A 10 de abril, em Bruxelas, o
Parlamento Europeu (PE) aprovou, em sessão plenária, por pequena margem, a
reforma abrangente da política de migração e asilo da União Europeia (UE).
A aprovação foi precedida de incerteza, mercê do crescente coro de
dissidência da direita e da esquerda, que não inviabilizou a votação. E a
sessão foi marcada por breve interrupção, da parte manifestantes em protesto
contra a reforma.
A reforma materializa-se no Pacto sobre Migração e Asilo, um conjunto ordenado
de cinco peças legislativas separadas, mas interligadas, que só precisa, agora,
da luz verde final dos 27 Estados-membros, o que se espera para o final do mês.
O Pacto prevê regras coletivas para gerir a receção e a relocalização de
requerentes de asilo, questão politicamente explosiva que tem sido recorrente fonte
de tensão desde a crise migratória de 2015-2016, frustrando as tentativas
contínuas de alcançar um entendimento comum a nível europeu.
Com a reforma da política de migração e asilo, apresentada, pela primeira vez, em
setembro de 2020, a UE pretende virar a página da abordagem nacional, reunindo
todos os aspetos da gestão da migração, incluindo a identificação dos
requerentes de asilo, os procedimentos fronteiriços acelerados e a reinstalação
dos refugiados.
A principal novidade é o sistema de “solidariedade obrigatória” para
garantir que todos os países, independentemente da sua dimensão e localização,
contribuam para aliviar a pressão sobre o Sul da Europa, visto que a maioria
das pessoas chega por mar à Itália, à Grécia e à Espanha.
A proposta da Comissão Europeia envolvia uma miríade de questões complexas,
como direitos fundamentais, menores não acompanhados, privacidade de dados, contribuições
financeiras, períodos de detenção e segurança nacional, o que atrasou o
processo legislativo.
O PE e os Estados-membros passaram anos, no Conselho da UE, a debater e a
alterar o projeto do Pacto, aprofundando a complexidade. As conversações foram árduas
no Conselho, onde os países defenderam opiniões opostas segundo as geografias,
as economias e as ideologias.
Cientes dos riscos, os eurodeputados assumiram a liderança e unificaram a
sua posição enquanto esperavam que o Conselho lhes seguisse o exemplo. As
negociações entre as duas instituições prolongaram-se por várias rondas e foram
concluídas ao nascer do sol de 20 de dezembro, dia em que Roberta Metsola, presidente
do PE, falou de “provavelmente o acordo legislativo mais importante deste
mandato” que estava “em preparação há 10 anos”.
O PE aprovou agora este compromisso, embora por margem inferior à
inicialmente esperada. Os principais partidos estão interessados em ostentar a
reforma na sua campanha para as eleições de 9 de junho, pois acreditam que pode
mostrar aos cidadãos que “a UE cumpre”. Porém, levará tempo a surgir a resposta
à questão se a reforma corresponde às elevadas expetativas, pois as referidas
peças legislativas levarão, em média, dois anos a entrar em pleno vigor.
Esta revisão legislativa abrange todos os aspetos internos da migração,
isto é, tudo o que acontece quando um requerente de asilo chega ao território
do bloco europeu. A dimensão externa é, ao invés, coberta por acordos, feitos à
medida, com países vizinhos, tais como a Tunísia, a Mauritânia e o Egito, para
evitar que as partidas irregulares aconteçam. Em 2023, a UE recebeu 1,14
milhões de pedidos de proteção internacional – o maior número nos últimos sete
anos – e registou 380 mil passagens irregulares de fronteiras, metade das quais
através da rota central do Mar Mediterrâneo.
A reforma não altera, no essencial, o “princípio de Dublin”, que afirma que
a responsabilidade por um pedido de asilo cabe, antes de mais, ao primeiro país
de chegada.
As cinco leis contidas no Pacto e aprovadas pelos eurodeputados são:
- O Regulamento
de Triagem, que prevê
o procedimento de pré-entrada para examinar rapidamente o perfil do requerente
de asilo e recolher informações básicas, como nacionalidade, idade, impressões
digitais e imagem facial. Serão feitas verificações de saúde e segurança.
