quarta-feira, 1 de maio de 2024

Dia do Trabalhador foi de lamento, de protesto, de desporto e de festa

 
O Dia do Internacional do Trabalhador foi comemorado em todo o país, com as centrais sindicais, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses / Intersindical Nacional (CGTP/IN) e União Geral de Trabalhadores (UGT), a promoverem manifestações e iniciativas pela valorização dos trabalhadores, em clima de festa e desporto, de lamento e de protesto.
A CGTP/IN iniciou as comemorações, em Lisboa, logo pela manhã, com a corrida internacional do 1.º de Maio, com partida do Estádio 1.º de Maio e com regresso ao mesmo lugar. À tarde, a partir das 14h30, aquela central sindical promoveu o tradicional desfile entre o Martim Moniz e a Alameda D. Afonso Henriques, onde se realizou um comício que teve como orador principal o novo secretário-geral, Tiago Oliveira, que sucedeu a Isabel Camarinha em fevereiro.
No Porto, foi organizada uma manifestação, à tarde, na Avenida dos Aliados.
As comemorações da central sindical ocorreram, ainda, por todo o país, abrangendo, segundo o programa adrede divulgado, Açores, Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Madeira, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, com manifestações, festas populares e provas desportivas.
Há duas semanas, o secretário-geral da CGTP/IN disse estar convicto de que o 25 de Abril e o 1.º de Maio são, neste ano, “grandes momentos de afirmação dos trabalhadores” pela valorização dos salários e combate à precariedade.
Já a central UGT comemorou o 1.º de Maio em Vila Real, na Praça do Município desta cidade transmontana, onde as celebrações se iniciaram às 11h30, com atividades desportivas e culturais e tendo havido, às 15h00, intervenções de dirigentes políticos e sindicais, destacando-se, como era expectável, a de Mário Mourão.
No tempo de antena disponível no seu site, o secretário-geral, Mário Mourão, diz que a UGT exige ao governo o cumprimento do aumentos de salários e de pensões e que “continua disponível para o reforço da concertação e diálogo social”, mas “também para a luta”, se necessário. Sobre as empresas privadas, afirmou que “não podem continuar a ganhar milhões apenas para os acionistas e os administradores”. Depois, apelou à sindicalização, “em especial aos jovens e mulheres”, pois “nada está adquirido”.
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O líder da CGTP/IN avisou, neste dia, que “o futuro não se avizinha fácil” para os trabalhadores, para os jovens e para os reformados, com a nova realidade política que resultou das eleições de 10 de março, apontando críticas ao novo governo de Luís Montenegro. “Conhecemos bem a política do governo PSD [Partido Social Democrata] e CDS [Partido do Centro Democrático Social]. Conhecemos o passado e os seus objetivos para o futuro. Conhecemos bem o programa do governo e o que ele comporta. Comporta mais exploração, mais precariedade, mais desregulação dos horários e salários mais baixos”, disse o secretário-geral da CGTP-IN, no discurso do 1.º de Maio, na Alameda, em Lisboa.
Para Tiago Oliveira, “este não é um governo comprometido com os trabalhadores”, mas, antes, “um governo comprometido com as elites económicas, com o agravamento da exploração capitalista, que se submete às imposições da União Europeia [UE] e as aplaude”.
O líder da CGTP/IN, lembrando que os grandes grupos económicos “continuam a encher os bolsos com milhões de lucros”, enquanto as famílias sofrem com a subida dos preços e da prestação da casa, acusou que “foi opção política que o Governo PS [Partido Socialista] assumiu e [que] o governo PSD-CDS vai intensificar”.
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Por seu turno, o secretário-geral da UGT considerou, neste dia, em declarações à Lusa, em Vila Real, que os sinais que chegam do governo da Aliança Democrática (AD) “não são muito animadores” e recusa a ideia de liberalização dos despedimentos.
