Uma das conclusões da 14.ª edição da conferência
sobre o estado da União Europeia (UE), que decorreu em Florença, na Itália,
entre os dias 23 e 25 de maio, a poucos dias das eleições para o Parlamento
Europeu (PE) foi a necessidade de prosseguir com o Pacto Ecológico Europeu, de
modo a tornar economia
da UE mais sustentável. Na verdade, o debate sobre as questões mais prementes
que a UE enfrenta nunca foi tão crucial como agora. As políticas económicas, a
par das transições digital e ecológica, estiveram no topo da agenda da última
edição da conferência.
Líderes mundiais e peritos de vários
setores, estudantes, decisores políticos e jornalistas reuniram-se em reflexão sobre o que foi alcançado
até agora e no que a Europa se deve concentrar no próximo mandato, que se
inicia após as eleições europeias, que decorrerão entre 6 e 9 de junho, nos
vários países da UE (em Portugal, a 9 de junho, mas com a possibilidade do voto
antecipado e do voto em mobilidade).
“Muitos destes painéis estão a lidar
com as questões técnicas envolvidas, mas o que os une é o facto de estarem
relacionados com uma visão para o futuro da Europa, uma visão que possa unir os
Europeus, porque, se eles não estiverem unidos, se não forem capazes de gerar o
tipo de energia necessária para enfrentar estes desafios, então nenhuma solução
técnica será suficiente”, explicou Erik Jones, diretor do centro europeu Robert
Schuman.
Entre as conclusões retiradas do debate,
está a necessidade de a Europa prosseguir com o Pacto
Ecológico Europeu, que é muito mais do que um acordo
sustentável. “Alguns dos pormenores podem mudar, porque alguns políticos podem
preferir outros aspetos do Pacto Ecológico. Penso que o projeto vai continuar
na mesma direção que definimos”, disse Leonardo Meeus, diretor da Escola de
Regulação de Florença.
A importância de uma defesa
europeia forte e o alargamento da UE são também questões que estão a ser
desencadeadas pela nova ordem geopolítica causada pela guerra na Ucrânia. No
entanto, para a maioria dos presentes na conferência, as eleições europeias
serão sempre sobre a defesa dos valores europeus e das democracias europeias,
bem como sobre a luta contra a desinformação, que grassa na Europa, sobretudo
na Europa Central.
“A espionagem, a desinformação, a
inteligência artificial, os abusos, entre outros, têm como alvo a nossa
confiança e procuram diminuir a confiança das pessoas nos sistemas
democráticos. Isto é perigoso, pelo que espero que não tenhamos de retirar
lições dramáticas destas eleições”, afirmou Věra Jourová, vice-presidente da
Comissão Europeia para os Valores e a Transparência.
***
Já a 16 de maio, perante os participantes no Fórum
Económico de Bruxelas, o comissário
europeu para a Economia afirmava-se sem arrependimentos, por ter colocado as alterações
climáticas no centro da sua agenda política apesar da reação
negativa ao Pacto Ecológico Europeu. O mesmo sucede com os altos funcionários da Comissão
Europeia envolvidos nesta temática. Na verdade, com
a crescente reação contra as políticas ecológicas da UE e com as sondagens a
preverem uma viragem à direita nas próximas eleições europeias, há quem se
preocupe com o facto de a agenda ambiental de Bruxelas estar em risco.
Efetivamente, a UE tem sido assolada por protestos, liderados por agricultores
preocupados com o impacto das regras ambientais da UE no setor agrícola –
enquanto o destino da Lei de Restauração da Natureza do bloco parece incerto.
Todavia, os responsáveis não se
arrependem da opção do destaque à política de alterações climáticas. “Perguntemo-nos
se lamentamos a decisão tomada, há quatro ou cinco anos, de ter o pacto
ecológico como o principal tema da Comissão von der Leyen: a minha resposta é
não”, declarou Paolo Gentiloni, comissário europeu para a Economia da UE, sobre
o mandato de cinco anos que começou no final de 2019, referindo-se à “urgência
da crise climática”, com dados de satélite que mostram que as temperaturas
globais ultrapassaram o limite de 1,5 graus Celsius (1,5ºC), acordado. Porém, Kostis
Hatzidakis, ministro das Finanças grego, sustenta que há margem de manobra para
reconsiderar, pelo menos parcialmente, os planos ambientais da UE.
