O governo cumpriu. Em menos de 60 dias, a 29 de maio, o Conselho de
Ministros aprovou um Plano de Emergência e de Transformação para a Saúde (PETS)
em cinco eixos e com mais de 50 medidas, que envolvem linhas de financiamento,
reforço de serviços e criação de novos, requalificação de instalações e uma
comissão independente, para acompanhar a execução.
O primeiro-ministro
(PM), em conferência de imprensa, começou a apresentação da nova estratégia
para mudar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) a afirmar que “o ponto de partida
é muito problemático”. E, logo, a ministra da Saúde contextualizou a asserção
primoministerial com números: 1,7 milhões de utentes sem médicos de família,
mais de 266 mil à espera de uma cirurgia, mais de 74 mil já fora do tempo
adequado, sendo que destes nove mil são doentes oncológicos, e quase 900 mil à
espera de uma primeira consulta.
Por isso,
Luís Montenegro disse que “o SNS precisa de outra gestão”, porque a prioridade
das prioridades são “os cidadãos”. E farpou, atirando que, enquanto uns usam o
SNS “como bandeira política”, para o governo, é um instrumento para dar
resposta aos cidadãos”. Porém, Ana Paula Martins, indo mais longe, defendeu que
a prioridade são as pessoas e os profissionais, pois, sem estes, “não há
cuidados, não há SNS, nem plano de transformação da Saúde”.
O PM não
pretende “vender a ilusão de que as dificuldades se vão resolver rapidamente”,
mas “começar a dar respostas”. Agora, seguem-se as negociações com os
sindicatos.
Um PETS (de 210
páginas) – assente em “cinco eixos estratégicos”, com 16 programas e com 54
medidas, cujos resultados têm de ser obtidos em três meses, até ao final de
2024 ou até daqui a dois anos, 2026 – tem por objetivo, segundo o PM, que a
resposta assente na capacidade do setor público, mas com os setores privado e
social a funcionarem em complementaridade. Visa-se a recuperação das listas de
espera, uma nova organização de atendimento para os serviços de obstetrícia,
com um novo modelo de referenciação para grávidas, o reforço da Linha SNS24, um
novo funcionamento dos serviços de urgência e dos cuidados primários e o reforço
dos cuidados na área da Saúde Mental, sendo uma das primeiras medidas, nesta
área, a contratação de mais 100 psicólogos, para se dar resposta às
necessidades de consulta da população, já que, segundo Ana Paula Martins, a
média de pessoas com depressão em Portugal é de 12,2%, quando a média europeia
é de 7,2%. Para o PETS avançar, terão de ser aprovados vários diplomas, cuja
execução vai ser acompanhada por uma comissão independente que será nomeada em
breve.
O Plano gravita em torno de cinco eixos essenciais, em que se destacam as medidas urgentes:
1. Resposta a tempo e horas, com o
objetivo principal de acabar com as listas de espera de doentes com cancro (“os
doentes oncológicos não podem esperar”): regularização da lista de espera para cirurgia
oncológica; e aproximação do SNS ao cidadão através da Linha SNS24.
2. Bebés e mães em segurança, com
medidas para o encaminhamento seguro de todas as grávidas: criação de canal de
atendimento direto para a grávida, alavancado na linha SNS 24 (SNS GRÁVIDA); atribuição
de incentivos financeiros para aumentar a capacidade de realização de partos; reforço
de convenções com o setor social e privado.
3. Cuidados urgentes e emergentes, dando
prioridade às verdadeiras urgências: requalificação das infraestruturas dos
serviços de urgência – urgência geral / psiquiátrica; criação de centros de
atendimento clínico, para situações agudas de menor complexidade e urgência
clínica; implementação da consulta do dia seguinte nos cuidados de saúde primários
para situações agudas de menor complexidade e urgência (o que já se faz).
4. Saúde próxima e familiar, com o
objetivo de garantir médico a quem precisa: atribuição de médicos de família
aos utentes em espera, com a capacidade atual do setor público; reforço da
resposta pública dos cuidados de saúde primários, em parceria com o setor
social; criação de linha de atendimento para utentes que necessitem de acesso a
médico no dia.
