Foi alterado o regulamento interno do Parlamento
Europeu (PE), passando a haver, por exemplo, novas supercomissões
parlamentares, mais poderes de inquérito sobre os comissários e tentativas de evitar reuniões quase
desertas, mas com escassas medidas para
garantir a igualdade de género.
Os eurodeputados passaram os últimos
10 meses a atualizar o seu regulamento interno, processo iniciado pela
presidente do PE, Roberta Metsola, com o objetivo de resolver problemas de
longa data, como a falta de relevância em relação às outras instituições da União
Europeia (UE) e o absentismo visível no hemiciclo, em alguns debates de
atualidade. Por outro lado, um dos objetivos da reforma é que os comissários
sejam nomeados pelos grupos políticos.
O
processo chegou ao seu termo, com a aprovação final das novas regras pelos eurodeputados,
que estão em fim de mandato, uma vez que, de 6 a 9 de junho, se realizarão novas
eleições dos eurodeputados para o próximo quinquénio.
Com a Comissão Europeia, o executivo
da UE, a apresentar cada vez mais “pacotes” de leis, em vez de iniciativas
legislativas isoladas, os conflitos de competências entre duas ou mais
comissões parlamentares tornaram-se ocorrência frequente nos últimos anos.
As novas
regras, a observar, no próximo mandato, incluem um procedimento de consulta que
permite atribuir as propostas da Comissão Europeia às comissões, de forma mais
direta, para evitar conflitos que surjam mais tarde e para ganhar tempo no
Conselho da UE, cujas negociações são, muitas vezes, mais rápidas do que as do
Parlamento. E, quando um pacote específico da Comissão exige o controlo de
várias comissões, podem ser criadas novas comissões temporárias especiais com
poderes legislativos que duram apenas até à adoção do ato.
No passado, foram criadas comissões
especiais – como a do plano de luta contra o cancro da UE (BECA) ou a da
supervisão das lições aprendidas com a pandemia de covid-19 – para tratamento
de questões específicas. Porém, não podiam adotar textos vinculativos.
Os membros destas supercomissões – a principal novidade – serão nomeados pelos
grupos políticos, enquanto a Conferência dos Presidentes do Parlamento Europeu
pode decidir se nomeia um ou mais relatores para liderar o dossiê e para o
negociar com o Conselho da UE.
Outro
objetivo da reforma é permitir um maior controlo democrático sobre o executivo
da UE, uma função essencial do PE, nos termos dos Tratados da UE.
As regras preveem
disposições muito mais claras para as “audições de confirmação”, nas quais os
deputados ao PE dão luz verde aos comissários designados antes de estes
assumirem funções.
A duração da
sessão de avaliação da competência dos potenciais comissários será alargada
para quatro horas, enquanto o chefe da comissão deverá “informar o Parlamento
sobre a estrutura prevista para a nova comissão”, em vez de se concentrar
apenas na atribuição de pastas.
A sede dos legisladores por mais
poderes de investigação ficou patente no caso que envolveu a revogação da
nomeação de Markus Pieper que fora nomeado para o cargo de enviado das pequenas
empresas, caso suspeito de favoritismo político que abalou o executivo da UE. A
demissão do polémico representante para cargo altamente remunerado da UE só aconteceu
depois de o PE ter instado o executivo a anular a nomeação contestada. Todavia,
devido à inexistência de um procedimento específico, os eurodeputados
expressaram o seu desconforto apresentando a alteração a um dossiê orçamental
não relacionado com o assunto.
A partir da próxima legislatura, o PE
disporá de uma nova arma, as audições especiais de controlo, através das quais
poderá questionar os comissários ou quaisquer outras pessoas relevantes sobre
as suas ações políticas relativamente a uma questão de grande importância
política.
Quanto às faltas a reuniões plenárias,
é de referir que, em 2017, Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão
Europeia, ante a audiência de 30 deputados numa audição parlamentar, considerou
ridícula a única instituição democrática da UE. Sete anos depois, o absentismo
continua notório, manchando a imagem do PE e diminuindo-lhe a credibilidade
democrática.
A reforma pretende encorajar
participação mais visível nas sessões parlamentares, especialmente através das
câmaras. Uma das novas regras processuais estabelece que “os deputados não
devem ter lugares pré-atribuídos e devem ser encorajados a sentar-se na frente
do hemiciclo”, o que significa que os legisladores devem juntar-se para dar a
ilusão de multidão. Porém, a falta de assiduidade manter-se-á, pois as
alterações mais ambiciosas para resolver a questão foram diluídas em várias
passagens, antes da votação plenária. Os deputados ao PE só serão “incitados” –
mas sem qualquer obrigação real – a permanecer na sala durante um debate em que
estejam a participar, pelo que poderão estar presentes para a sua curta intervenção
e sair logo a seguir.
