O
anúncio chegou aos Portugueses, com pompa e circunstância, a 14 de maio, pela
voz de Luís Montenegro Cardoso de Morais Esteves, o primeiro-ministro (PM) do
XXIV Governo Constitucional, apoiado, na Assembleia da República (AR) pela
Aliança Democrática (AD).
Com
efeito, naquele dia, em sua reunião, na Residência Oficial do
Primeiro-Ministro, o Conselho de Ministros (CM) aprovou três Resoluções do Conselho
de Ministros (RCM).
A
primeira RCM determina o desenvolvimento de um novo aeroporto de Lisboa (NAL),
com a designação de Aeroporto Luís de Camões, localizado no Campo de Tiro de
Alcochete, de forma a substituir, integralmente, o Aeroporto Humberto Delgado
(AHD), para o que deliberou mandatar “o ministro de Estado e das Finanças e o ministro
das Infraestruturas e Habitação” para praticarem os atos e realizarem as
diligências necessárias à sua concretização, “com a máxima celeridade,
racionalidade económica e eficiência”.
De
acordo com o respetivo comunicado do CM, “a decisão fundamenta-se numa
apreciação do trabalho e [das] conclusões da Comissão Técnica Independente [CTI]
que estudou, de forma profunda e participada, várias alternativas de
localização”. E, quanto “à designação do novo aeroporto como Luís de Camões,
pretende-se homenagear uma das mais notáveis figuras da história, cultura e
língua portuguesas”.
A
segunda RCM contempla “várias determinações para a concretização célere e
efetiva da expansão da capacidade do Aeroporto Humberto Delgado”. Assim, “determina
que a ANA – Aeroportos de Portugal, SA, desenvolva o Plano de Investimentos
faseado para o Aeroporto Humberto Delgado, em estreita cooperação com as demais
entidades competentes, tendo em vista atingir o objetivo de 46 a 48 movimentos
por hora”.
Além
disso, o CM deliberou que “a Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal, EPE,
desenvolverá um plano de expansão da capacidade do espaço aéreo de Lisboa e que
a Autoridade Nacional da Avaliação [Civil] [ANAC] apresentará alternativas que
permitam maior utilização do espaço ao Aeródromo de Trânsito n.º 1”.
A
terceira RCM mandata as Infraestruturas de Portugal, SA (IP) para concluir os
estudos relativos à concretização da Terceira Travessia do Tejo (TTT), no eixo
Chelas-Barreiro, e à ligação de alta velocidade [LAV] entre Lisboa e Madrid,
devendo o estudo sobre as valências e caraterísticas topológicas da TTT ser
concluído até final de 2024.
O
CM deliberou que “os demais Estudos de Procura e de Resiliência às Alterações
Climáticas, a Análise Custo/Benefício, o Estudo Prévio e o Estudo de Impacte
Ambiental” ficarão concluídos “no primeiro semestre de 2026” e que “os estudos
sobre a ligação de alta velocidade serão realizados no pressuposto de um tempo
de percurso Lisboa-Elvas/Badajoz em cerca de uma hora”.
***
Ao fim de 55
anos de debate, dá-se por decidido, definitivamente, que o NAL vai ser
construído no Campo de Tiro de Alcochete, como a CTI tinha recomendado, e que
terá o nome do poeta Luís de Camões. Assim o PM, considerando ser essa a
localização “mais adequada”, declarou que o AHD será desmantelado, quando o sucessor
estiver pronto. Porém, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, avisou
que, não só o aeroporto não fica pronto antes de 2034 (e não 2030 ou 2031, como
estimara a CTI), como custará mais do que os seis mil milhões de euros
previstos.
Luís Montenegro
também anunciou que o AHD terá obras de requalificação, de modo a permitir
“maior capacidade operacional em movimentos por hora”. O governo confiou à IP a
conclusão dos estudos de construção da terceira ponte sobre o Tejo
(Chelas-Barreiro), bem como das linhas de alta velocidade Porto-Lisboa e
Lisboa-Madrid, para que sirvam de alternativa ao transporte aéreo. Os carris da
ligação à capital espanhola terão bitola ibérica.
“O governo
assume o aeroporto único como a solução mais adequada aos interesses
estratégicos do país”, afirmou o PM, em conferência de imprensa, e observou que
Alcochete “garante margem de expansão física” da infraestrutura, permitindo que
esteja apta a receber “praticamente o triplo” dos passageiros que aterram
anualmente no AHD.