“Não creio que devamos recuar nos
objetivos globais que estabelecemos”, vincou Hatzidakis, depois de Bruxelas ter
legislado no sentido de reduzir as emissões de carbono em 55%, até 2030, mas
acrescentando, que há áreas em que o bloco deve “reavaliar o ritmo da transição
e rever as políticas seguidas: a agricultura pode ser um exemplo caraterístico”.
Gentiloni mencionou as centenas de
milhares de milhões de euros de investimento necessários, todos os anos, para
cumprir os objetivos ecológicos e digitais – que podiam ser financiados pelo reforço
dos mercados de capitais da UE pelo ou financiamento público, a partir de
empréstimos conjuntos da UE. Porém, se a Europa não está a responder ao desafio
climático, muitos atribuem a culpa às regras de Bruxelas, pelo facto de as
restrições aos défices orçamentais sufocarem o investimento público,
sinalizando um regresso à austeridade.
As novas regras orçamentais são “prova
clara da falta de visão”, atirou Tea Jarc, da Confederação Europeia de
Sindicatos, frisando que as leis, que entraram em vigor a 30 de abril, são “má
opção”, embora melhor do que as anteriores restrições, “muito más”. E disse que
o Pacto Ecológico “não é uma prioridade, se não estivermos dispostos a investir
nele”.
***
Talvez
seja oportuno recordar o balanço das promessas feitas pela presidente da
Comissão Europeia, no discurso de 2023, sobre o Estado da UE.
Ursula von
der Leyen prometeu sanções contra a Rússia e cumpriu. Por exemplo, foi
definido um teto máximo para o preço do petróleo russo e o comércio entre as
duas partes caiu a pique, com a UE a proibir a exportação de tecnologias
críticas para o esforço de guerra, entre muitos outros produtos e serviços.
Porém, segundo Janis Emmanouilidis, analista no Centro de Política Europeia, é
preciso ir mais longe no atinente ao que significa, para a Ucrânia, entrar na
UE. Tal implicará muito mais apoio à Ucrânia, para que se prepare, a reforma da
UE para o alargamento.
A nível da
energia, é preciso dissociar a influência dominante do preço do gás no preço da eletricidade. Isso ainda não aconteceu e a reforma
do mercado da eletricidade proposta pela Comissão Europeia está num impasse,
por falta de consenso entre os estados-membros. Porém, está a ser reduzida a
dependência do gás russo e os preços da energia já baixaram dos picos
astronómicos de 2022, ano muito marcado pela crise energética, havia muitas
preocupações sobre o preço do gás, por exemplo.
O Pacto Ecológico continua a ser uma
das principais prioridades do executivo. Foi concluída alguma legislação,
como por exemplo, a proibição de veículos que funcionam com combustíveis
fósseis, até 2035, mas muitos diplomas estão pendentes. Com efeito, há muitas discussões
sobre o que se deve fazer e sobre o que se pode pagar, bem como muitos debates
políticos sobre as soluções de compromisso, especialmente estando as economias sob
pressão. Torna-se difícil, a nível global e a nível europeu, lidar com as
consequências das alterações climáticas.
Quanto à migração, deseja-se o equilíbrio certo entre solidariedade e
responsabilidade dos estados-membros na receção de requerentes de asilo, que é
o objetivo do Pacto da UE de Migração e Asilo, com reforço da proteção de
fronteiras. Porém, muitos governos não estão satisfeitos,
porque lideram países da linha da frente ou porque não querem que os migrantes
venham para os seus países. Será difícil encontrar uma solução que satisfaça
toda a gente, mas o plano foi concebido para preparar as próximas crises.