A falta de atenção dos meios de
comunicação social é tida como incentivo ao absentismo crónico, sobretudo
quando os temas discutidos são demasiado técnicos ou quando a dinâmica política
que desencadeou o debate já passou. Entretanto, uma nova disposição permitirá a
convocação de plenários especiais, para abordar “questões de importância
política significativa”, criando uma plataforma de diálogo que pode ser convocada
no pico dos ciclos noticiosos.
No entanto, as novas regras não
obstam a que as mulheres no PE enfrentem uma significativa sub-representação,
quer no hemiciclo, quer em todos os cargos administrativos. E, mesmo quando
presidem a comissões, são relegadas, não raro, para a supervisão de tópicos
menos conhecidos, perpetuando o desequilíbrio de poder e de visibilidade,
dentro da instituição.
Embora houvesse grandes expectativas
quanto à forma como a igualdade entre homens e mulheres seria tratada, nesta
reforma, as disposições finais ficaram aquém das expetativas.
É certo que foi
aprovada uma proposta do partido A Esquerda para incentivar uma maior
representação feminina, mas não incluía quaisquer obrigações vinculativas em
matéria de quotas. A nova regra afirma apenas que “os grupos políticos têm a
responsabilidade coletiva de apresentar candidatos que respeitem o equilíbrio
entre os géneros”, o que não deixa entrever grandes mudanças em matéria de
igualdade de género. Em relação ao controlo exercido pelo PE sobre a Comissão
Europeia, as regras especificam que o PE examinará a composição do colégio de
comissários, em termos de responsabilidades e o seu equilíbrio de género.
***
Não é só na política e no PE que as mulheres enfrentam
desigualdades. Também as enfrentam no acesso ao trabalho, na progressão e nas
recompensas.
Vários indicadores revelam a desigualdade entre homens e
mulheres, na Europa, em muitos domínios, mas a vida económica é uma das áreas
que mais afeta as mulheres, as quais, apesar das melhorias, sofrem de
disparidades de género no atinente aos salários, à participação na força de
trabalho, ao emprego e às posições hierárquicas no local de trabalho.
As disparidades salariais não
ajustadas entre homens e mulheres são indicador significativo da diferença
entre a média dos ganhos horários brutos dos homens e das mulheres, expressa em
percentagem da média dos ganhos horários brutos dos homens –, sem ter em conta a
educação, a idade, as horas trabalhadas ou o tipo de emprego.
Em 2022, as mulheres, na UE, ganhavam,
em média, menos 12,7% por hora do que os homens. Por isso, teriam de trabalhar
mais 1,5 meses para compensar a diferença.
As disparidades salariais entre os
sexos variam bastante na UE e no bloco da Associação Europeia de Comércio Livre
(EFTA). Em 2022, era superior a 17%, em vários países.
A Estónia
registou a maior diferença salarial entre homens e mulheres, com 21,3%, seguida
da Áustria (18,4%), da Suíça e da Chéquia (ambas com 17,9%). O Luxemburgo
(-0,7%) foi o único país com valor negativo, o que significa que as mulheres
ganham ligeiramente mais do que os homens. Para lá do Luxemburgo, a Itália, a
Roménia e a Bélgica registaram as disparidades salariais mais baixas,
inferiores a 5%. Entre os “quatro grandes” da UE, a Alemanha (17,7%) e a França
(13,9%) registaram disparidades mais elevadas do que a média da UE.
Um dos objetivos da Comissão Europeia
é reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres na UE. O progresso
é constante, mas é lento.
Entre 2012 e 2022, essa diferença diminuiu
3,7%, na UE, passando de 16,4% para 12,7%. Em seis países (a Eslovénia, a
Letónia, a Polónia, Malta, a Suíça e a Lituânia”, as disparidades entre homens
e mulheres aumentaram, variando entre 0,1% e 3,7%. A Espanha registou a maior
melhoria das disparidades salariais, com a diminuição de 10%, neste período,
seguida da Estónia (8,6%), da Islândia (8,4%) e do Luxemburgo (7,6%). A
Alemanha e o Reino Unido registaram igualmente uma diminuição considerável de 5%
e 4,7%, respetivamente.
Em 2022, a diferença salarial entre
homens e mulheres era mais elevada no setor privado do que no público, em 21
dos 24 países europeus. Segundo o Eurostat, a agência de dados da UE, isto pode
dever-se ao facto de a remuneração no setor público ser determinada por grelhas
salariais transparentes que se aplicam igualmente a homens e mulheres na UE. E
as disparidades salariais, no setor público, só foram mais elevadas em
Portugal, na Eslovénia e na Finlândia.
