O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, sentenciou, a 29 de
abril, a propósito da passagem, a 1 de maio, dos 20 anos desde o maior
alargamento de sempre, da União Europeia (UE), que esta deve ficar maior ou
arriscar-se a enfrentar uma “nova Cortina de Ferro”, ao longo da sua ala do
Leste. “O alargamento é vital, para o
futuro da UE, porque, sem ele, [há] o risco de uma nova Cortina de Ferro”,
disse Michel em entrevista a um grupo de jornalistas.
“Seria
extremamente perigoso, se tivesse uma vizinhança instável com falta de
prosperidade ou [com] falta de desenvolvimento económico. Estes são os nossos interesses
comuns – dos países candidatos e da UE – para fazer progressos, para acelerar”,
justificou.
A
advertência surge no 20.º aniversário do “Big Bang” do alargamento de
2004, quando dez países – incluindo sete antigas repúblicas soviéticas ou
Estados satélites – aderiram à UE. Se
não fosse essa expansão histórica, a UE como está hoje seria dividida por uma
“Cortina de Ferro de facto”, segundo Charles Michel, sendo os países do lado
oriental alvo de “tentativas políticas e ideológicas do Kremlin para os
ocupar”.
Nove países da Europa de Leste e dos
Balcãs Ocidentais aguardam, nos bastidores, para se tornarem membros de pleno
direito da UE. O processo de adesão é longo e complexo, com os países
candidatos obrigados a responder às exigências da UE, incluindo reformas
judiciais e constitucionais significativas. Embora a invasão da Ucrânia pela
Rússia tenha criado novo ímpeto na política de alargamento adormecida da UE, as
tentativas de acelerar o processo de adesão correm o risco de ser impedidas por
Estados-Membros mais céticos. Por sua vez, os críticos sustentam que os longos
atrasos na integração dos países estão a fomentar um sentimento de exasperação com
Bruxelas.
Em dezembro de 2023, o húngaro Viktor
Orbán, cujo governo ocupará a presidência rotativa de seis meses do Conselho da
UE, a partir de 1 de julho, ameaçou travar a abertura das negociações de adesão
com a Ucrânia, pelo veto. Porém, o presidente do Conselho da UE desvalorizou as
especulações de que a presidência húngara, combinada com um Parlamento Europeu (PE)
eventualmente mais polarizado, após as eleições, poderia dificultar ainda mais
o caminho dos países candidatos à adesão. “Estou muito confiante de que o
próximo ciclo institucional será a ocasião para reafirmar a nossa vontade
política conjunta de alargar”, afirmou Charles Michel.
Questionado sobre se o governo
húngaro poderia inviabilizar ainda mais a adesão da Ucrânia, excluindo a
questão do alargamento da agenda do Conselho, declarou: “Não estou de todo
nervoso. […] Estou confiante porque sinto que os líderes – a grande maioria
deles – estão absolutamente convencidos de que isto é importante para o futuro.”
Charles Michel acredita que a “abstenção
construtiva” – notoriamente usada por Orbán em dezembro de 2023, ao sair da
sala, após os 26 colegas aprovarem a abertura das conversações de adesão
da Ucrânia à UE – poderá ser uma rede de segurança para decisões semelhantes no
futuro. “Usamos a abstenção construtiva, que está a dar a possibilidade de um
país dizer: olhe, não gosto e não estou muito confortável com esta decisão, e
faço pública a minha opinião, mas não quero bloquear a grande maioria dos
Estados-membros”, explicou.
A possível integração da Ucrânia – o
país que sofre a guerra e cujo produto interno bruto (PIB) per capita é três vezes menor do que o da Bulgária, a menor
economia da UE – está a suscitar receios de que a adesão de Kiev destabilize a
estrutura orçamental do bloco, vindo muitos países da UE a passar de
beneficiários líquidos a contribuintes líquidos.
Um relatório do think tank Bruegel (dedicado à pesquisa de políticas em questões económicas)
estima que a adesão do país devastado pela guerra custaria à UE entre 110
e 136 mil milhões de euros, ao longo de sete anos. Charles Michel diz que, para
aliviar o potencial impacto da adesão da Ucrânia na economia da UE, o país
precisaria de uma transição específica baseada num modelo que não está
atualmente no sistema, sobretudo devido ao custo potencial da sua reconstrução
pós-guerra. Porém, apelou ao bloco para não ter medo da integração da Ucrânia,
afirmando que o país será um local atrativo para investir como parte do mercado
único. E admitiu que outros países mais alinhados com a economia do bloco
possam vir a ser aceites como membros da UE, antes do final da década. Para
tanto, a UE deve fazer o trabalho de casa, incluindo a implementação das
reformas necessárias, para estar pronta para o alargamento, o mais tardar até
2030.
