segunda-feira, 27 de maio de 2024

Prioridades eleitorais dominaram conferência sobre o estado da UE

 

Uma das conclusões da 14.ª edição da conferência sobre o estado da União Europeia (UE), que decorreu em Florença, na Itália, entre os dias 23 e 25 de maio, a poucos dias das eleições para o Parlamento Europeu (PE) foi a necessidade de prosseguir com o Pacto Ecológico Europeu, de modo a tornar economia da UE mais sustentável. Na verdade, o debate sobre as questões mais prementes que a UE enfrenta nunca foi tão crucial como agora. As políticas económicas, a par das transições digital e ecológica, estiveram no topo da agenda da última edição da conferência.

Líderes mundiais e peritos de vários setores, estudantes, decisores políticos e jornalistas reuniram-se em reflexão sobre o que foi alcançado até agora e no que a Europa se deve concentrar no próximo mandato, que se inicia após as eleições europeias, que decorrerão entre 6 e 9 de junho, nos vários países da UE (em Portugal, a 9 de junho, mas com a possibilidade do voto antecipado e do voto em mobilidade). 

“Muitos destes painéis estão a lidar com as questões técnicas envolvidas, mas o que os une é o facto de estarem relacionados com uma visão para o futuro da Europa, uma visão que possa unir os Europeus, porque, se eles não estiverem unidos, se não forem capazes de gerar o tipo de energia necessária para enfrentar estes desafios, então nenhuma solução técnica será suficiente”, explicou Erik Jones, diretor do centro europeu Robert Schuman.

Entre as conclusões retiradas do debate, está a necessidade de a Europa prosseguir com o Pacto Ecológico Europeu, que é muito mais do que um acordo sustentável. “Alguns dos pormenores podem mudar, porque alguns políticos podem preferir outros aspetos do Pacto Ecológico. Penso que o projeto vai continuar na mesma direção que definimos”, disse Leonardo Meeus, diretor da Escola de Regulação de Florença.

A importância de uma defesa europeia forte e o alargamento da UE são também questões que estão a ser desencadeadas pela nova ordem geopolítica causada pela guerra na Ucrânia. No entanto, para a maioria dos presentes na conferência, as eleições europeias serão sempre sobre a defesa dos valores europeus e das democracias europeias, bem como sobre a luta contra a desinformação, que grassa na Europa, sobretudo na Europa Central.

“A espionagem, a desinformação, a inteligência artificial, os abusos, entre outros, têm como alvo a nossa confiança e procuram diminuir a confiança das pessoas nos sistemas democráticos. Isto é perigoso, pelo que espero que não tenhamos de retirar lições dramáticas destas eleições”, afirmou Věra Jourová, vice-presidente da Comissão Europeia para os Valores e a Transparência.

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Já a 16 de maio, perante os participantes no Fórum Económico de Bruxelas, o comissário europeu para a Economia afirmava-se sem arrependimentos, por ter colocado as alterações climáticas no centro da sua agenda política apesar da reação negativa ao Pacto Ecológico Europeu. O mesmo sucede com os altos funcionários da Comissão Europeia envolvidos nesta temática. Na verdade, com a crescente reação contra as políticas ecológicas da UE e com as sondagens a preverem uma viragem à direita nas próximas eleições europeias, há quem se preocupe com o facto de a agenda ambiental de Bruxelas estar em risco. Efetivamente, a UE tem sido assolada por protestos, liderados por agricultores preocupados com o impacto das regras ambientais da UE no setor agrícola – enquanto o destino da Lei de Restauração da Natureza do bloco parece incerto.

Todavia, os responsáveis não se arrependem da opção do destaque à política de alterações climáticas. “Perguntemo-nos se lamentamos a decisão tomada, há quatro ou cinco anos, de ter o pacto ecológico como o principal tema da Comissão von der Leyen: a minha resposta é não”, declarou Paolo Gentiloni, comissário europeu para a Economia da UE, sobre o mandato de cinco anos que começou no final de 2019, referindo-se à “urgência da crise climática”, com dados de satélite que mostram que as temperaturas globais ultrapassaram o limite de 1,5 graus Celsius (1,5ºC), acordado. Porém, Kostis Hatzidakis, ministro das Finanças grego, sustenta que há margem de manobra para reconsiderar, pelo menos parcialmente, os planos ambientais da UE.