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Foi
apontado, acima, o facto de os líderes europeus e a própria UE estarem a ser
cada vez mais alvo de campanhas de desinformação. Quer seja tentativa de
desacreditar os rivais políticos, quer se trate de alegações sobre a
regulamentação da UE, as redes sociais estão repletas de narrativas falsas. Um
exemplo é a tentativa de homicídio do primeiro-ministro eslovaco Robert Fico,
que deu origem a grande quantidade de desinformação política online. Os utilizadores das redes sociais afirmavam que uma
fotografia mostrava o alegado agressor de Fico ao lado de Martin Šimečka, pai
do líder do partido da oposição Eslováquia Progressista. E os media eslovacos identificaram o alegado
atirador como sendo o autointitulado escritor Juraj Cintula. Porém, a
fotografia da publicação não mostra Cintula e Šimečka juntos. O próprio Facebook já classificou a publicação
como informação falsa. A tentativa de associação do ataque a Fico aos seus
rivais políticos continua a ser particularmente perigosa, antes das eleições
europeias.
Também na Polónia, o
primeiro-ministro Donald Tusk foi acusado de atacar a noção de identidade
polaca. Uma imagem publicada no TikTok
afirma que Tusk chamou à identidade polaca “uma anormalidade” que lhe chega “com
dolorosa persistência”. Porém, esta afirmação é enganadora. As palavras são,
efetivamente, dele, mas escritas num artigo publicado há 40 anos.
De acordo com os verificadores de
factos polacos, o artigo de Tusk discute as atitudes dos polacos, face à
realidade, antes de confirmar que se identificava com a sua própria nacionalidade,
quando a Polónia era um satélite comunista da União Soviética. Sendo um
primeiro-ministro fortemente pró-UE e tendo sido presidente do Conselho
Europeu, é alvo crucial para a desinformação a poucas semanas das eleições.
Muitas vezes, é a própria UE atacada
pelos que espalham falsas narrativas. Alguns utilizadores das redes sociais
afirmam que a UE proibiu t os pagamentos, em numerário, superiores a 100 mil
euros. Isto é parcialmente verdade: a UE aprovou regras que limitam as transações
em numerário a 100 mil euros, no âmbito de um conjunto de medidas de
combate ao branqueamento de capitais, mas estas restrições não se aplicam
a todas as transações. Os comerciantes estão sujeitos a esse limite, mas as
transferências entre particulares num contexto não profissional estão
excluídas.
Cerca de 45%
da população da Chéquia foi exposta a notícias falsas no primeiro trimestre de
2024, de acordo com o Observatório dos Meios de Comunicação Digitais da Europa
Central. Este número foi ainda mais elevado na Eslováquia, situando-se em cerca
de 58%.
O CEDMO
(Central European Digital Media Observatory) afirmou que, em março, os eslovacos encontraram
mais desinformação do que notícias precisas, o que sucedeu, pela primeira vez,
desde agosto de 2023. E
um relatório da Digit Poland sugere
que até 84% dos Polacos já se depararam com notícias falsas, com nove em cada
10 inquiridos a acreditar em, pelo menos, uma.
Os resultados revelam uma tendência
perigosa no período que antecede as eleições europeias. Segundo Péter Krekó,
coordenador do Observatório Húngaro dos Meios de Comunicação Digitais, os
países da Europa Central e Oriental estão particularmente expostos ao risco de
desinformação devido à sua proximidade com a Rússia. “A Rússia sempre foi um
certo tipo de laboratório para a desinformação, para as narrativas pró-russas”,
disse ao The Cube.
No entanto, não é só à desinformação
pró-russa que a região da Polónia, da Hungria, da Chéquia e da Eslováquia está
exposta. As falsas narrativas sobre a guerra na Ucrânia, as alterações
climáticas, a imigração e a saúde pública podem prevalecer em toda a Europa. De
acordo com os especialistas, estes temas tendem a ser difundidos pela
extrema-direita e a sua disseminação é intensa no período que antecede as
eleições. Os agentes maliciosos podem estar a empregar a IA para lançar
milhares de microcampanhas com estratégias de microdirecionamento destinadas a
potenciais eleitores, em vez de uma grande campanha eleitoral. E alguns atores
políticos pagam às grandes plataformas tecnológicas, enormes quantias de
dinheiro para campanhas publicitárias, muitas das quais estão a espalhar
desinformação.
2024.05.27 – Louro de Carvalho
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