Em declarações antes dos comícios que marcaram a celebração pela central sindical das comemorações do Dia do Trabalhador, em Vila Real, Mário Mourão considerou que as conversações em sede de concertação social devem começar no ponto onde pararam e “apontar ao futuro e não ao passado”. “Está prevista uma reunião da Concertação Social para sete [de maio] e os sinais que temos recebido pelas declarações feitas pelos membros do governo não são muito animadores“, disse o líder da UGT, prosseguindo com perguntas que tocam o que julga serem os pontos essenciais no regresso às negociações: “Faz hoje um ano que a Agenda do Trabalho Digno entrou em vigor. É para piorar ou para melhorar? Queremos fixar jovens com uma legislação que não dá condições de estabilidade aos trabalhadores? Como é que nós queremos fazer?”.
A admissão, pelo governo, de “que o problema da precariedade se resolve com a flexibilização dos despedimentos”, não é, sequer cenário, para o dirigente sindical. “Provavelmente resolve-se. Os precários vão para o desemprego e deixam de ser precários. Esta não é a solução de que a UGT comunga. Temos aqui uma grande divergência sobre a forma como se combate a precariedade em Portugal”, enfatizou Mário Mourão.
O secretário-geral da UGT defende um “combate contínuo” à precariedade, recordando que ela “atinge os mais jovens”, e que deve ser por aí que terão de “dirigir o combate certo […], criando melhores condições para que esses jovens se fixem e se sintam seguros no seu país”.
Questionando se os sinais dados pelo governo podem deixar mais confortáveis as confederações patronais, Mário Mourão avançou com uma novidade: “Das conversas que tenho tido com os meus congéneres das confederações patronais, todos eles, com exceção de um, me têm dito, que temos um acordo de médio prazo, que foi assumido pelo governo; e, sempre que chega um novo governo, não podemos começar do zero.” “Os compromissos que foram assumidos têm de ser a base de uma negociação para construirmos um novo acordo“, reforçou.
Para o dirigente sindical, “o acordo prevê que, face aquilo que são os indicadores, possa ir evoluindo e ser melhorado. Já se fez isso com o reforço do acordo no final do ano passado, passando de 810 euros, como estava previsto, o salário mínimo nacional, para 820 euros”. “Havia condições para ir mais além do que aquilo que estava acordado, uma cláusula de salvaguarda que prevê a que, a todo o momento, os parceiros se possam sentar, para melhorarem aquilo que for possível do acordo, mas também para as empresas”, enfatizou.
Sobre a opção por Vila Real para a comemoração do Dia do Trabalhador em 2024, Mário Mourão afirmou que se justifica, “para dar voz às pessoas e associações do interior do país”, ao mesmo tempo que “pede a valorização dos salários”, com atenção ao “crescimento do salário médio […], para que tenha o mesmo crescimento do salário mínimo”.
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O estado geral do trabalho, em Portugal, não é muito famoso. Predominam os trabalhadores envelhecidos e com salários baixos.
No dia 1 de maio, a Pordata (base de dados sobre Portugal contemporâneo com estatísticas oficiais e certificadas sobre o país e a Europa) apresentou o perfil do trabalhador português. De acordo com os dados compilados, a partir de fontes oficiais, concluiu que o envelhecimento da população e a emigração dos mais jovens estão a aprofundar um perfil do trabalhador português, que exige “mudanças nas políticas públicas“.
De acordo com os dados da Pordata, podem extrair-se algumas conclusões:Em termos de trabalhadores por idade, Portugal é o segundo país da UE com menor percentagem de jovens (6%, dos 25 aos 24 anos), no total de trabalhadores; praticamente, metade dos trabalhadores portugueses (43%) tem entre 25 e 44 anos (quebra de 18,7%); 47% de trabalhadores tem idades entre os 45 e os 64 anos; e 4% de trabalhadores tem mais de 64 anos.
Em termos de trabalhadores escolarizados, os trabalhadores portugueses estão, igualmente, distribuídos por nível de escolaridade: um terço (1/3), até ao 9.º ano, 1/3 com ensino secundário, e 1/3, com curso superior (com ligeiríssimo aumento em relação aos outros).
