A advogada Rita Alarcão
Júdice, 50 anos, é a ministra da Justiça escolhida por Luís Montenegro.
Licenciada pela Faculdade de Direito da Católica, em 1997, é filha
de José Miguel Júdice, o sócio fundador da PLMJ e ex-bastonário da Ordem dos
Advogados (OA). É, ainda, membro da Comissão Executiva da Urban Land Institute
(ULI) Portugal e associada da WIRE – Women in Real Estate. Em julho de 2023, ao
fim de 25 anos, deixou o escritório fundado pelo pai e de que era sócia desde
2013.
O trabalho da governante, que foi cocoordenadora da área de Imobiliário e
Turismo do escritório, centrava-se no acompanhamento de transações imobiliárias
que envolvem processos de investimento ou de desinvestimento de ativos
imobiliários. Graças a esta experiência, foi chamada a coordenar o Conselho Estratégico Nacional (CEN) do Partido Social
Democrata (PSD) para a Habitação. Na convenção da Aliança Democrática (AD), em
Coimbra, distrito pelo qual foi eleita deputada, assumia-se como independente,
falando da pobreza, da competitividade da economia, da habitação, da saúde, mas
não de Justiça.
Tem, agora, de enfrentar, várias situações, desde logo a insatisfação geral
do setor e, em concreto, dos mais de sete mil funcionários judiciais que, em
2023, foram protagonistas de greves sucessivas. Exigem o pagamento de um
suplemento, a abertura imediata de concurso para entrada de mais meios humanos.
A relação entre os dois sindicatos do setor e a anterior ministra não foi
pacífica, depois da aprovação do novo estatuto, que ficou aquém das
expectativas.
Com um perfil de advocacia mais empresarial e menos de contencioso, a
ministra da Justiça terá de encontrar a solução – até aqui não atingida pelas duas
antecessoras – dos atrasos crónicos nos tribunais
administrativos e fiscais (TAF), onde, apesar de algumas
microrreformas, se continua a registar uma média de resolução de processos
superior a cinco anos.
Nas mãos da nova ministra também ficará a já antiga questão de saber se a
AD e o Partido Socialista (PS) estão dispostos a celebrar o pacto para a Justiça, cabendo-lhe negociar, desde já, o consenso
para a estratégia anticorrupção.
Em declarações à Lusa, a
bastonária da Ordem dos Advogados (OA),
Fernanda de Almeida Pinheiro, felicitou a
recém-nomeada ministra, esperando que possa “ouvir os operadores judiciários e
desenvolver os esforços necessários para garantir meios humanos, logísticos, de
edificado e tecnológicos, essenciais para ajudar a ultrapassar os atuais
problemas da Justiça”. Nesse sentido, no atinente aos problemas concretos da advocacia,
a OA espera poder falar, em breve, com a governante sobre as recentes alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e da
possibilidade de as reverter, sobre a necessidade de revisão urgente da
previdência dos advogados e sobre a alteração da tabela de honorários do
Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais. E a bastonária manifestou,
ainda, que a OA está “inteiramente disponível para ser um parceiro ativo do
Ministério da Justiça” para um trabalho conjunto, em prol do progresso do
setor.
Já o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), considerando
que Rita Júdice tem “profundo conhecimento do sistema judicial”, espera a
resolução dos problemas que afetam o setor. Como líder da lista do PSD por
Coimbra nas eleições, ela representa, segundo António Marçal, uma promessa de
influência para a implementação oportuna das políticas públicas necessárias
nesta área e a garantia do sucesso da Justiça e do Estado de Direito
Democrático.
O dirigente sindical referiu que o SFL está pronto a “colaborar nesta árdua
missão que se avizinha”, vincando que, enquanto agentes de Justiça, esperam que
a ministra “resolva de forma incisiva os problemas que afetam diretamente” os
funcionários judiciais. Alertou, ainda, que muitos serviços judiciais e do
Ministério Público (MP) estão à beira do colapso.
