domingo, 5 de maio de 2024

Temas da 209.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa

 

De 8 a 11 de abril de 2024 decorreu, em Fátima, a 209.ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que, para lá dos assuntos habituais (nomeações, Relatório de Contas, informações, comunicações e projetos das diversas estruturas) e de alguns aspetos circunstanciais (como a nomeação do novo Bispo de Beja), abordou temas cuja relevância merece destaque.

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No discurso de abertura, o presidente, aludindo ao tempo de Páscoa, que inspira renovação e vida, apontou “os dramas da guerra, com as suas sequelas de horror, barbárie e destruição que ensombram o panorama mundial, causando sofrimentos inauditos a milhões de pessoas e pondo despudoradamente a nu a crueldade visada de matar, abusar e fazer reféns pessoas inocentes ou, em resposta, devastar sistematicamente as possibilidades elementares de vida de populações inteiras, reduzindo-as à mais indescritível miséria”. E, citando o Papa Francisco, frisou que “a guerra nunca é solução e leva apenas à destruição, ao sofrimento e à morte, semeando ódios que permanecerão por muitas gerações”, pelo que é preciso “aderir à manhã nova da ressurreição, com pressupostos novos para construir um Mundo mais humano”, para o que temos de nos empenhar na “tarefa primordial de construção da paz”.

Do cinquentenário do 25 de Abril, sustenta que “os seus ideais de desarmar a guerra, a opressão e a ditadura e de revigorar valores civilizacionais que marcam a História de Portugal desde 1974, constituindo a celebração “uma gratificante ocasião de renovação e de afirmação dos valores que devem marcar o presente e o futuro”. Assim, “a imagem emblemática dos cravos no cano das armas”, que ilustra a festa da liberdade, da vida e da esperança que marcou e continua viva no património identitário do nosso povo”, fez “instaurar, progressivamente, a justiça social, fomentar o desenvolvimento em tantos lugares e devolver dignidade à vida de tantas mulheres e tantos homens”. Todavia, é de “reconhecer que muito há ainda por fazer, a fim de que os fundamentos da democracia não sejam postos em causa, seja pela desilusão e apatia de quem vê a deficiente solução de problemas ligados a dimensões básicas como a educação, a saúde e a habitação, seja pela manipulação irresponsável do justo descontentamento e do protesto”.

As eleições ocorridas no cinquentenário mostram o “funcionamento da democracia”, mas os cidadãos têm o direito de esperar que os eleitos, sem porem em causa as legítimas diferenças de análises e de propostas, encontrem “soluções concretas justas e viáveis”, que acudam à gravidade dos problemas, pondo “o bem dos cidadãos e do país acima de interesses partidários ou corporativos”, rumo a “consensos ao serviço do bem comum e de um futuro melhor para todos”.

Portugal saiu do isolamento do “orgulhosamente sós”, para se abrir à comunidade internacional, a começar pela ativa participação no contexto europeu em que nos integramos. É uma abertura “sem pretensões de império ou de domínio”, mas de “relacionamento com os outros povos e culturas, marcado por valores universais”, na garantia da concretização da fraternidade, que não resulta só de “situações onde se respeitam as liberdades individuais, nem mesmo da prática duma certa equidade”, mas da certeza de que “todo o ser humano tem direito a viver com dignidade e a desenvolver-se integralmente”, sem que algum país lhe possa negar “este direito fundamental”.

Ora, com o ideal de Abril, somos “parceiro ativo e apreciado na busca de soluções humanizadoras para o presente e o futuro do nosso planeta e da Humanidade que o habita”. Por isso, deixámos de ser apenas capazes de “emigrar, em fuga”, buscando melhores condições de vida e dando “precioso contributo à vida económica e social de países de destino”. Hoje, somos também “país de acolhimento, com uma crescente percentagem de pessoas oriundas de todo o Mundo, que vêm com os mesmos objetivos com que os nossos compatriotas partiram”. Importa, pois, que “sejamos capazes de criar condições justas, dignas e capazes de assegurar a fraternidade, a paz e o sucesso”. O país precisa destas pessoas e pode proporcionar-lhes bom futuro, na capacidade de integração que temos. Este, que é “um desafio bem em linha com os ideais universais de Abril”, deve ser “um nobre objetivo do Estado e de todas as instituições e cidadãos”.

