A pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento Europeu (PE), no próximo mês de junho (em Portugal, no dia 9 e, no resto da UE, entre os dias 6 e 9), a grande questão que se levanta é se os eleitores terão em mente a ação da União Europeia (UE) ou o seu país, quando colocarem o seu voto na urna respetiva. Ou seja, os cidadãos votarão por razões nacionais ou europeias?
Em alguns países, como
a França, as eleições europeias são apresentadas por alguns como eleições intercalares ou como antecipação das eleições presidenciais;
noutros, como Portugal e a Itália (a primeira-ministra italiana o assume),
servem para testar o governo em exercício.
As eleições europeias
“são, antes de mais nada, eleições intercalares”, diz Jordan Bardella, cabeça
de lista do partido de extrema-direita National Rally, que apela à “sanção da
Europa de Macron”.
Pascal
Perrineau, professor emérito da Sciences Po Paris
e autor de “O gosto pela política” (Éditions Odile Jacob), considera: “
“Se eu estiver na liderança, é claro que vou pedir a dissolução
da Assembleia Nacional [AN], nessa mesma noite”, disse Bardella, em entrevista
à RTL. Mas isso não passa de um
desejo, porque, segundo a Constituição francesa, só o Presidente da República
pode tomar tal decisão.
“Sim, as eleições
europeias de 2024 vão abrir caminho para as eleições presidenciais de 2027”,
disse Jean-Luc Mélenchon, que concorre na lista da France insoumise.
Para Éric
Maurice, analista político do Centro de Política
Europeia, em França, esta é a grande eleição
Um ano após as
primeiras eleições europeias, em 1979, os investigadores Karlheinz Reif e
Hermann Schmitt classificaram o escrutínio de “eleição nacional de segunda
ordem”. Permitiriam às forças políticas avaliar a sua popularidade, a nível
nacional, sobretudo se realizadas a meio do mandato presidencial. Além disso,
os investigadores chamam “nacionais” às eleições europeias, por serem
organizadas a nível nacional, de acordo com regras nacionais, e oporem
candidatos nacionais a candidatos nacionais sobre questões nacionais. O método,
o dia e a idade legal para votar ou para se candidatar diferem de um
Estado-Membro para outro. Contudo, vários estudos observaram o aparecimento de
atitudes europeias, relativamente às eleições para o PE. Céline Belot e
Virginie Van Ingelgom, por exemplo, mostraram a existência de uma escolha
eleitoral baseada em posições europeias nas eleições europeias de 2014.
Éric Maurice refere que as compras
conjuntas de equipamento médico e de vacinas, durante a pandemia de covid-19, e
a adoção de sanções contra Moscovo, na sequência da invasão, em grande escala,
da Ucrânia pela Rússia, mostram que as crises recentes catapultaram,
a
Resta saber
se isto será suficiente para dar mais visibilidade às questões europeias nas eleições de
junho. Com efeito, o trabalho da UE continua a ser pouco conhecido do grande
público.
Neste ano, as questões
europeias poderão ser ofuscadas pelas questões nacionais nas eleições
europeias, enquanto a atenção de muitos países é desviada por outras eleições.
Em 2024, estão a ser organizadas cerca de dez eleições nacionais na UE. Na Bélgica, as eleições federais e regionais realizar-se-ão
no mesmo dia que as eleições europeias, 9 de junho. Na Finlândia, na Eslováquia, na Lituânia e na Roménia,
realizam-se eleições presidenciais em 2024, enquanto, em Portugal, na Áustria e na Croácia, os eleitores são ou
foram chamados às urnas para eleições legislativas.
As
eleições europeias podem também ser uma oportunidade para os partidos no poder
ou na oposição avaliarem a sua popularidade antes de futuras eleições.
