quinta-feira, 30 de maio de 2024

Plano de Emergência e de Transformação para a Saúde

 

O governo cumpriu. Em menos de 60 dias, a 29 de maio, o Conselho de Ministros aprovou um Plano de Emergência e de Transformação para a Saúde (PETS) em cinco eixos e com mais de 50 medidas, que envolvem linhas de financiamento, reforço de serviços e criação de novos, requalificação de instalações e uma comissão independente, para acompanhar a execução.

O primeiro-ministro (PM), em conferência de imprensa, começou a apresentação da nova estratégia para mudar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) a afirmar que “o ponto de partida é muito problemático”. E, logo, a ministra da Saúde contextualizou a asserção primoministerial com números: 1,7 milhões de utentes sem médicos de família, mais de 266 mil à espera de uma cirurgia, mais de 74 mil já fora do tempo adequado, sendo que destes nove mil são doentes oncológicos, e quase 900 mil à espera de uma primeira consulta.

Por isso, Luís Montenegro disse que “o SNS precisa de outra gestão”, porque a prioridade das prioridades são “os cidadãos”. E farpou, atirando que, enquanto uns usam o SNS “como bandeira política”, para o governo, é um instrumento para dar resposta aos cidadãos”. Porém, Ana Paula Martins, indo mais longe, defendeu que a prioridade são as pessoas e os profissionais, pois, sem estes, “não há cuidados, não há SNS, nem plano de transformação da Saúde”.

O PM não pretende “vender a ilusão de que as dificuldades se vão resolver rapidamente”, mas “começar a dar respostas”. Agora, seguem-se as negociações com os sindicatos.

Um PETS (de 210 páginas) – assente em “cinco eixos estratégicos”, com 16 programas e com 54 medidas, cujos resultados têm de ser obtidos em três meses, até ao final de 2024 ou até daqui a dois anos, 2026 – tem por objetivo, segundo o PM, que a resposta assente na capacidade do setor público, mas com os setores privado e social a funcionarem em complementaridade. Visa-se a recuperação das listas de espera, uma nova organização de atendimento para os serviços de obstetrícia, com um novo modelo de referenciação para grávidas, o reforço da Linha SNS24, um novo funcionamento dos serviços de urgência e dos cuidados primários e o reforço dos cuidados na área da Saúde Mental, sendo uma das primeiras medidas, nesta área, a contratação de mais 100 psicólogos, para se dar resposta às necessidades de consulta da população, já que, segundo Ana Paula Martins, a média de pessoas com depressão em Portugal é de 12,2%, quando a média europeia é de 7,2%. Para o PETS avançar, terão de ser aprovados vários diplomas, cuja execução vai ser acompanhada por uma comissão independente que será nomeada em breve. 

O Plano gravita em torno de cinco eixos essenciais, em que se destacam as medidas urgentes:

1. Resposta a tempo e horas, com o objetivo principal de acabar com as listas de espera de doentes com cancro (“os doentes oncológicos não podem esperar”): regularização da lista de espera para cirurgia oncológica; e aproximação do SNS ao cidadão através da Linha SNS24.

2. Bebés e mães em segurança, com medidas para o encaminhamento seguro de todas as grávidas: criação de canal de atendimento direto para a grávida, alavancado na linha SNS 24 (SNS GRÁVIDA); atribuição de incentivos financeiros para aumentar a capacidade de realização de partos; reforço de convenções com o setor social e privado.

3. Cuidados urgentes e emergentes, dando prioridade às verdadeiras urgências: requalificação das infraestruturas dos serviços de urgência – urgência geral / psiquiátrica; criação de centros de atendimento clínico, para situações agudas de menor complexidade e urgência clínica; implementação da consulta do dia seguinte nos cuidados de saúde primários para situações agudas de menor complexidade e urgência (o que já se faz).

4. Saúde próxima e familiar, com o objetivo de garantir médico a quem precisa: atribuição de médicos de família aos utentes em espera, com a capacidade atual do setor público; reforço da resposta pública dos cuidados de saúde primários, em parceria com o setor social; criação de linha de atendimento para utentes que necessitem de acesso a médico no dia.

