De 8 a 11 de abril de 2024 decorreu, em Fátima, a 209.ª
Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que, para lá dos
assuntos habituais (nomeações, Relatório de Contas, informações, comunicações e
projetos das diversas estruturas) e de alguns aspetos circunstanciais (como a nomeação
do novo Bispo de Beja), abordou temas cuja relevância merece destaque.
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No discurso de abertura, o presidente, aludindo ao tempo de
Páscoa, que inspira renovação e vida, apontou “os dramas da guerra, com as suas
sequelas de horror, barbárie e destruição que ensombram o panorama mundial,
causando sofrimentos inauditos a milhões de pessoas e pondo despudoradamente a
nu a crueldade visada de matar, abusar e fazer reféns pessoas inocentes ou, em
resposta, devastar sistematicamente as possibilidades elementares de vida de
populações inteiras, reduzindo-as à mais indescritível miséria”. E, citando o
Papa Francisco, frisou que “a guerra nunca é solução e leva apenas à
destruição, ao sofrimento e à morte, semeando ódios que permanecerão por muitas
gerações”, pelo que é preciso “aderir à manhã nova da ressurreição, com pressupostos
novos para construir um Mundo mais humano”, para o que temos de nos empenhar na
“tarefa primordial de construção da paz”.
Do cinquentenário do 25 de
Abril, sustenta que “os seus ideais de desarmar a guerra, a opressão e a
ditadura e de revigorar valores civilizacionais que marcam a História de
Portugal desde 1974, constituindo a celebração “uma gratificante ocasião de
renovação e de afirmação dos valores que devem marcar o presente e o futuro”. Assim,
“a imagem emblemática dos cravos no cano das armas”, que ilustra a festa da
liberdade, da vida e da esperança que marcou e continua viva no património
identitário do nosso povo”, fez “instaurar, progressivamente, a justiça social,
fomentar o desenvolvimento em tantos lugares e devolver dignidade à vida de
tantas mulheres e tantos homens”. Todavia, é de “reconhecer que muito há ainda
por fazer, a fim de que os fundamentos da democracia não sejam postos em causa,
seja pela desilusão e apatia de quem vê a deficiente solução de problemas
ligados a dimensões básicas como a educação, a saúde e a habitação, seja pela
manipulação irresponsável do justo descontentamento e do protesto”.
As eleições ocorridas no cinquentenário mostram o “funcionamento
da democracia”, mas os cidadãos têm o direito de esperar que os eleitos, sem porem
em causa as legítimas diferenças de análises e de propostas, encontrem “soluções
concretas justas e viáveis”, que acudam à gravidade dos problemas, pondo “o bem
dos cidadãos e do país acima de interesses partidários ou corporativos”, rumo a
“consensos ao serviço do bem comum e de um futuro melhor para todos”.
Portugal saiu do
isolamento do “orgulhosamente sós”, para se abrir à comunidade internacional, a
começar pela ativa participação no contexto europeu em que nos integramos. É
uma abertura “sem pretensões de império ou de domínio”, mas de “relacionamento
com os outros povos e culturas, marcado por valores universais”, na garantia da
concretização da fraternidade, que não resulta só de “situações onde se
respeitam as liberdades individuais, nem mesmo da prática duma certa equidade”,
mas da certeza de que “todo o ser humano tem direito a viver com dignidade e a desenvolver-se
integralmente”, sem que algum país lhe possa negar “este direito fundamental”.
Ora, com o ideal de Abril, somos “parceiro ativo e apreciado
na busca de soluções humanizadoras para o presente e o futuro do nosso planeta
e da Humanidade que o habita”. Por isso, deixámos de ser apenas capazes de “emigrar,
em fuga”, buscando melhores condições de vida e dando “precioso contributo à
vida económica e social de países de destino”. Hoje, somos também “país de
acolhimento, com uma crescente percentagem de pessoas oriundas de todo o Mundo,
que vêm com os mesmos objetivos com que os nossos compatriotas partiram”.
Importa, pois, que “sejamos capazes de criar condições justas, dignas e capazes
de assegurar a fraternidade, a paz e o sucesso”. O país precisa destas pessoas
e pode proporcionar-lhes bom futuro, na capacidade de integração que temos.
