Entrou em vigor, a 1 de abril, o Decreto-Lei
n.º 8/2024, de 5 de janeiro, que altera o sistema de verificação de incapacidades no âmbito da
segurança social, procedendo à quinta alteração do Decreto-Lei
n.º 360/97, de 17 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 165/99,
de 13 de maio, 377/2007, de 9 de novembro, e 126-A/2027, de 6 de
outubro, e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, que “procede à definição
do sistema de verificação de incapacidades, no âmbito da segurança social”.
Trata-se de um diploma de desenvolvimento da Lei n.º 4/2007, de
16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social,
na sua atual redação.
Sustentava o XIII Governo Constitucional, segundo o preâmbulo,
que “o regime
jurídico que regula o sistema de verificação de incapacidades do sistema de
segurança social” carece de “adequação global, face à evolução legislativa
entretanto ocorrida”, a “nível das bases gerais do sistema de segurança social”
e a “nível da legislação que regula as eventualidades que necessitam da sua
intervenção”, para a “verificação médica de situações de incapacidade,
deficiência e dependência, condição de atribuição das prestações que visam a
proteção social dos beneficiários em cada uma destas situações”. Por
conseguinte, aprovou “um novo regime jurídico do sistema de verificação de
incapacidades”, para “o adequar à nova realidade jurídica e social existente,
alterando a sua forma de funcionamento, com vista a torná-lo mais eficaz e
eficiente, contribuindo, desta forma, para uma atribuição mais criteriosa e
mais célere das prestações no âmbito, das eventualidades de doença, de
invalidez, de deficiência e de dependência” – três situações que podem ocorrer
na vida das pessoas.
Nesse sentido, o diploma prevê “a desmaterialização do
processo pericial de verificação das situações de incapacidade, de deficiência
e de dependência”, bem como “a interoperabilidade entre sistemas de informação
da segurança social e da saúde e a possibilidade de as notificações e
convocatórias dos beneficiários serem efetuadas através de meios eletrónicos”.
Deveria, em minha opinião, haver um sistema similar
para os trabalhadores da Administração Pública do regime convergente, os funcionários
providos por nomeação.
Em grande destaque estão as baixas
médicas, cuja verificação, quando superiores a três dias, passa a poder ser
feita em qualquer altura. Por exemplo, a fiscalização das baixas por doença, será
“feita por equipas da Segurança Social, podendo ser acompanhadas por peritos
médicos” e “com recurso a autoridades policiais ou inspetivas”.
É de salientar que o artigo 3.º do novo
diploma adita ao mencionado Decreto-Lei n.º 360/97, de 17 de dezembro,
o artigo 10.º-B (exame médico por videochamada), a estabelecer
que “o beneficiário pode requerer
a realização de exame médico por videochamada”; e que, “para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 10.º, é realizado
exame médico por videochamada, para verificação de incapacidade temporária ou
permanente, sempre que se afigure adequado à avaliação a realizar, desde que
complementada com informação clínica disponível ou a disponibilizar para o
efeito”.
Por sua vez, o dito artigo 10.º estabelece que “os
médicos relatores e as comissões de verificação, de reavaliação e de recurso
funcionam nas instalações dos serviços sub-regionais, salvo em situações
especialmente previstas neste diploma”; que “podem ser utilizadas instalações e
equipamentos dos serviços de saúde e do emprego, sempre que tal se torne
necessário ao exercício das suas atribuições, mediante protocolo a estabelecer
entre os centros regionais e as competentes entidades gestoras daqueles
serviços; e que o protocolo é celebrado “de acordo com regras aprovadas por
despacho conjunto dos ministros competentes”.
Na altura da aprovação do decreto-lei
ora em vigor, o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social, em comunicado enviado às redações, esclareceu, em quatro pontos, o que
muda:
- As verificações dos beneficiários que estejam a receber
subsídio de doença passam a acontecer em qualquer altura;
- A possibilidade de realização, por videoconferência,
de exames médicos, nas comissões de verificação, de reavaliação e de recurso;
- A possibilidade de realização de exames médicos
domiciliários, nas situações em que o beneficiário se encontre acamado,
internado, institucionalizado, ou em que seja evidente a dificuldade de
deslocação aos serviços da segurança social;
- As notificações e convocatórias dos beneficiários
passam a poder ser efetuadas através de meios eletrónicos, nomeadamente por e-mail e por SMS (Short Message Service – serviço de mensagens curtas), desde que o respetivo
endereço e eletrónico e o número de telefone estejam registados na nos serviços
da Segurança Social (SS).
Os beneficiários podem antecipar o
fim de baixas médicas, através de uma ferramenta que permite comunicar, na
Segurança Social Direta, o regresso ao trabalho.
É de recordar que,
desde 1 de março, as baixas médicas podem ser passadas nos serviços de
urgência, bem como por entidades prestadoras de cuidados de saúde públicas,
privadas e sociais. E passou a ser possível ficar-se de baixa médica através de
uma autodeclaração “por compromisso de honra, através de serviço digital do
Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou de serviço digital dos serviços regionais de
saúde das regiões autónomas, não podendo, contudo, exceder os três dias
consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano” (ver Decreto-Lei n.º 2/2024, de 5 de janeiro).
Estas baixas resultantes
de autodeclaração, à semelhança do que sucede com as baixas passadas por
médicos até três dias, não são remuneradas pelo empregador, nem pela SS.
Há, contudo,
outros aspetos a salientar, desde logo: a
verificação das situações de incapacidade permanente, deficiência ou
dependência, consubstancia-se na análise dos dados relativos às condições
físicas, motoras, orgânicas, sensoriais e intelectuais dos beneficiários.