5. Saúde mental, que visa
dar maior destaque a esta questão na prestação de cuidados de saúde: atribuição
de médicos de família aos utentes em espera, com a capacidade atual do setor
público; reforço da resposta pública dos cuidados de saúde primários, em
parceria com o setor social; criação de linha de atendimento para utentes que
necessitem de acesso a médico no dia. Isto implica a criação de um programa
estruturado de saúde mental para as forças de segurança e a aposta na
desinstitucionalização de situações crónicas em saúde mental (o que já está
previsto na atual lei de saúde mental).
A grande questão é como que estas medidas vão ser
implementadas.
***
Pois é, o
bom trabalho do médico Eurico Castro Alves e da sua equipa precisa de leis, de
decretos-leis, de regulamentos, de instalações, de dinheiro e, sobretudo, de
pessoal que esteja bem no SNS.
Com efeito,
as intenções já foram formuladas por tantos governos e uma comissão
independente (todas o são) não dá garantias adicionais de sucesso.
Quem está no
terreno, sobretudo os médicos, pergunta com que médicos e com que outros
profissionais se vai fazer tudo isto.
O bastonário
dos médicos, Carlos Cortes, elogiou o plano, que definiu o “SNS como
prioridade”. O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) enumerou
pontos positivos e negativos e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) assumiu
que a nova estratégia “é uma mão cheia de nada”, que incentiva “ao trabalho
extraordinário e precário”. O presidente da Associação Portuguesa de Medicina
Geral e Familiar (APGF) diz que “temos muitas dúvidas e receios”. Do lado
político, o Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista (PCP) mostram
“profunda desilusão” e a acusam o governo de “querer degradar ainda mais o
SNS”.
A presidente
da FNAM, Joana Bordalo e Sá, assumiu que a sua estrutura sindical vai exigir,
na mesa de negociação, a contemplação das propostas que apresentou, no sentido
da valorização das grelhas salariais e das condições de trabalho, porque “há
dinheiro e linhas de financiamento para mais trabalho, mais incentivos e mais
precariedade no trabalho, mas não o há para melhorar a valorização do base dos
médicos. E é este ciclo que tem de se inverter”. Estas medidas “são temporárias
e têm por base acudir a um SNS que está em rutura, mas baseiam-se, acima de
tudo, em incentivos aos profissionais, que são incertos e baratos, agravando
ainda mais as condições de trabalho e as desigualdades nas equipas”. A dirigente
sindical acusa o governo de estar a querer estimular o “trabalho precário”, com
a possibilidade de os médicos do quadro de uma instituição passarem recibos
verdes. Deste ponto de vista, “com que médicos é que vão fazer este plano?”
Nuno
Rodrigues, secretário-geral do SIM, nada tem a opor, se o trabalho acrescido
for feito de forma voluntária. “Se as medidas forem voluntárias, nada temos a
opor a que um médico queira aumentar as suas consultas ou cirurgias ou a sua
carteira de doentes voluntariamente. Até estamos a favor, porque isso vai
permitir mais acesso dos utentes a cuidados.” Porém, adverte: “Isto não pode
ser feito, sem haver uma valorização do ponto de vista da grelha salarial e da
avaliação do desempenho, como temos vindo a reivindicar.” Cético em relação a
alguns pontos, aponta, pelo menos, dois que julga positivos: a criação dos
centros de avaliação médica psicológica, que “vêm retirar imensa carga
burocrática aos médicos de família, deixando-lhes mais tempo para fazerem mais
medicina”; e as convenções na área da obstetrícia com o setor social e privado
para atender as grávidas”. O ponto mais negativo é a criação dos centros de
atendimento clínico, que servirão para dar resposta aos utentes sem médico de
família, permitindo-lhes uma consulta, o que “é só mais estrutura e não sabemos
com que médicos vai funcionar”. Também é criticável o financiamento para
reforço das teleconsultas: “Nem tudo se resolve desta maneira.”