Paulo Lona, recém-empossado presidente do Sindicato
dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), considerando fundamental “um investimento
sério no sistema de Justiça”, espera
que o setor seja uma “prioridade para o poder político” e apela a que o governo
enfrente os “reais problemas com uma visão global”. “Até para que não fique a
ideia que a Justiça só se transforma em prioridade, quando se torna incómoda
para o poder político, como consequência de dois ou três processos mediáticos”,
disse, pedindo “vontade política efetiva de ouvir os operadores judiciários,
que são aqueles que melhor conhecem o sistema e suas insuficiências”.
O dirigente sindical disse acreditar que “será
possível consensualizar soluções que permitam aumentar a confiança,
credibilidade, celeridade e eficácia do sistema de justiça”.
Frisando a necessidade de a governante encontrar, “em diálogo construtivo
com os operadores da Justiça, as soluções adequadas para as graves carências
conhecidas de recursos humanos, materiais e tecnológicos do sistema de Justiça”,
lembrou que faltam oficiais de justiça – carreira que atrativa, mal paga e sem
estatuto profissional condigno aprovado. Há magistrados do MP que são eles
próprios a juntar papéis aos processos, para depois os poderem despachar,
porque não têm técnicos de justiça afetos ao serviço que o possam fazer”,
lamenta do dirigente sindical.
Quanto às carências do MP, referiu que faltam
magistrados e que esta carreira nas magistraturas deixou de ser atrativa, de
tal modo que nunca houve tão poucos candidatos ao Centro de Estudos Judiciários
(CEJ), como aconteceu no último curso. E advertiu que cerca de 20% dos magistrados estão em situação de burnout ou pré-burnout, “devido, em grande parte, ao avassalador volume de
trabalho a que estão sujeitos”, com prejuízo para a sua saúde e para a vida
pessoal e familiar, a que se somam as deficientes condições materiais nos
tribunais e nos departamentos do MP, que “são em muitos casos lamentáveis”.
Se existir vontade política efetiva de ouvir os operadores judiciários (que
são quem melhor conhece o sistema e as suas insuficiências), será possível
consensualizar soluções que permitam aumentar a confiança, a credibilidade, a celeridade
e a eficácia do sistema de Justiça.
Por seu turno, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda
Prisional exigiu, desde logo, uma reunião com a nova ministra da Justiça, até
ao final de abril, por considerar urgente discutir a atual situação dos
serviços prisionais, “antes que aconteça uma catástrofe”.
Frederico Morais, dirigente do sindicato que representa os guardas prisionais,
avançando que a reunião com a ministra tem de ocorrer “com maior brevidade possível”, estabeleceu como prazo o fim de
abril, uma vez que é importante expor “os graves problemas” do sistema
prisional, nomeadamente a falta de segurança, a falta de efetivos, a valorização
salarial e a atribuição de um suplemento de missão equivalente ao da Polícia
Judiciária (PJ).
Segundo Frederico Morais, criar atratividade na carreira de guarda prisional
é o problema que precisa de ser resolvido com urgência, pois há “uma enorme
falta de guardas”. “Faltam cerca de 1500 guardas prisionais e, se não criarmos
atratividade, podem abrir os concursos que quiserem, que ninguém vem para a
carreira”, disse, relembrando as agressões de que os guardas prisionais têm
sido alvo, nos últimos meses, por parte dos reclusos. Estas agressões têm a
ver, segundo o dirigente do sindicato, com a falta de pessoal, que origina
“falta de segurança” nas cadeias.
“Temos urgência em resolver os problemas”, precisou, ameaçando com “greves de maneira a parar as
cadeias e como nunca foi visto em Portugal”, se a ministra não receber o sindicato.
***
Logo
a 18 de março, no rescaldo das eleições, a bastonária da OA pedia ao novo governo que “promova com urgência” a eliminação das
alterações recentemente feitas
ao EOA.
Relembrando
a Montenegro que o grupo parlamentar do PSD votou contra essas
alterações, a líder dos mais de 35 mil advogados defende
que, “tendo em consideração as mudanças que ocorrerão, em breve, na composição
da Assembleia da República [AR] e no governo”, a OA acreditava que o partido que mais bem se
posiciona para governar o país e que votou contra estas alterações introduzidas
no EOA (bem como na Lei dos Atos Próprios), será consequente e
promoverá, “com urgência e de forma imediata, a eliminação destas alterações,
assegurando, assim, que se respeitam os direitos, liberdades e garantias de
todos os cidadãos e empresas”.