5. Saúde mental, que visa dar maior destaque a esta questão na prestação de cuidados de saúde: atribuição de médicos de família aos utentes em espera, com a capacidade atual do setor público; reforço da resposta pública dos cuidados de saúde primários, em parceria com o setor social; criação de linha de atendimento para utentes que necessitem de acesso a médico no dia. Isto implica a criação de um programa estruturado de saúde mental para as forças de segurança e a aposta na desinstitucionalização de situações crónicas em saúde mental (o que já está previsto na atual lei de saúde mental).

A grande questão é como que estas medidas vão ser implementadas.

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Pois é, o bom trabalho do médico Eurico Castro Alves e da sua equipa precisa de leis, de decretos-leis, de regulamentos, de instalações, de dinheiro e, sobretudo, de pessoal que esteja bem no SNS.

Com efeito, as intenções já foram formuladas por tantos governos e uma comissão independente (todas o são) não dá garantias adicionais de sucesso.

Quem está no terreno, sobretudo os médicos, pergunta com que médicos e com que outros profissionais se vai fazer tudo isto.

O bastonário dos médicos, Carlos Cortes, elogiou o plano, que definiu o “SNS como prioridade”. O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) enumerou pontos positivos e negativos e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) assumiu que a nova estratégia “é uma mão cheia de nada”, que incentiva “ao trabalho extraordinário e precário”. O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APGF) diz que “temos muitas dúvidas e receios”. Do lado político, o Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista (PCP) mostram “profunda desilusão” e a acusam o governo de “querer degradar ainda mais o SNS”.

A presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, assumiu que a sua estrutura sindical vai exigir, na mesa de negociação, a contemplação das propostas que apresentou, no sentido da valorização das grelhas salariais e das condições de trabalho, porque “há dinheiro e linhas de financiamento para mais trabalho, mais incentivos e mais precariedade no trabalho, mas não o há para melhorar a valorização do base dos médicos. E é este ciclo que tem de se inverter”. Estas medidas “são temporárias e têm por base acudir a um SNS que está em rutura, mas baseiam-se, acima de tudo, em incentivos aos profissionais, que são incertos e baratos, agravando ainda mais as condições de trabalho e as desigualdades nas equipas”. A dirigente sindical acusa o governo de estar a querer estimular o “trabalho precário”, com a possibilidade de os médicos do quadro de uma instituição passarem recibos verdes. Deste ponto de vista, “com que médicos é que vão fazer este plano?”

Nuno Rodrigues, secretário-geral do SIM, nada tem a opor, se o trabalho acrescido for feito de forma voluntária. “Se as medidas forem voluntárias, nada temos a opor a que um médico queira aumentar as suas consultas ou cirurgias ou a sua carteira de doentes voluntariamente. Até estamos a favor, porque isso vai permitir mais acesso dos utentes a cuidados.” Porém, adverte: “Isto não pode ser feito, sem haver uma valorização do ponto de vista da grelha salarial e da avaliação do desempenho, como temos vindo a reivindicar.” Cético em relação a alguns pontos, aponta, pelo menos, dois que julga positivos: a criação dos centros de avaliação médica psicológica, que “vêm retirar imensa carga burocrática aos médicos de família, deixando-lhes mais tempo para fazerem mais medicina”; e as convenções na área da obstetrícia com o setor social e privado para atender as grávidas”. O ponto mais negativo é a criação dos centros de atendimento clínico, que servirão para dar resposta aos utentes sem médico de família, permitindo-lhes uma consulta, o que “é só mais estrutura e não sabemos com que médicos vai funcionar”. Também é criticável o financiamento para reforço das teleconsultas: “Nem tudo se resolve desta maneira.”