Neste âmbito, o Comunicado da 209.ª Assembleia da CEP vinca a reflexão feita em torno da “complexidade social” da sociedade portuguesa, de “desigualdades gritantes”, de “crises sucessivas” e de “níveis da pobreza em crescimento”, agravando as já “difíceis condições de vida das famílias”.

Sobre os migrantes que chegam ao país em busca de vida melhor e sobre a dificuldade de as instituições darem resposta adequada ao seu acolhimento e inclusão, a Assembleia reconhece que “é necessário ir além das respostas de emergência”. Nestes termos, “a Igreja, que tem instituições com larga experiência no acolhimento, proteção, promoção e inclusão de migrantes e refugiados, manifesta a sua disponibilidade para cooperar com os organismos estatais, a quem compete a construção de um plano que contribua para criar condições justas e dignas da vida dos milhares de imigrantes que chegam a Portugal”.

Sobre os 50 anos da Revolução do 25 de Abril, a Assembleia aprovou uma nota pastoral de congratulação, que reflete o caminho percorrido pela sociedade, de que a Igreja faz parte, e “reconhece tudo o que de positivo se conseguiu no Portugal democrático”. E sustenta que, “na senda da liberdade, sem esquecer a justiça social e a responsabilidade em função da dignidade humana e do bem comum, somos chamados, hoje, a retomar os valores de Abril, no sentido da democratização do país, do fim da guerra e do desenvolvimento geral”.

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Um tema candente que se manterá como tal enquanto houver pendências sociais foi o da “Proteção de Menores e de Adultos Vulneráveis”.

O presidente da CEP considerou que, em muitos países, a questão dos abusos de menores e de adultos em situação de vulnerabilidade e, em concreto, as vítimas de padres ou de leigos ao serviço da Igreja, é motivo de preocupação e de atenção às vítimas de tão condenáveis atitudes, bem como de criação de meios que permitam conhecer a realidade e prevenir a sua repetição. Em Portugal, foram criadas estruturas específicas para este fim, nas dioceses, com as Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e de Adultos Vulneráveis; e, a nível do país, com a Equipa de Coordenação Nacional e o Grupo VITA. Esta rede tem dado passos significativos para “encontrar a forma mais correta [de] continuar a escutar qualquer pessoa que precise de falar sobre um abuso que sofreu, bem como na organização do necessário apoio psicológico e psiquiátrico adequado”. Além disso, centenas de pessoas estão a ser capacitadas para “saber[em] prevenir, sinalizar, alertar e denunciar eventuais novos casos de abuso em todo o país”. O trabalho prosseguirá, de forma regular e generalizada, para “acompanhar o pedido reiterado de perdão que comporta o reconhecimento do mal perpetrado e sofrido, a possível reparação das feridas e a prevenção, para que estes dramáticos sofrimentos não se repitam”.

Desde o início, se levantou a questão de “reparação” ou “compensação monetária”, a requerer pelas vítimas de abusos, como forma de “justo contributo na superação do mal que lhes foi injustamente causado”. Tem-se evitado ligar diretamente esta forma de agir com o conceito de “indemnização” ditada por um tribunal. O que se encontra em estudo, na CEP, é “uma reparação financeira que reconheça a dor de quem sobreviveu a estes abusos e às consequências que teve de suportar”, e que coopere para que “as pessoas possam ter uma vida mais livre, digna e devidamente reconhecida”. Foram pedidos vários pareceres a entidades competentes, do ponto de vista clínico, jurídico e canónico, e ouvidas muitas pessoas, entre as quais vítimas – parecer a ter em conta na busca de “um caminho de superação destas situações, demasiado dolorosas”.

O assunto será estudado na certeza de que “quem foi vítima de qualquer tipo de abuso tem sempre a nossa proximidade e solidariedade, assumindo mais esta forma de pedir desculpa e ajudar a recuperar a dignidade de vida”.

