apoia agora sobretudo Israel. No caso dos países de Leste, o reconhecimento deu-se na década de 80, ainda sob o domínio soviético. 
Apesar das divisões, a posição oficial da UE é a de relançar o processo de paz para estabelecer uma solução de dois Estados assim que for possível. “Estamos horrorizados por ver o número de mortos e de feridos. A destruição aumenta a cada dia. Não podemos ficar indiferentes a isto e temos de encontrar uma solução. A única via possível é o regresso à mesa das negociações”, sustenta Hadja Lahbib, ministra dos Negócios Estrangeiros belga.
“Temos de trabalhar numa solução de dois Estados, para permitir que os Palestinianos vivam em paz e tenham uma perspetiva de futuro”, acrescentou a chefe da diplomacia do país que preside à UE neste semestre.
Este reconhecimento como estado também ajudaria a Autoridade Palestiniana, que só controla a Cisjordânia, a ter mais condições para eventualmente administrar Gaza, em vez do Hamas.
Mas há, ainda, outra contradição a resolver: a expansão da colonização de território palestiniano por Israel, refere o diretor do Projeto Europeu para o Médio Oriente.
“Trata-se também do tratamento dado pela Europa aos colonatos ilegais israelitas na Cisjordânia, que impedem a criação de um Estado palestiniano porque ocupam território onde o Estado deveria ser estabelecido. E continuamos a negociar com eles como se fossem entidades legítimas. Mas, ao mesmo tempo, dizemos que são ilegais. Portanto, é mais um exemplo de incoerência”, explicou Martin Konecny.
Entretanto, sabe-se que cerca 70% dos membros da ONU reconhecem o Estado da Palestina.
Em dezembro de 2023, a Assembleia Geral votou a favor de um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza e 153 países declararam-se a favor, mas entre os países da UE dois votaram contra e quatro  abstiveram-se.
Talvez, agora, com a generalização dos protestos contra Israel e a favor da Palestina (incluindo estudantes de várias universidades), os países, nomeadamente, os europeus e os EUA, comecem a mudar de posição. E a paz bem o merece, como o direito de todos os povos à autodeterminação e à soberania.

2024.05.11 – Louro de Carvalho


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