Chipre registou (-0,2%) uma diferença
negativa no setor público, o que indica que as mulheres são mais bem pagas do
que os homens. E registou, igualmente, a diferença mais elevada entre o setor
público e o privado, com 19,7%. Esta diferença era superior a 10%, em cinco
países, sugerindo que a desigualdade salarial entre homens e mulheres era forte
em muitos países.
A Chéquia registou a maior diferença no
setor privado, com 20,5%, seguida pela Alemanha (19,9%). Isto mostra que as
mulheres ganham, em média, 80 euros por cada 100 euros ganhos pelos homens no
setor privado alemão.
As razões subjacentes à disparidade salarial
entre homens e mulheres não são simples. É mais do que a questão de salário
igual para trabalho igual. “Abrange um grande número de desigualdades que as
mulheres enfrentam no acesso ao trabalho, na progressão e nas recompensas”,
sublinha a Comissão Europeia, apontando as principais razões:
- Segregação setorial. Cerca
de 24% das disparidades salariais estão relacionadas com a sobrerrepresentação
das mulheres em setores com salários baixos, como os cuidados, a saúde e a educação.
Em 2022, trabalhavam a tempo parcial 28% das mulheres, na UE, e 8% dos homens.
- Discriminação salarial. As
mulheres ganham menos do que os homens, por fazerem um trabalho igual ou de
igual valor, em alguns casos.
- Partilha desigual
do trabalho não remunerado. As
mulheres trabalham mais horas por semana do que os homens e passam mais horas
em trabalho não remunerado.
- O teto de vidro. A
posição na hierarquia influencia a remuneração. Por exemplo, a profissão que
regista as maiores diferenças de remuneração horária, na UE, é a de gestor: 23%
menos remuneração para as mulheres do que para os homens, que ocupam posições
mais elevadas do que as mulheres. Em 2021, as mulheres representavam só 35% dos
gestores na UE.
A percentagem de mulheres nesta
posição não ultrapassava os 50%, em nenhum país da UE. A Letónia (46%), a
Polónia e a Suécia (ambas com 43%) tinham as maiores percentagens, enquanto
Chipre (21%), o Luxemburgo (22%) e os Países Baixos (26%) registavam as menores
proporções.
Há ainda muitos fatores a ter em
conta para compreender as disparidades salariais entre homens e mulheres. Em
2022, as mulheres com ensino superior (37,1%), que inclui universidades, faculdades
e formação técnica, na UE, eram superiores aos homens (31,4%).
A percentagem de mulheres com ensino
superior era superior à de homens em quase todos os países da UE, exceto na
Alemanha e na Áustria. No entanto, a taxa de emprego das mulheres (83,6%) era
inferior à dos homens (88,9%) na UE. Estes números demonstram que as mulheres
têm menos emprego, embora tenham mais habilitações académicas.
Entre os 15 e os 64 anos de idade, a
taxa de emprego dos homens, na UE, era de 74,7%, em 2023, excedendo a das
mulheres (64,9%), em 9,8%. A taxa de emprego dos homens era mais elevada do que
a das mulheres em todos os países da UE, variando entre 0,3%, na Lituânia, e
19,1% na Grécia. A Turquia, país candidato à UE, registou o valor excecional de
34,6%.
A taxa de participação das mulheres
no mercado de trabalho foi inferior à dos homens, em todos os países da UE. Em
2022, a diferença era de 9,9%, na UE. Este valor era de 16,6%, em 2002.
Embora, nas últimas duas décadas, quase
todos os países, exceto a Roménia, tenham registado melhorias, a diferença na
taxa de participação na força de trabalho era superior a 10%, em oito países da
UE, incluindo a Roménia, a Itália e a Grécia. A Espanha, Malta e o Luxemburgo
registam grandes melhorias na redução das disparidades nesta área.
***
É escandaloso e fraudulento o absentismo
nos plenários do PE. Os eurodeputados falham no exemplo que devem ser para os
parlamentos nacionais; tornam-se não merecedores do salário que recebem, mais
avultado do que o do comum dos eurocidadãos; e defraudam o estatuto de representantes
dos cidadãos da UE e dos seus países.
Por fim, fica sem comentário o
atropelo à propalada igualdade de homem e mulher na UE, vaidosa e oca paladina
dos direitos humanos e do progresso civilizacional. Para quando o respeito pela
dignidade da pessoa, independentemente do sexo, da etnia, do credo ou da condição
social? A UE não tem autoridade para everter a situação, se não o faz no PE.
2024.04.19 –
Louro de Carvalho
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