***
O alargamento é a política externa mais eficaz da UE,
mas, desde a grande vaga de novos membros, em 2004, o processo estagnou. A invasão da Ucrânia criou novo
sentido de urgência, com os líderes da UE a multiplicarem as reuniões com os sete
países candidatos, na cimeira da Comunidade Política Europeia (CPE), a 5 de
outubro de 2023, em Granada, na Espanha. No entanto, alguns daqueles países têm
as candidaturas bloqueadas, há mais de 10 anos, apesar de o processo de adesão
e as suas exigências continuarem os mesmos.
Antes de 2004, segundo Ian Bond,
diretor de política externa do Centro para a Reforma Europeia, “tudo parecia ir
na direção de um mundo global mais aberto”. Aqueles países estavam na transição
do comunismo para a democracia e para a economia de mercado livre, pelo que “havia
um grande sentimento de esperança e de que estávamos a devolver estes países à
Europa”. Mais tarde, Herman van Rompuy, o então presidente do Conselho Europeu,
saudou a adesão dos 10 países, maioritariamente da Europa de Leste, dizendo que
“a Europa tinha voltado a ser Europa”.
Agora, para Bond, a UE é um lugar mais
sóbrio, olha os riscos, as desvantagens e as ameaças, tentando equilibrar tudo,
quando pensa na próxima ronda de alargamento”. Esta cautela é devida, em parte,
às crises globais que o Mundo enfrentou, incluindo várias crises financeiras,
uma crise migratória, a pandemia global de covid-19 e, agora, a invasão em
grande escala da Ucrânia pela Rússia.
A
arquitetura financeira foi alterada, as tentativas de elaborar uma política
comum de migração começam a cristalizar-se, foram introduzidos contratos
públicos conjuntos, para adquirir vacinas e gás, foi emitida dívida comum, para
angariar fundos e, agora, a UE estuda uma política comum de segurança e de defesa.
Os desenvolvimentos internos também são responsáveis pela situação, tais como a
ascensão do populismo e do nacionalismo na UE, que levou alguns Estados-membros
a bloquearem o progresso da adesão, por causa de questões bilaterais com os
países candidatos.
Isto
nota-se em relação à República da Macedónia do Norte, que apresentou o pedido
de adesão em 2004, obteve o estatuto de candidato, em 2005, e está num impasse,
há 17 anos. A
candidatura foi, de início, bloqueada pela França e pelos Países Baixos, porque
o processo de alargamento precisava de melhoria, e pela Grécia, depois, por
causa da disputa sobre o nome do país. Resolvida a questão, em 2018, a
Bulgária exigiu o reconhecimento formal de que a cultura e a língua da
Macedónia do Norte são fortemente influenciadas pela Bulgária, bem como uma
maior proteção da minoria búlgara do país. E as negociações de adesão foram reabertas,
em julho de 2022.
“O processo de negociação tornou-se
cada vez mais difícil e não pode ser concluído com sucesso no mandato de um
governo”, disse Zulfi Ismaili, chefe da missão da República da Macedónia do
Norte junto da UE, vincando que a evolução das negociações se baseou na lição
aprendida pela UE com os anteriores alargamentos e num apoio político mais
reservado ao processo.
A Hungria, liderada pelo conservador
e populista Viktor Orban, declarou que vetaria a adesão da Ucrânia, enquanto
este país não garantisse determinados direitos à minoria étnica húngara.
Sempre fez parte do processo de
alargamento lidar com questões bilaterais, mas a ascensão de partidos populistas
de extrema-direita torna difícil o avanço, porque estas questões bilaterais se
tornam proeminentes. Depois, há o problema do retrocesso democrático e da
erosão do Estado de direito em alguns Estados-membros. Foram precisos anos de
conflitos jurídicos entre a Comissão Europeia e, em especial, a Polónia e a
Hungria, para criar, em 2022, um novo mecanismo de Estado de direito que liga o
respeito pela legislação e pelos valores da UE ao desembolso de fundos
comunitários.