Além disso,
frisou que Alcochete possibilita o crescimento do “hub” da TAP, além de ter a
vantagem de ser construído em terrenos públicos, sem necessidade de
expropriações, e lembrou que o local já teve uma declaração de impacto
ambiental (DIA), entretanto caducada.
A opção
Alcochete vai ao encontro da recomendação da CTI – que também tinha sugerido
Vendas Novas – mas colide com a preferência da Vinci (dona da ANA), que queria
o Montijo.
Todavia,
após o anúncio, a ANA informou que está “inteiramente disponível para
trabalhar, no imediato, nas soluções apresentadas”, pelo que “vai dar
seguimento à decisão”.
Miguel Pinto
Luz, contra o “enorme otimismo” da CTI, quanto aos prazos de conclusão e aos
custos, disse que “não é possível” ter o novo aeroporto operacional, antes de
2034, e considerou que os seis mil milhões de euros de custo estimado pela
comissão “podem não ser realistas”.
O governante,
assegurando não querer “afetar, de maneira nenhuma, o Orçamento do Estado” com
a construção do aeroporto, declarou: “Com a evolução dos recursos libertados pela
concessão, acreditamos que é possível.”
A solução
escolhida pelo governo é do agrado de quase toda a oposição. Só o PAN é contra.
Pedro Nuno Santos lembrou que, há dois anos, enquanto ministro das
Infraestruturas, avançou para a solução de Alcochete, num episódio que acabou
por fazê-lo recuar. “Nunca tive dúvidas de que Alcochete era a melhor”. Pelo PS
[Partido Socialista], é para “avançar sem demoras,”
André
Ventura, do Chega, só vincou a falta de “plano detalhado sobre quando começa e
quando vai acabar a obra”. Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda (BE), afirmou
que Alcochete “foi sempre a decisão mais óbvia”. Para Rui Tavares, do Livre, a
escolha “peca por tardia”, porque a alternativa do Montijo era pior. Segundo
António Filipe, do Partido Comunista Português (PCP), foi a ação das câmaras
comunistas que “impediu que se avançasse para uma solução desastrosa que era
Portela+1”. A única a destoar foi Inês Sousa Real, do Partido
Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que não concorda com a opção: “Não tem em
consideração as preocupações ambientais e com a qualidade de vida das
populações.”
O ex-PM,
António Costa, elogiou a decisão, que mostra a maturidade do atual executivo.
José
Sócrates veio a terreiro afirmar que este governo resolveu em 30 dias o que os três
anteriores não resolveram em oito anos. E lembrou que o seu governo decidiu, em
2008, pela localização do NAL em Alcochete, para o que foi elaborada uma DIA,
que deixaram caducar, em dezembro de 2020, por falta de renovação, mandou fazer
estudos para a TTT e começou o troço de alta velocidade Lisboa-Madrid, cujas
obras foram interrompidas pela crise económico-financeira. Mais criticou o facto
de alguns, que, então, criticavam tais obras como faraónicas, agora as julgam essências
para o nosso país.
O presidente
da Câmara Municipal de Alcochete, Fernando Pinto, ficou feliz com a escolha: “É
positiva, para a minha terra e para a minha gente.” No entanto, a população da
aldeia mais próxima do local do aeroporto vive uma sensação de insegurança e de
incerteza.
Para mostrar
a necessidade de novo aeroporto, há um documento a referir que “só 52,5% dos
aviões da Portela parte à hora prevista” e que Lisboa é “a segunda capital
europeia com mais habitantes expostos a ruído aeronáutico”. O tráfego, em 2023,
no AHD, foi de 33,6 milhões de passageiros, mais 7,7% do que em 2019. O governo
estima que, em 2040, o número possa subir para subir para 41 a 64 milhões por
ano. Após 2050, poderá, em tese, superar os 100 milhões.
A CTI
ponderou 17 opções, oito das quais foram Alcochete, Vendas Novas,
Portela+Alcochete, Portela+Vendas Novas, Portela+Montijo, Montijo+Portela,
Santarém e Portela+Santarém.
Pinto Luz
diz que a ligação Lisboa-Madrid representa, hoje, dois milhões de
passageiros/dia (40 voos), ao passo que a ligação Porto-Lisboa equivale a 1,1
milhões (20 voos). O investimento nos comboios de alta velocidade junto ao novo
aeroporto trará alternativas de transporte.