Na Polónia, as eleições legislativas de outubro de 2023 provocaram
a mudança de governo, após a derrota do partido ultraconservador Lei e Justiça
(PiS) e a vitória da Coligação Cívica liderada por Donald Tusk. Para o PiS, que
foi derrotado no outono, esta será também uma oportunidade para retomar o
caminho a nível nacional.
A mesma análise é válida para a Chéquia,
onde o partido do antigo primeiro-ministro Andrej Babis, que perdeu as últimas
eleições presidenciais, está à frente nas eleições europeias. Para ele, é
também a perspetiva de voltar ao poder, talvez nas próximas eleições
presidenciais.
Em França, as questões nacionais prevalecem sobre as europeias, para metade dos
inquiridos, segundo uma sondagem da IPSOS para o “Le Monde”, para o Cevipof, para
a Fondation Jean Jaurès e para o Institut Montaigne. Afirmaram 53% dos inquiridos
que teriam em conta, para determinar o seu voto, “sobretudo as propostas dos partidos
sobre questões nacionais”, e 47% sobre questões europeias. Além
disso, 52% dos inquiridos afirmaram que “votariam,
sobretudo, para manifestar o apoio ou a oposição ao Presidente da República ou
ao governo.
De acordo com o estudo,
a europeização das preocupações está socialmente
dividida. “Em certos círculos – penso, em particular, nos
trabalhadores de colarinho branco, nos executivos e nos trabalhadores com menos
de 50 anos – há a consciência de que a Europa é mais do que algo distante em
Bruxelas ou em Estrasburgo”, explica Pascal Perrineau. “Por outro lado, em
certos círculos mais afastados da Europa – penso nos operários, nos empregados,
nos desempregados [...] as preocupações nacionais sobrepõem-se muitas vezes às
preocupações europeias”, explica o autor de “O gosto pela política”.
Em contrapartida, as questões
europeias, como a imigração, a Política Agrícola Comum e o apoio à Ucrânia,
também estão a entrar nas eleições nacionais. Além disso, as questões nacionais
e europeias estão tão interligadas que, por vezes, é difícil separá-las.
***
A maioria dos Europeus prioriza o
combate à inflação. Os Portugueses são os mais preocupados com o aumento do custo
de vida e as desigualdades. A direita dá mais atenção às questões sociais, na
eleição de 2024 do que em sufrágios anteriores, segundo uma sondagem da IPSOS, em exclusivo para a Euronews, a primeira do género a ser
realizada em 18 países europeus, na antecâmara do sufrágio europeu.
No contexto da crise inflacionária sentida em
2023, sobretudo no atinente aos alimentos, o
aumento do custo de vida preocupa 68% dos inquiridos (mais
de um terço). Depois, a maioria dos eleitores (64%) exige a redução das
desigualdades e a preservação dos sistemas de proteção social. A preocupação
com o bem-estar e o nível de vida está bem presente na mente dos Europeus, com
62% a reclamarem mais crescimento económico. Em quarto lugar nas
prioridades, está a luta contra a imigração ilegal (59%), uma das bandeiras da
extrema-direita, o que reflete o crescimento desta ideologia na Europa. Logo
a seguir, surge o combate ao desemprego (57%). E, por fim, vem a resposta às
alterações climáticas (52%).
Os eleitores, com
especial incidência no Sul da Europa, estão
crescentemente virados para
uma UE mais social. De acordo com a referida
sondagem, 84% dos Portugueses demonstram
maior preocupação, face à subida dos preços. Na segunda posição, aparecem os Espanhóis
(76%) e, em terceiro lugar, estão os Italianos (71%), seguidos dos Franceses
(69%).
Na realidade, mais de
dois terços dos Europeus (68%) estão preocupados com a alta de preços, apesar
do abrandamento registado, em janeiro, em 15 dos 27 países da UE. Só para
7 % dos potenciais eleitores, é que a inflação não é uma prioridade, com os Finlandeses
a serem os menos preocupados com o custo de vida.