Um dos eixos
estratégicos deste PETS são os cuidados primários e a medicina de proximidade,
tendo a ministra da Saúde assumido que uma das medidas mais difíceis será a de
dar um médico de família a cada utente. E o PM declarou: “Não damos médico, mas
damos consultas.” Ora, a primeira pergunta do presidente da APGF, Nuno Jacinto,
é: “Com que médicos vão fazer este plano?”. “A perspetiva que nos foi dada é
que a aposta vai no sentido de esgotar ao máximo a capacidade do SNS, mas o grande
problema é que na maioria das unidades do SNS essa capacidade já está esgotada.
Portanto, aqui, só há um caminho: aumentar o número de médicos e de
profissionais no SNS, através de condições de trabalho e salariais mais
atrativas”, observa.
O médico
critica mesmo o facto de se falar na priorização do “atendimento aos utentes
sem médicos e dos grupos vulneráveis”. “Se essa capacidade existisse, esses
doentes já estavam a ser vistos e acompanhados. […] Isto é colocar os médicos a
fazer mais.” No que toca à criação dos centros de atendimento clínico, para
Nuno Jacinto, a questão é a mesma, “a capacidade do SNS”.
Segundo o
presidente da APMGF este plano deixa-nos dúvidas e receios. A ministra da Saúde
referiu querer valorizar os profissionais, tê-los satisfeitos e a trabalhar com
qualidade, pode ser que se venha a esclarecer mais alguma coisa. Porém, há um
ponto positivo, o lançamento de um concurso com mais 900 vagas para a
especialidade. Espera-se que sejam todas preenchidas.
***
Na sessão de
apresentação do PETS, Ana Paula Martins anunciou que, para a sua realização, foram
consultadas 167 entidades, tendo tudo, depois, acertado com o ministro das Finanças. O orçamento
para a Saúde é de “cerca de 15 mil milhões de euros”, sendo 11,4 mil milhões só
para prestar cuidados de saúde. “O dinheiro tem de ser para responder às
pessoas”, sublinhou.
Como se pode
ler no documento, foram definidos cinco eixos estratégicos e pensadas mais de
54 medidas consideradas urgentes (com resultados a três meses), prioritárias
(com resultados até final de 2024) e estruturantes (com resultados nos próximos
dois anos). A apoiar estas medidas, foram criados 16 programas transversais. E os
objetivos a atingir são: regularizar e orquestrar o acesso aos cuidados, de
forma a proporcionar melhores condições para o acompanhamento e tratamento do
doente, no tempo clinicamente recomendado; criar um ambiente seguro para o
nascimento e oferecer suporte consistente às mulheres durante a gravidez;
reforçar a missão do serviço de urgência, enquanto local para a observação e
estabilização das situações clínicas realmente urgentes e emergentes;
solucionar os problemas de acesso aos cuidados de saúde primários, com foco nas
populações sem médicos ou enfermeiros de família; assegurar o acesso a serviços
habilitados a promover a sua saúde mental, prestar cuidados de qualidade e
facilitar a reintegração e a recuperação das pessoas com doença mental.
Questionada
sobre se os cerca de nove mil doentes oncológicos, que estão à espera de cirurgia,
serão chamados nos próximos três meses, a governante respondeu: “É exatamente o
calendário que temos.” Referindo que o PETS tem medidas para três meses, seis
meses e algumas que vão até ao fim da legislatura, reconheceu que a atinente
aos médicos de família é “muito importante”, mas a “mais difícil”, sendo Lisboa
e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve zonas em que “é mais difícil fixar jovens
médicos de família”. E apontou “a bolsa de médicos”, indicando que há “médicos
que já estão numa fase da sua vida, ou porque são mais seniores ou mesmo
médicos mais jovens, que, depois do seu período normal de trabalho, estão
disponíveis e querem voluntariamente ter uma agenda disponível”.
Do ponto de
vista digital (a Saúde precisa de uma revolução digital), diz ter agendas
disponíveis para fazer as marcações e que o Portal da Saúde terá uma página
para emergências.
No entanto, a
ministra afirmou que o PETS não passa por pagar mais, antes passa por, em
algumas áreas, por pagar bastante menos. “Representa, sobretudo, eficiência”,
assumiu.
***
O governo ou pensa
eternizar-se no lugar, esperando milagres, ou pensa ter curta longevidade e deixar
que outros cumpram. Temo que o PETS saia pouco do papel, como vem sendo hábito.
2024.05.30 – Louro de Carvalho
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