O tempo de
viagem previsto em LAV é: de 0h50, Porto / Vigo; 1h15, Porto / Lisboa; 1h00, Lisboa
/ Elvas; e 3h00, Lisboa /Madrid.
***
Só faltava
que o governo, tendo o Partido Social Democrata (PSD) lá liderado, pelo atual
PM, cooperado para a constituição da CTI, o governo não tivesse, agora, seguido
a indicação técnica, a qual, embora também considerasse como boa a solução de Vendas
Novas, apontava a vantagem de não ser necessário proceder à expropriação de
terrenos. No entanto, há que dar a compensação adequada à Força Aérea e proceder
à limpeza do campo de tiro, sobretudo no atinente a munições que por lá tenham
ficado sem rebentamento.
Designar o
NAL por Luís de Camões é algo que me apraz, em razão da relevância histórica e
literária do poeta épico e um dos melhores líricos da Literatura Portuguesa, o
qual, assim como inúmeros Portugueses, ficou em pedaços pelo Mundo repartido.
Todavia, penso que seria mais adequado dar ao NAL o nome de Mário Soares, nosso
contemporâneo, que se fartou de correr Ceca e Meca, de avião, pelo nome
político de Portugal, aliás um anúncio feito pelo Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa. Terá sido esta a vingança de Montenegro pelo apontamento
presidencial de comportamentos rurais?
Quanto ao caráter
definitivo da decisão em causa, sinto-me cético. Se não, vejamos:
Em 1969, nasce o Gabinete do
Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), para estudar quatro localizações a sul do
Tejo: Fonte da Telha, Montijo, Porto Alto e Rio Frio. E, em 1971, optou-se por
Rio Frio. Porém, em 1978, é
desativado o GNAL e as suas funções são integradas na ANA, que relança o
processo. Cai a hipótese da Margem Sul e as atenções viram-se para a Ota, em
Alenquer, de modo que, em 1999, após analisar os estudos de viabilidade
económica e ambiental, o governo de António Guterres decide construir o
aeroporto na Ota.
Depois de
mais alguns anos de debate, em 2008, o
governo de José Sócrates troca a Ota por Alcochete, mas em 2010, suspende o
projeto, até que o país supere a crise financeira.
Passada, tecnicamente,
a crise, em 2014, o governo de Passos Coelho volta a suspender a construção na
Margem Sul e começa a falar-se na opção Portela+1.
Em 2018, António
Costa defende a solução Portela+Montijo, mas algumas autarquias lideradas por
elementos da Coligação Democrática Unitária (CDU) da região travam Montijo e
preferem Alcochete. Em 2021, o governo e o PSD decidem as opções a estudar. Em 2022, após acordo entre o PS e o PSD,
é criada a CTI, para estudar a melhor localização. Em 2023, esta conclui que
Alcochete e Vendas Novas são as melhores opções. Já neste ano, o relatório
final reafirma-o.
Por outro
lado, o cronograma do desenvolvimento projeto é muito fragmentário, só diz
respeito ao tempo de candidatura: relatório inicial (seis meses); preparação da
candidatura (30 dias); relatório das consultas (seis meses); relatório sobre o
local selecionado e estudo de impacto ambiental (12 meses); relatório técnico (18
meses); relatório financeiro (24 meses); e candidatura completa (36 meses). Além
disso, não está corrigida a estimativa da CTI do custo de 3231 milhões de euros,
para a pista 1 (em 2031), e de 2874 milhões, para a pista 2 (em 2031), num
total de 6105 milhões de euros.
***
Como todas
as deliberações anteriores eram tidas como definitivas e não o foram, não sei
se esta o será. Pelo menos, o projeto está numa fase incipiente. Nem dispõe de DIA
atualizada. Por isso, não sei quando poderei ir de Metro até ao Aeroporto Francisco
Sá Carneiro, viajar de avião para o Aeroporto Luís de Camões, seguir para
Madrid, também de avião, e regressar, via Lisboa, em LAV, até ao Porto, voltando
para casa de Metro. É difícil uma obra sair do papel, mas esta nem no papel
está. E este governo, altamente minoritário, não estará a contar com um
milagre!
2024.05.16 – Louro de Carvalho
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