Sinal dos tempos de
crise é os cidadãos da UE
terem um sentimento de
empobrecimento geral. Assim, 64% das pessoas querem que o bloco europeu salvaguarde os seus direitos
sociais e pedem que as desigualdades sociais sejam reduzidas. Apenas 8 % são
contra.
Os Portugueses (82%)
estão, novamente, no topo, enquanto os Polacos são os menos preocupados com as
discrepâncias no nível de vida. De Portugal vem também o pedido mais veemente para políticas que
estimulem o crescimento económico. Nestes termos, 62% dos
inquiridos exigem à UE medidas eficazes para impulsionar o crescimento económico.
E os Neerlandeses são
os menos favoráveis a qualquer forma de intervenção à escala europeia para
robustecer economia.
A direita está
mais atenta às questões sociais. Nas eleições de 2024, as questões sociais não são apenas prioridades dos
partidos de esquerda e de centro-esquerda. Os
conservadores moderados, os liberais e mesmo os que ainda estão mais à direita
parecem reclamar mais intervenção legislativa social e económica da UE do que
nos atos eleitorais anteriores. Os partidos de direita, incluindo o grupo dos Conservadores
e Reformistas Europeus (ECR, na sigla inglesa) e, sobretudo, a extrema-direita do grupo Identidade e Democracia (ID),
sinalizam a importância de medidas contra a inflação. Já no tocante
às desigualdades e
à proteção social, os partidos de esquerda
e de centro-esquerda são, sem surpresa, os mais exigentes.
As formações da Grande
Coligação – Partido Popular Europeu (PPE), Aliança Progressista dos Socialistas e
Democratas (S&D), Renovar a Europa (RENEW) – são as que querem mais assertividade
quando se trata de tomar medidas que estimulem o crescimento económico.
Os líderes da UE para os próximos cinco anos têm de encontrar
uma solução para responder às exigências dos cidadãos, que podem
exigir mais despesa pública. Assim, não se percebe como algumas listas
de candidatos a eurodeputados, em Portugal, são tão pobres.
Os líderes dos dois principais partidos tomaram decisões inexplicáveis
sobre as candidaturas às eleições do PE. O líder do Partido Socialista (PS) prescindiu
dos nove eurodeputados, onde se contam três ex-ministros e dois ex-secretários
de Estado, prescindindo da experiência adquirida em Bruxelas e em Estrasburgo,
geralmente bem avaliada, e das posições adquiridas na bancada do S&D e no
PE. E o líder do Partido Social Democrata (PSD), como refere o
constitucionalista Vital Moreira, prescindiu do presidente da Câmara do Porto, “trocando-o,
à última da hora, por um jovem e politicamente incerto comentador político na
moda, cujo registo político inclui uma candidatura a deputado nacional pelo CDS
[Partido do Centro Democrático Social], há anos”.
Tais decisões, segundo Vital Moreira, “só podem ser explicadas por
desconhecimento sobre as exigências do mandato parlamentar europeu – que não é
uma ociosa sinecura, como muita gente pensa – e por uma correspondente
incapacidade para levar a sério o Parlamento Europeu e a sua importante agenda
política no próximo quinquénio”. Além disso, é de realçar que nenhum líder anterior teve necessidade de substituir todos
os candidatos; não se conhece hostilidade do grupo de eurodeputados à nova
liderança; esta é uma das maiores delegações do PS no PE, preenchendo nove dos
21 eurodeputados portugueses; e o desempenho do grupo é tido como muito
positivo.
Prevê-se que o PE, com 720 deputados, após as próximas
eleições, mantenha o peso relativo dos dois principais partidos europeus, o PPE e o
PSE/S&D; sofra perda significativa de Renovadores (liberais) e de Verdes;
e tenha aumento acentuado da representação dos
dois partidos mais à direita, isto é, o ECR e, sobretudo, o ID. Portanto, uma
deriva à direita, o que devia ter suscitado mais empenho na formação de listas
dos partidos democráticos!
2024.04.28 – Louro de Carvalho
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