Este, que é “um desafio bem em linha com os ideais universais de Abril”, deve
ser “um nobre objetivo do Estado e de todas as instituições e cidadãos”.
Neste âmbito, o Comunicado da 209.ª Assembleia da CEP vinca a
reflexão feita em torno da “complexidade social” da
sociedade portuguesa, de “desigualdades gritantes”, de “crises sucessivas” e de
“níveis da pobreza em crescimento”, agravando as já “difíceis condições de vida
das famílias”.
Sobre os migrantes que
chegam ao país em busca de vida melhor e sobre a dificuldade de as instituições
darem resposta adequada ao seu acolhimento e inclusão, a Assembleia reconhece
que “é necessário ir além das respostas de emergência”. Nestes termos, “a
Igreja, que tem instituições com larga experiência no acolhimento, proteção,
promoção e inclusão de migrantes e refugiados, manifesta a sua disponibilidade
para cooperar com os organismos estatais, a quem compete a construção de um
plano que contribua para criar condições justas e dignas da vida dos milhares
de imigrantes que chegam a Portugal”.
Sobre os 50 anos da Revolução do 25
de Abril, a Assembleia aprovou uma nota pastoral de
congratulação, que reflete o caminho percorrido pela sociedade, de que a Igreja
faz parte, e “reconhece tudo o que de positivo se conseguiu no Portugal
democrático”. E sustenta que, “na senda da liberdade, sem esquecer a justiça
social e a responsabilidade em função da dignidade humana e do bem comum, somos
chamados, hoje, a retomar os valores de Abril, no sentido da democratização do
país, do fim da guerra e do desenvolvimento geral”.
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Um tema candente que se manterá como tal enquanto houver pendências
sociais foi o da “Proteção de Menores e de Adultos Vulneráveis”.
O presidente da CEP considerou que, em muitos países, a
questão dos abusos de menores e de adultos em situação de vulnerabilidade e, em
concreto, as vítimas de padres ou de leigos ao serviço da Igreja, é motivo de preocupação
e de atenção às vítimas de tão condenáveis atitudes, bem como de criação de
meios que permitam conhecer a realidade e prevenir a sua repetição. Em Portugal,
foram criadas estruturas específicas para este fim, nas dioceses, com as
Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e de Adultos Vulneráveis; e, a
nível do país, com a Equipa de Coordenação Nacional e o Grupo VITA. Esta rede
tem dado passos significativos para “encontrar a forma mais correta [de]
continuar a escutar qualquer pessoa que precise de falar sobre um abuso que
sofreu, bem como na organização do necessário apoio psicológico e psiquiátrico
adequado”. Além disso, centenas de pessoas estão a ser capacitadas para “saber[em]
prevenir, sinalizar, alertar e denunciar eventuais novos casos de abuso em todo
o país”. O trabalho prosseguirá, de forma regular e generalizada, para “acompanhar
o pedido reiterado de perdão que comporta o reconhecimento do mal perpetrado e
sofrido, a possível reparação das feridas e a prevenção, para que estes
dramáticos sofrimentos não se repitam”.
Desde o início, se levantou a questão de “reparação” ou “compensação
monetária”, a requerer pelas vítimas de abusos, como forma de “justo contributo
na superação do mal que lhes foi injustamente causado”. Tem-se evitado ligar
diretamente esta forma de agir com o conceito de “indemnização” ditada por um
tribunal. O que se encontra em estudo, na CEP, é “uma reparação financeira que
reconheça a dor de quem sobreviveu a estes abusos e às consequências que teve
de suportar”, e que coopere para que “as pessoas possam ter uma vida mais
livre, digna e devidamente reconhecida”. Foram pedidos vários pareceres a
entidades competentes, do ponto de vista clínico, jurídico e canónico, e
ouvidas muitas pessoas, entre as quais vítimas – parecer a ter em conta na
busca de “um caminho de superação destas situações, demasiado dolorosas”.
O assunto será estudado na certeza de que “quem foi vítima de
qualquer tipo de abuso tem sempre a nossa proximidade e solidariedade,
assumindo mais esta forma de pedir desculpa e ajudar a recuperar a dignidade de
vida”.