“Não creio que devamos recuar nos objetivos globais que estabelecemos”, vincou Hatzidakis, depois de Bruxelas ter legislado no sentido de reduzir as emissões de carbono em 55%, até 2030, mas acrescentando, que há áreas em que o bloco deve “reavaliar o ritmo da transição e rever as políticas seguidas: a agricultura pode ser um exemplo caraterístico”.

Gentiloni mencionou as centenas de milhares de milhões de euros de investimento necessários, todos os anos, para cumprir os objetivos ecológicos e digitais – que podiam ser financiados pelo reforço dos mercados de capitais da UE pelo ou financiamento público, a partir de empréstimos conjuntos da UE. Porém, se a Europa não está a responder ao desafio climático, muitos atribuem a culpa às regras de Bruxelas, pelo facto de as restrições aos défices orçamentais sufocarem o investimento público, sinalizando um regresso à austeridade.

As novas regras orçamentais são “prova clara da falta de visão”, atirou Tea Jarc, da Confederação Europeia de Sindicatos, frisando que as leis, que entraram em vigor a 30 de abril, são “má opção”, embora melhor do que as anteriores restrições, “muito más”. E disse que o Pacto Ecológico “não é uma prioridade, se não estivermos dispostos a investir nele”.

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Talvez seja oportuno recordar o balanço das promessas feitas pela presidente da Comissão Europeia, no discurso de 2023, sobre o Estado da UE.

Ursula von der Leyen prometeu sanções contra a Rússia e cumpriu. Por exemplo, foi definido um teto máximo para o preço do petróleo russo e o comércio entre as duas partes caiu a pique, com a UE a proibir a exportação de tecnologias críticas para o esforço de guerra, entre muitos outros produtos e serviços. Porém, segundo Janis Emmanouilidis, analista no Centro de Política Europeia, é preciso ir mais longe no atinente ao que significa, para a Ucrânia, entrar na UE. Tal implicará muito mais apoio à Ucrânia, para que se prepare, a reforma da UE para o alargamento.

A nível da energia, é preciso dissociar a influência dominante do preço do gás no preço da eletricidade. Isso ainda não aconteceu e a reforma do mercado da eletricidade proposta pela Comissão Europeia está num impasse, por falta de consenso entre os estados-membros. Porém, está a ser reduzida a dependência do gás russo e os preços da energia já baixaram dos picos astronómicos de 2022, ano muito marcado pela crise energética, havia muitas preocupações sobre o preço do gás, por exemplo.

O Pacto Ecológico continua a ser uma das principais prioridades do executivo. Foi concluída alguma legislação, como por exemplo, a proibição de veículos que funcionam com combustíveis fósseis, até 2035, mas muitos diplomas estão pendentes. Com efeito, há muitas discussões sobre o que se deve fazer e sobre o que se pode pagar, bem como muitos debates políticos sobre as soluções de compromisso, especialmente estando as economias sob pressão. Torna-se difícil, a nível global e a nível europeu, lidar com as consequências das alterações climáticas.

Quanto à migração, deseja-se o equilíbrio certo entre solidariedade e responsabilidade dos estados-membros na receção de requerentes de asilo, que é o objetivo do Pacto da UE de Migração e Asilo, com reforço da proteção de fronteiras. Porém, muitos governos não estão satisfeitos, porque lideram países da linha da frente ou porque não querem que os migrantes venham para os seus países. Será difícil encontrar uma solução que satisfaça toda a gente, mas o plano foi concebido para preparar as próximas crises.

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Foi apontado, acima, o facto de os líderes europeus e a própria UE estarem a ser cada vez mais alvo de campanhas de desinformação. Quer seja tentativa de desacreditar os rivais políticos, quer se trate de alegações sobre a regulamentação da UE, as redes sociais estão repletas de narrativas falsas. Um exemplo é a tentativa de homicídio do primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, que deu origem a grande quantidade de desinformação política online. Os utilizadores das redes sociais afirmavam que uma fotografia mostrava o alegado agressor de Fico ao lado de Martin Šimečka, pai do líder do partido da oposição Eslováquia Progressista. E os media eslovacos identificaram o alegado atirador como sendo o autointitulado escritor Juraj Cintula. Porém, a fotografia da publicação não mostra Cintula e Šimečka juntos. O próprio Facebook já classificou a publicação como informação falsa. A tentativa de associação do ataque a Fico aos seus rivais políticos continua a ser particularmente perigosa, antes das eleições europeias.