Os progressos continuam lentos, pois
ambos os países vêm arrastando a aplicação das decisões do Tribunal de Justiça da
União Europeia (TJUE) e têm tentado utilizar o veto noutros dossiês da UE, para
garantirem concessões e fundos. O receio é que a democracia e o respeito pelo
Estado de direito sejam já muito mais frágeis e a corrupção mais frequente
nalguns dos países candidatos à UE e que estes sejam mais propensos a tentar
jogar com o sistema. Por isso, Ian Bond sustenta que é importante, para o
funcionamento do mercado único que “a UE continue a ser um espaço jurídico
único, um espaço jurídico comum”, estando Orbán (na Hungria) e o PiS (na Polónia)
estão a pôr isso em risco, “com as suas reformas judiciais: não se pode ir a um
tribunal em todos os 27 Estados-membros e obter a mesma decisão com base nos
factos do caso”.
Outro obstáculo ao alargamento, nas
últimas décadas, é o debate crescente sobre a capacidade de absorção: a
capacidade da UE para integrar novos membros, sem pôr em causa a sua eficiência
e desenvolvimento. Os dois grandes argumentos invocados pelos Estados-membros
para abrandar o processo são o dinheiro e o direito de veto. Os novos membros
tendem a ser mais pobres e poderão absorver grande parte dos fundos de coesão
do bloco, num futuro próximo. Os dez países que aderiram em 2004 tinham um PIB
muito inferior à média do bloco. E há quem preveja que a Ucrânia, uma potência
agrícola, poderia tornar-se o único beneficiário líquido da Política Agrícola
Comum (PAC), se aderisse, sem a UE proceder a uma reforma dessa política.
É também mencionada a preocupação com
o impacto potencial dos novos membros na tomada de decisões e com o facto de
poder ser mais difícil obter o consenso necessário para a resposta célere a
desafios inesperados, a menos que a utilização da votação por unanimidade seja
mais limitada, em favor da votação por maioria qualificada. Por exemplo, a
Hungria, bloqueou algumas sanções contra os oligarcas russos obteve uma
derrogação significativa do embargo petrolífero russo. A França e a Alemanha
utilizaram a regra da unanimidade em seu proveito. Porém, Ian Bond considera
este receio “largamente exagerado”, visto que a UE foi capaz de se adaptar às
várias crises ao longo das últimas duas décadas.
A UE poderia ter resolvido todas
estas preocupações, desde 2004, se o alargamento tivesse sido feito. A invasão
da Ucrânia pela Rússia foi um dos resultados de não o ter feito. No início, o
objetivo era consolidar a Europa no contexto do confronto Leste-Oeste. E agora,
mais uma vez, é o entendimento de que não deve haver zonas cinzentas entre a UE
e a Rússia. Desde que Moscovo fez entrar os tanques na Ucrânia, os dirigentes
da UE fizeram duas cimeiras com os homólogos dos Balcãs Ocidentais e tomou a
iniciativa da criação da CPE, para reforçar os laços com os países europeus não
pertencentes à UE e para facilitar os intercâmbios a nível dos dirigentes.
E uma ideia que está a ganhar força é
a da integração gradual, com os países candidatos a poderem aderir a políticas
e a programas da UE, à medida que avançam no processo. A ideia, defendida pelo
presidente francês, Emmanuel Macron, mereceu o apoio da Macedónia do Norte.
Assim, o processo não deve centrar-se só no objetivo final, a adesão plena, mas
deve integrar os candidatos nas estruturas da UE, à medida que fazem as
reformas. Um capítulo encerrado deve significar um lugar à mesa na formação
adequada do Conselho, sem direito a voto, pois o fosso de convergência entre
Estados-membros e candidatos deve diminuir, em vez de aumentar.
***
São candidatos à UE: o Montenegro, a
Sérvia, a Turquia, a Macedónia do Norte, a Albânia, a Ucrânia, a Moldávia, a Bósnia-Herzegovina
e a Geórgia. Têm, pois, de assegurar, politicamente, a estabilidade das
instituições que garantem a democracia, o Estado de direito, os direitos
humanos e o respeito e a proteção das minorias; economicamente, o funcionamento da economia de mercado e a
capacidade de fazer face à pressão concorrencial e às forças de mercado; e, administrativa e institucionalmente, a capacidade para aplicar o acervo da UE
(os direitos comuns) e para assumir as obrigações decorrentes da adesão à UE.
Precisa-se de uma UE cidadã, vigorosa,
progressista e com autoridade no Mundo.
2024.04.30 – Louro de Carvalho
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