De acordo com o referido Comunicado, a Assembleia aprovou, de
forma unânime, a atribuição de compensações financeiras,
com caráter supletivo, a vítimas de abusos sexuais contra crianças e adultos
vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal. Para dar seguimento a
este processo, definiu que os pedidos de compensação financeira deverão ser
apresentados ao Grupo VITA ou às Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e de
Adultos Vulneráveis, entre junho e dezembro de 2024. Posteriormente, uma
comissão de avaliação determinará os montantes das compensações a atribuir. Foi,
ainda, decidida a criação de um fundo da CEP para este fim e que contará com o
contributo solidário de todas as Dioceses.
Estas decisões inserem-se no caminho percorrido na Igreja em
Portugal. Em comunhão com o sofrimento das vítimas, os Bispos reafirmam o total
compromisso de tudo fazerem para a sua reparação e manifestam o desejo de que o
processo de acolhimento, de acompanhamento e de prevenção seja um contributo
para a atuação da sociedade em geral neste tema.
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O tema “Sínodo e Sinodalidade” mereceu do presidente da CEP
um comentário que, a seguir, se sintetiza. Frente a “sinais claros de uma
radicalização social, política e até religiosa”, o processo sinodal, apesar de
parecer não estar na ordem do dia, “está num processo de análise e [de] fermentação
importante”. Esta reflexão ativa envolve as dioceses, as conferências
episcopais, grupos de teólogos, canonistas, párocos (estes tiveram um encontro
de representantes em Roma, no mês de abril), associações de fiéis e pessoas
singulares, que darão o seu contributo para marcar a agenda da segunda parte da
Assembleia Sinodal que terá lugar em Roma, de 2 a 27 de outubro deste ano. E, até
15 de maio, deverá a CEP pronunciar-se sobre a auscultação nacional quanto ao
modo como nos podemos tornar uma Igreja sinodal em missão. Além disso, nas dioceses,
o processo sinodal dos dois anos passados não foi em vão. Antes, o sonho de Igreja
mais participada, onde todos possam ser corresponsáveis, de acordo com os seus
ministérios e carismas e possam ser acolhidos, escutados e considerados, no
respeito pela dignidade fundamental do batismo, é desejo ardente que
contribuirá para maior comunhão e para um vigor renovado na missão.
Por sua vez, o Comunicado da CEP refere que o relatório da
segunda fase do processo sinodal foi
apreciado, tendo em conta os contributos enviados pelas dioceses e por outros
grupos eclesiais, e que será remetido para a Secretaria Geral do Sínodo até 15
de maio e oportunamente divulgado.
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Sobre o Jubileu 2025, D.
José Ornelas, considera que “os dias correm velozes em direção a 2025”, o ano
do Jubileu celebrado sob o lema “Peregrinos de Esperança” e que, “neste Ano da
Oração de preparação do Jubileu”, é de lembrar que “Deus não é inacessível” e que
“cada um pode contactar com ele simplesmente, através da escuta da sua Palavra
e da oração”, pois a oração representa “a respiração da fé, a sua expressão
mais própria, uma espécie de grito silencioso que sai do coração de quem acredita
e se entrega a Deus”. É essa “ligação pessoal e comunitária” com o Espírito de
Jesus ressuscitado que guia e dá força transformadora à Igreja, para estar
presente na transformação do Mundo, com os seus dramas e esperanças.
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Por fim, é de referir que a Assembleia aprovou a nota
pastoral “Sem a Eucaristia não podemos viver”, por ocasião do 5.º Congresso Eucarístico Nacional (Braga, de 31 de maio
a 2 de junho), com a presença do Cardeal José Tolentino de Mendonça como Enviado
Especial do Papa. Toda a Igreja em Portugal está convocada para este acontecimento
eclesial que pretende reconhecer, mais profundamente, o mistério da Eucaristia
e prestar-lhe culto público nos laços da caridade evangelizadora. No Ano da
Oração rumo ao Jubileu de 2025, “podemos consolidar a arte de bem celebrar, o
silêncio, a escuta, o canto, a música, a adoração e o maravilhamento da
Eucaristia na sua nobre simplicidade e beleza”.
Além disso, a CEP ultimou
os detalhes da visita “ad
Limina Apostolorum” dos Bispos
portugueses a Roma (20 a 24 de maio), momento de especial importância, pela
comunhão com o Santo Padre e com os organismos da Igreja universal.
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Enfim, a CEP em grande atividade!
2024.05.05
– Louro de Carvalho
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