Também na Polónia, o primeiro-ministro Donald Tusk foi acusado de atacar a noção de identidade polaca. Uma imagem publicada no TikTok afirma que Tusk chamou à identidade polaca “uma anormalidade” que lhe chega “com dolorosa persistência”. Porém, esta afirmação é enganadora. As palavras são, efetivamente, dele, mas escritas num artigo publicado há 40 anos.

De acordo com os verificadores de factos polacos, o artigo de Tusk discute as atitudes dos polacos, face à realidade, antes de confirmar que se identificava com a sua própria nacionalidade, quando a Polónia era um satélite comunista da União Soviética. Sendo um primeiro-ministro fortemente pró-UE e tendo sido presidente do Conselho Europeu, é alvo crucial para a desinformação a poucas semanas das eleições.

Muitas vezes, é a própria UE atacada pelos que espalham falsas narrativas. Alguns utilizadores das redes sociais afirmam que a UE proibiu t os pagamentos, em numerário, superiores a 100 mil euros. Isto é parcialmente verdade: a UE aprovou regras que limitam as transações em numerário a 100 mil euros, no âmbito de um conjunto de medidas de combate ao branqueamento de capitais, mas estas restrições não se aplicam a todas as transações. Os comerciantes estão sujeitos a esse limite, mas as transferências entre particulares num contexto não profissional estão excluídas.

Cerca de 45% da população da Chéquia foi exposta a notícias falsas no primeiro trimestre de 2024, de acordo com o Observatório dos Meios de Comunicação Digitais da Europa Central. Este número foi ainda mais elevado na Eslováquia, situando-se em cerca de 58%.

O CEDMO (Central European Digital Media Observatory) afirmou que, em março, os eslovacos encontraram mais desinformação do que notícias precisas, o que sucedeu, pela primeira vez, desde agosto de 2023. E um relatório da Digit Poland  sugere que até 84% dos Polacos já se depararam com notícias falsas, com nove em cada 10 inquiridos a acreditar em, pelo menos, uma.

Os resultados revelam uma tendência perigosa no período que antecede as eleições europeias. Segundo Péter Krekó, coordenador do Observatório Húngaro dos Meios de Comunicação Digitais, os países da Europa Central e Oriental estão particularmente expostos ao risco de desinformação devido à sua proximidade com a Rússia. “A Rússia sempre foi um certo tipo de laboratório para a desinformação, para as narrativas pró-russas”, disse ao The Cube.

No entanto, não é só à desinformação pró-russa que a região da Polónia, da Hungria, da Chéquia e da Eslováquia está exposta. As falsas narrativas sobre a guerra na Ucrânia, as alterações climáticas, a imigração e a saúde pública podem prevalecer em toda a Europa. De acordo com os especialistas, estes temas tendem a ser difundidos pela extrema-direita e a sua disseminação é intensa no período que antecede as eleições. Os agentes maliciosos podem estar a empregar a IA para lançar milhares de microcampanhas com estratégias de microdirecionamento destinadas a potenciais eleitores, em vez de uma grande campanha eleitoral. E alguns atores políticos pagam às grandes plataformas tecnológicas, enormes quantias de dinheiro para campanhas publicitárias, muitas das quais estão a espalhar desinformação.

Hoje, somos todos suscetíveis à desinformação, devido à forma como absorvemos e digerimos, passivamente, os meios de comunicação social: passámos de “homo sapiens” a “homo videns” (o humano que vê). A informação falsa é operada com diferentes ferramentas, como a persuasão, a propaganda e a manipulação. Contra isso, a melhor solução está na literacia mediática, na educação e na verificação de factos. Ora, antes das eleições europeias, é fundamental que as notícias sejam partilhadas, de modo correto e justo, para que o eleitorado vote com a informação adequada sobre o estado da União, sobre os seus projetos de futuro, sobre a relação com o resto do Mundo e sobre o que pensam os diferentes candidatos.

2024.05.27 – Louro de Carvalho

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