O primeiro EOA foi publicado há 40 anos. No preâmbulo, referia-se que “se
concretiza na Ordem dos Advogados, cujo Estatuto agora se aprova, o princípio
da descentralização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos e
se articulam harmoniosamente interesses profissionais dos advogados com o
interesse público da justiça.”
Fernanda
de Almeida Pinheiro destaca a importância dada ao estágio, com a duração de 18 meses, no anterior EOA, e sobre o
qual o preâmbulo referia que se requer a eliminação de entraves ao pleno acesso
à profissão e se impõe que o tirocínio se faça com a melhor preparação possível
dos jovens advogados.
“Nunca
a Ordem dos Advogados transigiu nas suas tarefas, nem se deixou contaminar por
condescendências corporativistas que pudessem fazer perigar a qualidade dos
serviços prestados pelos profissionais aos cidadãos deste país. Por isso,
volvidos 40 anos, foi com grande pasmo e preocupação que assistimos à alteração
e retrocesso de alguns dos valores e princípios subjacentes àquele primeiro
Estatuto, motivados por alegados defeitos corporativistas que, repita-se, nunca
existiram. Desde logo, com as alterações ao Estatuto atual, levadas a cabo pela
Lei n.º 6/2024, de 19 de Janeiro, institui-se uma ingerência dos poderes públicos quer na supervisão da Ordem dos
Advogados, quer na sua autorregulação, impondo membros não inscritos na Ordem
nos seus órgãos jurisdicionais”, referia em comunicado, acrescentando
que “foi com estupefação e receio que constatamos a redução do tempo de estágio
para 12 meses, com claro prejuízo para a formação dos advogados estagiários, e
de onde sairão, naturalmente, profissionais menos preparados para os primeiros
anos de exercício da profissão, com todas as nefastas consequências daí
decorrentes”.
Relativamente
à questão do estágio, a bastonária frisou que ainda
não se sabe “como é que se vai fazer a parte da avaliação”, criticando que o exame
de agregação tenha sido retirado do diploma, argumentando: “Esta profissão não
é uma profissão qualquer, é uma profissão que não pode ser exercida por um
simples licenciado em direito, porque tem que aprender a ser advogado.”
“Como
alguém que tem de aprender a ser juiz, a aprender a ser procurador ou a ser
notário”, justificou Fernanda Pinheiro, observando que essa realidade tem que
ser discutida, de novo, e que “é isso que a OA irá fazer logo que se inicie a
próxima legislatura”.
***
É
conveniente não misturar tudo. Os estatutos das ordens profissionais, além das
opções de esbatimento do corporativismo que alguns grupos incorporam ou do
combate à excessiva definição de atos próprios, bem como as alterações à sua
orgânica e gestão, compaginam orientações precisas da União Europeia (UE) e
aspetos negociados com ela pelo anterior governo. Não se vê, pois, como seja
fácil reverter as ditas alterações, no essencial.
No
entanto, a par da polémica escolha no/a novo/a procurador/a-geral da República
(o mandato da atual termina em outubro), a pacificação dos diversos setores da
Justiça (funcionários judiciais, MP, guardas prisionais), a cargo do Estado,
será tarefa ingente da ministra da Justiça, que implica aumento de efetivos,
carreiras atrativas, valorização salarial e respetivos subsídios, melhores
condições de trabalho e melhoria de instalações e de outros equipamentos.
Não
sei se este governo estribado num parlamento tão heterocompositivo terá pulso e
habilidade para a necessária reforma da Justiça. No entanto, é possível e
desejável. E embora me pareça excessiva a esperança da bastonária da OA e do
presidente do SFJ (dando a
impressão de que se colaram à AD),
recordo que a maior reforma no Sistema Educativo surgiu numa AR tão dividida
como esta (e o ministro seu executor era de partido que não votou a favor),
embora as ideologias fossem outras, tal como os pragmatismos. Esperemos!
2024.04.02 – Louro de Carvalho
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