A verificação técnica das condições de deficiência por equipas
multidisciplinares, ou por entidade certificadora, é assegurada por peritos
médicos e técnicos da SS ou de outros organismos, nos termos e para os efeitos
previstos em diplomas próprios.
Asseguram a assessoria técnica à coordenação, os assessores técnicos de
coordenação e o conselho médico nacional.
Os médicos relatores e os membros das comissões de verificação, de
reavaliação e de recurso, bem como os assessores técnicos de coordenação, são
recrutados pelos serviços competentes da segurança social de entre médicos de
reputada experiência e idoneidade no âmbito da peritagem médico-social e ainda entre
especialistas, nos casos em que se mostre conveniente a participação de médicos
de determinada especialidade, incindindo, preferencialmente, sobre médicos cuja
competência em peritagem médica se encontre reconhecida pela Ordem dos Médicos
(OMS).
São definidos pelos serviços da SS os
critérios de afetação dos processos dos beneficiários, tendo em vista a
independência técnica e a garantia da equidade na avaliação das situações.
O campo de aplicação pessoal do serviço de verificação
de incapacidades é definido, prioritariamente, em função da residência dos
beneficiários, sem prejuízo de, por motivos justificados, poder abranger
beneficiários fora do âmbito da sua residência.
Quando o beneficiário (pessoa que se insira no âmbito pessoal do serviço de verificação de incapacidades) residir fora do território nacional, compete aos serviços da SS indicar o serviço competente para a verificação, exceto nas situações em que seja indicado pelo beneficiário.
Os médicos relatores, as comissões de verificação, de reavaliação e de recurso e os assessores técnicos de coordenação exercem a sua ação no âmbito territorial dos serviços da SS onde se integram. Não obstante, os serviços da SS podem decidir que a verificação da incapacidade, da deficiência e da dependência dos beneficiários seja apreciada por médico relator ou pela comissão de verificação, de recurso ou de reavaliação que não sejam os do serviço que abrange os beneficiários.
Os médicos relatores e as comissões de verificação, de
reavaliação e de recurso exercem a sua atividade nas instalações dos serviços
da SS, salvo em situações previstas no presente decreto-lei.
As comissões de verificação, de reavaliação e recurso
podem ser realizadas por videochamada, nas situações a definir pelos serviços
da SS. Porém, o exame clínico pode ser feito por avaliação meramente
documental, desde que a mesma seja bastante e apta à realização do referido
exame.
Os peritos médicos das comissões de verificação são
designados pelos serviços SS, que designam, de entre os dois peritos, o que
preside à comissão e que tem voto de qualidade, em caso de empate.
As comissões de reavaliação de
incapacidade temporária são constituídas por dois peritos médicos, podendo
integrar um terceiro médico indicado pelo beneficiário; as comissões de
verificação de incapacidade permanente são constituídas por dois peritos
médicos, designado pela SS, um dos quais preside; as comissões de recurso são
constituídas por dois peritos médicos, podendo integrar um terceiro médico
indicado pelo beneficiário; e o beneficiário tem direito à informação médica e a todas as decisões
tomadas, a seu respeito, pela respetiva comissão.
O conselho médico nacional – o órgão de consulta, de apoio
e de participação para as questões de natureza médico-funcional, no âmbito do
sistema de verificação de incapacidades que funciona junto do Instituto da
Segurança Social, I P (ISS, I P) – reúne, pelo menos, uma vez no ano, sendo os
trabalhos coordenados pelo respetivo presidente, e funciona nos termos do regulamento
interno a aprovar pelo conselho diretivo do ISS, IP.
***
Enquanto o Bastonário
da OM fala em periculosidade do novo sistema, J. Margalho Carrilho, coordenador
fundador da Pós-Graduação em Medicina Social na Universidade Católica
Portuguesa (UCP), enquadra estas questões numa perspetiva europeia. Com efeito, Portugal, como Estado-membro
da União Europeia (UE), integrando os pressupostos da União Europeia de
Medicina nos Seguros Públicos de Saúde e Segurança Social (EUMASS) e de
Ciências Política, tem vindo, de “forma reducionista e pragmática, a evoluir
desde o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (2008 Lisboa) e em
outros Fóruns Internacionais”.
Urge, pois, a “necessidade de atualizar a realidade das
Políticas Sociais Públicas, com regulamentação com mais de 20 anos, no sentido
de tornar mais eficaz e fluído o Sistema de Verificação de Incapacidades no
âmbito da Segurança Social do estado-membro Portugal”.
Sobre o Decreto-Lei n.º 8/2024, de 5 de janeiro, o
especialista diz que o diploma revela, logo no início, o objetivo primordial: “a interoperabilidade entre
sistemas de informação da Segurança Social e da Saúde e a possibilidade de as
notificações e convocatórias dos beneficiários serem efetuadas através de meios
eletrónicos”.
Sustenta que o diploma cumpre o prescrito pelo Parlamento Europeu sobre Proteção de Dados (Regulamento da
União Europeia 2016/679 de 27 de Abril de 2016) e atualiza o Tratado de funcionamento da União Europeia (2008,
Lisboa), no Título X – A POLÍTICA SOCIAL (Artigos 153
e 156), em que a cooperação entre Estados-membros na Segurança Social, na formação
e no aperfeiçoamento profissionais, fica com via aberta para regulamentação
posterior.
***
Enfim, entre elogios e críticas, é de
esperar que a SS funcione melhor, que os beneficiários sejam mais confiantes e
que seja evitada a desnecessária exposição pública de pessoas em situação de
enorme fragilidade física ou psicológica (como se vê em tantos centros de juntas
médicas).
2024.04.01 – Louro de Carvalho
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