De acordo com o referido Comunicado, a Assembleia aprovou, de forma unânime, a atribuição de compensações financeiras, com caráter supletivo, a vítimas de abusos sexuais contra crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal. Para dar seguimento a este processo, definiu que os pedidos de compensação financeira deverão ser apresentados ao Grupo VITA ou às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e de Adultos Vulneráveis, entre junho e dezembro de 2024. Posteriormente, uma comissão de avaliação determinará os montantes das compensações a atribuir. Foi, ainda, decidida a criação de um fundo da CEP para este fim e que contará com o contributo solidário de todas as Dioceses.

Estas decisões inserem-se no caminho percorrido na Igreja em Portugal. Em comunhão com o sofrimento das vítimas, os Bispos reafirmam o total compromisso de tudo fazerem para a sua reparação e manifestam o desejo de que o processo de acolhimento, de acompanhamento e de prevenção seja um contributo para a atuação da sociedade em geral neste tema.

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O tema “Sínodo e Sinodalidade” mereceu do presidente da CEP um comentário que, a seguir, se sintetiza. Frente a “sinais claros de uma radicalização social, política e até religiosa”, o processo sinodal, apesar de parecer não estar na ordem do dia, “está num processo de análise e [de] fermentação importante”. Esta reflexão ativa envolve as dioceses, as conferências episcopais, grupos de teólogos, canonistas, párocos (estes tiveram um encontro de representantes em Roma, no mês de abril), associações de fiéis e pessoas singulares, que darão o seu contributo para marcar a agenda da segunda parte da Assembleia Sinodal que terá lugar em Roma, de 2 a 27 de outubro deste ano. E, até 15 de maio, deverá a CEP pronunciar-se sobre a auscultação nacional quanto ao modo como nos podemos tornar uma Igreja sinodal em missão. Além disso, nas dioceses, o processo sinodal dos dois anos passados não foi em vão. Antes, o sonho de Igreja mais participada, onde todos possam ser corresponsáveis, de acordo com os seus ministérios e carismas e possam ser acolhidos, escutados e considerados, no respeito pela dignidade fundamental do batismo, é desejo ardente que contribuirá para maior comunhão e para um vigor renovado na missão.

Por sua vez, o Comunicado da CEP refere que o relatório da segunda fase do processo sinodal foi apreciado, tendo em conta os contributos enviados pelas dioceses e por outros grupos eclesiais, e que será remetido para a Secretaria Geral do Sínodo até 15 de maio e oportunamente divulgado.

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Sobre o Jubileu 2025, D. José Ornelas, considera que “os dias correm velozes em direção a 2025”, o ano do Jubileu celebrado sob o lema “Peregrinos de Esperança” e que, “neste Ano da Oração de preparação do Jubileu”, é de lembrar que “Deus não é inacessível” e que “cada um pode contactar com ele simplesmente, através da escuta da sua Palavra e da oração”, pois a oração representa “a respiração da fé, a sua expressão mais própria, uma espécie de grito silencioso que sai do coração de quem acredita e se entrega a Deus”. É essa “ligação pessoal e comunitária” com o Espírito de Jesus ressuscitado que guia e dá força transformadora à Igreja, para estar presente na transformação do Mundo, com os seus dramas e esperanças.

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Por fim, é de referir que a Assembleia aprovou a nota pastoral “Sem a Eucaristia não podemos viver”, por ocasião do 5.º Congresso Eucarístico Nacional (Braga, de 31 de maio a 2 de junho), com a presença do Cardeal José Tolentino de Mendonça como Enviado Especial do Papa. Toda a Igreja em Portugal está convocada para este acontecimento eclesial que pretende reconhecer, mais profundamente, o mistério da Eucaristia e prestar-lhe culto público nos laços da caridade evangelizadora. No Ano da Oração rumo ao Jubileu de 2025, “podemos consolidar a arte de bem celebrar, o silêncio, a escuta, o canto, a música, a adoração e o maravilhamento da Eucaristia na sua nobre simplicidade e beleza”.

Além disso, a CEP ultimou os detalhes da visita “ad Limina Apostolorum” dos Bispos portugueses a Roma (20 a 24 de maio), momento de especial importância, pela comunhão com o Santo Padre e com os organismos da Igreja universal. 

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Enfim, a CEP em grande atividade!

2024.05.05 – Louro de Carvalho

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