Um dos eixos estratégicos deste PETS são os cuidados primários e a medicina de proximidade, tendo a ministra da Saúde assumido que uma das medidas mais difíceis será a de dar um médico de família a cada utente. E o PM declarou: “Não damos médico, mas damos consultas.” Ora, a primeira pergunta do presidente da APGF, Nuno Jacinto, é: “Com que médicos vão fazer este plano?”. “A perspetiva que nos foi dada é que a aposta vai no sentido de esgotar ao máximo a capacidade do SNS, mas o grande problema é que na maioria das unidades do SNS essa capacidade já está esgotada. Portanto, aqui, só há um caminho: aumentar o número de médicos e de profissionais no SNS, através de condições de trabalho e salariais mais atrativas”, observa.

O médico critica mesmo o facto de se falar na priorização do “atendimento aos utentes sem médicos e dos grupos vulneráveis”. “Se essa capacidade existisse, esses doentes já estavam a ser vistos e acompanhados. […] Isto é colocar os médicos a fazer mais.” No que toca à criação dos centros de atendimento clínico, para Nuno Jacinto, a questão é a mesma, “a capacidade do SNS”.

Segundo o presidente da APMGF este plano deixa-nos dúvidas e receios. A ministra da Saúde referiu querer valorizar os profissionais, tê-los satisfeitos e a trabalhar com qualidade, pode ser que se venha a esclarecer mais alguma coisa. Porém, há um ponto positivo, o lançamento de um concurso com mais 900 vagas para a especialidade. Espera-se que sejam todas preenchidas.

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Na sessão de apresentação do PETS, Ana Paula Martins anunciou que, para a sua realização, foram consultadas 167 entidades, tendo tudo, depois, acertado com o ministro das Finanças. O orçamento para a Saúde é de “cerca de 15 mil milhões de euros”, sendo 11,4 mil milhões só para prestar cuidados de saúde. “O dinheiro tem de ser para responder às pessoas”, sublinhou.

Como se pode ler no documento, foram definidos cinco eixos estratégicos e pensadas mais de 54 medidas consideradas urgentes (com resultados a três meses), prioritárias (com resultados até final de 2024) e estruturantes (com resultados nos próximos dois anos). A apoiar estas medidas, foram criados 16 programas transversais. E os objetivos a atingir são: regularizar e orquestrar o acesso aos cuidados, de forma a proporcionar melhores condições para o acompanhamento e tratamento do doente, no tempo clinicamente recomendado; criar um ambiente seguro para o nascimento e oferecer suporte consistente às mulheres durante a gravidez; reforçar a missão do serviço de urgência, enquanto local para a observação e estabilização das situações clínicas realmente urgentes e emergentes; solucionar os problemas de acesso aos cuidados de saúde primários, com foco nas populações sem médicos ou enfermeiros de família; assegurar o acesso a serviços habilitados a promover a sua saúde mental, prestar cuidados de qualidade e facilitar a reintegração e a recuperação das pessoas com doença mental.

Questionada sobre se os cerca de nove mil doentes oncológicos, que estão à espera de cirurgia, serão chamados nos próximos três meses, a governante respondeu: “É exatamente o calendário que temos.” Referindo que o PETS tem medidas para três meses, seis meses e algumas que vão até ao fim da legislatura, reconheceu que a atinente aos médicos de família é “muito importante”, mas a “mais difícil”, sendo Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve zonas em que “é mais difícil fixar jovens médicos de família”. E apontou “a bolsa de médicos”, indicando que há “médicos que já estão numa fase da sua vida, ou porque são mais seniores ou mesmo médicos mais jovens, que, depois do seu período normal de trabalho, estão disponíveis e querem voluntariamente ter uma agenda disponível”.

Do ponto de vista digital (a Saúde precisa de uma revolução digital), diz ter agendas disponíveis para fazer as marcações e que o Portal da Saúde terá uma página para emergências.

No entanto, a ministra afirmou que o PETS não passa por pagar mais, antes passa por, em algumas áreas, por pagar bastante menos. “Representa, sobretudo, eficiência”, assumiu.

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O governo ou pensa eternizar-se no lugar, esperando milagres, ou pensa ter curta longevidade e deixar que outros cumpram. Temo que o PETS saia pouco do papel, como vem sendo hábito.

2024.05.30 – Louro de Carvalho

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