- O Regulamento
Eurodac, alterado,
que atualiza o Eurodac, uma base de dados em grande escala que armazenará os
dados biométricos recolhidos no processo de triagem. O banco de dados passará
da contagem de pedidos para a contagem de requerentes e evitará que a mesma
pessoa apresente múltiplas candidaturas. A idade mínima para a recolha de
impressões digitais será reduzida de 14 para 6 anos.
- O Regulamento
sobre Procedimentos de Asilo, alterado, que estabelece duas etapas possíveis para os requerentes: o
procedimento de asilo tradicional, que é demorado, e um procedimento de
fronteira acelerado, que deve durar no máximo 12 semanas. O procedimento de
fronteira aplicar-se-á aos migrantes que representem um risco para a segurança
nacional, forneçam informações enganosas ou sejam provenientes de países com
baixas taxas de reconhecimento, como Marrocos, Paquistão e Índia. Estes
migrantes não serão autorizados a entrar no território do país e serão mantidos
em instalações na fronteira, criando-se a “ficção jurídica de não entrada”.
- O Regulamento
de Gestão do Asilo e da Migração, que estabelece um sistema de “solidariedade obrigatória”, o qual
oferecerá aos Estados-membros três opções para gerir os fluxos migratórios:
aceitar certo número de requerentes de asilo vindos de outros Estados-membros
onde obtiveram direito de permanência (recolocação); pagar 20 mil euros por
cada requerente que se recusem a recolocar no seu país (estimativa do que paga
um Estado, por ano, para manter uma pessoa durante o processamento do pedido); ou
financiar suporte operacional. A Comissão Europeia pretende fazer 30 mil
realocações por ano, mas insiste que o sistema não forçará nenhum país a aceitar
refugiados, desde que este contribua através de qualquer uma das outras duas
opções.
- O Regulamento
de Crise, que prevê regras excecionais a acionar quando o sistema de asilo for
ameaçado por chegada repentina e massiva de refugiados, como na crise de
2015-2016, ou em caso de força maior, como a pandemia de covid-19. Nestas
circunstâncias, as autoridades nacionais serão autorizadas a aplicar medidas
mais duras, incluindo períodos mais longos de registo e detenção, e a Comissão Europeia
poderá determinar medidas adicionais de solidariedade.
Desde o início do debate, o Pacto tem sido alvo de críticas por parte de
organizações não-governamentais, de defensores dos direitos humanos e de juristas,
que alertam que o forte impulso para ter regras comuns e previsíveis poderá
ocorrer à custa dos direitos fundamentais.
O principal ponto de preocupação tem sido o procedimento fronteiriço
acelerado: embora as autoridades da UE argumentem que este procedimento, mais
curto, estabelecerá prazos claros para os requerentes e diminuirá o atraso
administrativo para as autoridades, as organizações humanitárias contestam que
negará aos requerentes de asilo avaliação justa e completa, aumentando as
probabilidades de deportação.
“O Parlamento Europeu deveria estabelecer um padrão mais elevado para uma
política comum de asilo humana e sustentável”, afirmou a Amnistia Internacional
(AI), antes da votação, vincando: Este pacote de propostas corre o risco
vergonhoso de sujeitar mais pessoas, incluindo famílias com crianças, à
detenção de facto nas fronteiras da UE, negando-lhes uma avaliação justa e
completa das suas necessidades de proteção.”
No entanto, a deportação não é, de forma, alguma simples, pois depende da
boa vontade de outros países em acolher de volta os migrantes cujos pedidos são
recusados. No último trimestre de 2023, dos 105 mil cidadãos não pertencentes à
UE que deveriam deixar o bloco europeu, apenas 28 900 regressaram aos países de
origem.
O objetivo é ter regras coletivas para gerir a receção e a relocalização de
requerentes de asilo, aumentando a solidariedade entre os Estados-membros. Porém,
Donald Tusk, primeiro-ministro polaco, foi dos primeiros a repudiar o Pacto,
manifestando-se contra a revisão, classificando-a de “inaceitável” e atacando o
sistema de “solidariedade obrigatória”. “Protegeremos a Polónia contra o
mecanismo de recolocação”, disse Tusk, numa conferência de imprensa, em
Varsóvia.