A nível do vínculo laboral, Portugal é dos países da UE onde menos mulheres empregadas trabalham em part-time (uma em cada 10); um, em cada seis trabalhadores, tem um contrato a prazo; e há 54,23% de contratos a tempo completo, a par dos 45,77%, a tempo parcial.  
Em termos de salários, Portugal é o 5.º país da UE com salário médio mais baixo (apenas com Eslováquia, a Grécia, a Hungria e a Bulgária abaixo).
O peso dos contratos a termo continua muito elevado. Parte da situação explica-se pela orientação da economia para setores mais sazonais, como o turismo, cuja necessidade de trabalhadores permanentes é reduzida. Por outro lado, a legislação laboral “muito protetora para os contratos sem termo” pode ajudar a explicar a elevada percentagem de contratos a termo, ao levar muitas empresas a preferirem contratos a termo. Esta situação gera instabilidade nas carreiras dos trabalhadores, reduz a produtividade na economia e reforça a emigração dos mais jovens.
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“Hoje, celebramos com todos os trabalhadores, que produzem, criam e contribuem para um Portugal moderno e ambicioso”, escreveu o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, na rede social X, a assinalar o 1.º de Maio, para defender que as políticas públicas têm de criar melhor emprego e um país “com menos impostos e mais rendimentos” e para elogiar todos os trabalhadores.
Também o ex-PM, que “anda por aí”, recorreu à mesma rede para assinalar o Dia do Trabalhador. “Manter o emprego em máximos, promover trabalho digno e salários justos”, para aumentar o valor dos salários no PIB [produto interno bruto], escreveu António Costa, sustentando que “é necessário monitorizar o impacto da Agenda do Trabalho Digno na dinamização da contratação coletiva e na regulação do trabalho nas plataformas”.
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O 1.º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, remonta aos acontecimentos de Chicago de há 137 anos, na jornada de luta pela redução do horário de trabalho para oito horas, reprimida com violência pelas autoridades dos Estados Unidos da América (EUA), que mataram dezenas de trabalhadores e condenaram à forca quatro dirigentes sindicais.
Há 50 anos, em Portugal, a celebração do 1.º de Maio, uma semana após a revolução do 25 de Abril, foi uma grande manifestação popular. Por todo o país, centenas de milhares de pessoas saíram à rua mostrando a sua alegria e com exigências como o direito à greve, o fim da guerra ou o regresso dos soldados, segundo as fotografias da época. Estima-se que tenham estado, em Lisboa, 500 mil pessoas, na manifestação do Dia do Trabalhador de 1974.
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Os sindicalistas desconfiam da aplicação do programa do governo, na área laboral. Com efeito, o texto preocupa-se com a falta de produtividade e com a dificuldade de as empresas (na sua maior parte microempresas), habituadas a meios e métodos tradicionais, responderem aos desafios que enfrentam. Salienta a necessidade de melhores salários, de integrar os trabalhadores e de melhorar a formação profissional. Porém, é de ambíguo mérito a remissão das questões laborais para a Concertação Social, a revisão da Agenda do Trabalho Digno (contestada pelos patrões, que pretendem a fiscalização da sua constitucionalidade), ou o enunciado seguinte: “Alargar as matérias de intervenção da negociação coletiva sem especiais condicionalismos, designadamente, matérias como a relação jurídica e tipologia do emprego, mecanismos de mobilidade, períodos experimentais, tempo de trabalho e aspetos relativos à extinção dos vínculos.”
Espera-se que a postura do PM não se circunscreva a uma atitude política, mas signifique o propósito de melhorar a relação laboral e de não reverter o que está a caminho de ficar razoável. A letra do programa do governo é de saudar. O problema é que é inexequível baixar impostos e taxas e, ao mesmo tempo, incrementar o Estado Social e apostar no investimento público. Além disso, os privados querem menos Estado, mas querem o seu apoio e aval nos seus projetos.   

2024.05.01 – Louro de Carvalho

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