O líder polaco (de centro-direita, eleito em dezembro passado) prometeu
liderar um governo pró-europeu e pôr fim a oito anos de governo eurocético do
partido Lei e Justiça (PiS).
Donald Tusk é visto como aliado próximo da presidente da Comissão Europeia,
mas a sua rejeição do pacto veio arrefecer um pouco a reforma, que a própria Ursula
von der Leyen considerou “histórica” e uma “grande conquista para a Europa”.
A Hungria, outro conhecido crítico do Pacto, também manifestou a sua
censura. “É uma pena que, nove anos depois do pico da crise migratória, o
Parlamento tenha apresentado uma solução que, no fundo, constitui uma grave
violação da soberania dos Estados nacionais”, declarou Zoltán Kovács, porta-voz
internacional do Governo húngaro, durante um briefing com jornalistas, em
Bruxelas. “O Pacto não vai fornecer uma solução viável para nenhum
Estado-membro”, frisou.
Kovács insistiu que o seu país iria “falar bem alto contra” o Pacto, argumentando
que este não tem em conta a experiência húngara e está “condenado ao fracasso”.
Todavia, quando lhe perguntaram se o governo desrespeitaria as regras,
arriscando-se a ser alvo de processo por infração, o porta-voz foi mais
cauteloso e disse que o seu governo ainda tem de analisar a “redação exata” da
revisão.
Na fase que antecedeu a votação no PE, a reforma suscitou a oposição da
direita e da esquerda. Algumas vozes progressistas consideraram que o Pacto
cedeu à pressão das forças de extrema-direita e colocou em risco os direitos
humanos dos requerentes de asilo. E eurodeputados de extrema-direita, incluindo
eleitos pelo partido Reagrupamento Nacional (França), votaram contra partes do
pacto, aduzindo que as suas disposições não protegem suficientemente as
fronteiras.
Um outro aspeto crítico da política de migração da UE é a sua “dimensão
externa”, expressão utilizada para designar os acordos com países terceiros
destinados a travar a partida de migrantes irregulares para a Europa. Bruxelas
celebrou acordos com a Tunísia, com a Mauritânia e com o Egito, países
nos quais o dinheiro da UE é injetado na economia em troca de medidas para
diminuir os fluxos migratórios e combater os traficantes de seres humanos.
Porém, os acordos foram criticados pelos eurodeputados e pelos defensores dos
direitos humanos, por não reconhecerem as provas de violações dos direitos humanos,
pelas autoridades tunisianas.
Apesar de não ter acordo com a Líbia, a UE gastou cerca de 59 milhões de
euros para reforçar os mecanismos de gestão das fronteiras das autoridades
líbias, desde 2017, apesar das provas de expulsões ilegais e do tratamento
abusivo dos migrantes subsarianos nos centros de detenção líbios. “A cooperação
com a Líbia é difícil”, reconheceu Ylva
Johansson, comissária europeia para os Assuntos Internos, em entrevista
à Euronews, “estamos a ter opiniões
fortes, por exemplo, no atinente aos centros de detenção. Alguns deles têm condições
realmente inaceitáveis”.
A UE está a trabalhar em estreita colaboração com a União Africana e com a
Organização das Nações Unidas (ONU), para resgatar refugiados da Líbia para
países mais seguros, ao abrigo do “mecanismo de trânsito de emergência”. E
continua a “apoiar” a guarda costeira líbia, nas suas operações de busca e
salvamento, “para que as pessoas não percam a vida no Mediterrâneo”.
Em 2023, um relatório da ONU concluiu que a guarda costeira líbia –
que recebeu apoio da UE – tinha cometido crimes de lesa-humanidade, incluindo a
escravatura sexual de mulheres, detenções arbitrárias, assassinatos, tortura,
violação, escravatura e desaparecimento forçado.
Os países da UE que não implementarem o Pacto poderão
ser alvo de ações judiciais, alertou Johansson. “Têm de o implementar e aplicar. Se não o
fizerem, a Comissão agirá e recorrerá, se necessário, a procedimentos de
infração. Mas devo dizer que estou bastante convicta de que os Estados-membros
irão implementar o Pacto muito rapidamente”, discorreu.
2024.04.11 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário