Soube-se, a 9 de fevereiro, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
(TEDH) não acolheu a queixa
apresentada pelo grupo de seis jovens portugueses contra 32 países, incluindo Portugal, por inação na luta
contra o aquecimento global.
O motivo que
o TEDH aduziu para rejeitar a queixa foi que os jovens “não utilizaram as vias
legais à sua disposição, em Portugal, para apresentarem as suas queixas”, ou
seja, “não tinham esgotado as vias de recurso internas”.
Assim, aquela estância europeia considerou que o
caso é “inadmissível” em “toda a linha”, sobretudo no atinente à jurisdição
extraterritorial dos Estados indicados no processo.
“A
jurisdição territorial foi estabelecida apenas em relação a Portugal – nenhuma
jurisdição poderia ser estabelecida em relação aos outros Estados neste caso”,
lê-se na decisão do tribunal.
Com efeito, como considerou o TEDH, não era possível imputar a uns países
fenómenos climáticos adversos ocorridos em outros Estados, pois uma deliberação
nesse sentido, ainda que exclusiva a processos relacionados com as alterações
climáticas, abriria um precedente com implicações inimagináveis, ao pôr em
causa a soberania e as limitações geográficas de cada país.
O coletivo
de 17 juízes, incluindo a portuguesa Ana Maria Guerra Martins, reconheceu
que os países visados têm “controlo sobre as atividades públicas e privadas
assentes nos seus territórios” que contribuem para a produção de gases com
efeito estufa e que há compromissos de vários Estados, incluindo Portugal, para
a redução de emissões, nomeadamente o Acordo de Paris, assinado em 2015, que
prevê a redução de emissões. Não obstante, o TEDH considerou que não poderiam
servir de “base para a criação de uma interpretação jurídica sobre um terreno
novo de jurisdição extraterritorial ou como justificação para expandir as
atuais”.
O tribunal
deliberou também que os requerentes não esgotaram todas as vias legais que
tinham em Portugal, antes de recorrerem àquela instância europeia. Os
requerentes arguíram que um processo de violação dos direitos humanos por
consequência das alterações climáticas não tinha cabimento para avaliação por
uma instância em Portugal, mas o argumento foi refutado, com a justificação de
que houve falta de prova apresentada em tribunais nacionais para ser objeto de
análise pelo TEDH.
O tribunal
considerou que processos referentes ao ambiente e às alterações climáticas já
estão presentes na moldura judicial portuguesa e são “uma realidade no sistema
legal nacional”, pelo que o processo devia ter esgotado todas as instâncias
nacionais possíveis, antes de ser remetido para um tribunal europeu. Além
disso, anotou que o sistema legal português providencia tanto os mecanismos
para ultrapassar a falta de representação dos requerentes como as medidas para
ultrapassar a morosidade dos procedimentos. Assim, sentiu-se incapaz sustentar “que
havia razões especiais para excetuar os requerentes de um processo exaustivo
nacional, de acordo com as regras aplicáveis e os procedimentos disponíveis”.
Pela mesma
razão, considera haver falta de dados
para examinar o estatuto de vítima pedido pelos requerentes. Não obstante, fez um reconhecimento
histórico: as alterações climáticas são um problema que os países “têm o dever”
de abordar e encontrar medidas para as mitigar.
***
Os seis jovens André, Catarina, Cláudia, Mariana, Martim e Sofia, nascidos
entre 1999 e 2012, invocaram “circunstâncias excecionais”, para argumentarem
que o tribunal tinha de incluir a “jurisdição extraterritorial” de outros
Estados. Porém, o argumento não colheu junto do TSDH.
Apesar da
aparente derrota, como confessou Catarina
Mota, não derrubaram o muro, mas criaram nele “uma grande fenda”. “Isto não
acaba aqui”, garantiu a jovem, ladeada pelos restantes queixosos neste
processo, no átrio do TEDH, em Estrasburgo, na França.
Catarina
Mota disse que, ao ouvir a decisão do tribunal, sentiu “muito orgulho por todo o
trabalho que foi desenvolvido” agora. “Foi muito trabalho, não apenas nosso, de
todos os cientistas, de todos os advogados, é preciso reforçar isso, e sentimos
que não foi perdido. Isto não acaba aqui, é apenas o começo e o futuro
realmente é a prova de que isto era necessário”, completou.
Já Martim
Duarte Agostinho, o jovem que encabeçou o processo, admitiu alguma frustração
com a decisão, mas disse que o momento é de reflexão. “É um pouco difícil não me sentir desapontado,
mas também estou contente, acho que o resultado foi bastante bom. A explicação
era muito técnica e um pouco difícil para uma pessoa como eu perceber.
Obviamente que saio chateado, mas o importante é perceber que isto era para nós
todos”, considerou.
Em 27 de
setembro de 2023, os seis jovens foram ouvidos no TEDH, tendo então vincado que
os Estados desvalorizaram as alterações climáticas e ignoraram provas.
A 8 de
abril, antes de serem conhecidas as decisões do tribunal, Sofia e André Oliveira,
dois dos jovens em causa, afirmaram que não baixariam os braços, mesmo que
o desfecho fosse desfavorável, o que se veio a verificar. “Uma coisa é certa,
não vamos parar, independentemente do resultado. Não vamos parar de lutar para
forçar os governos a protegerem o nosso futuro das alterações climáticas. Se
vencermos, sabemos que este movimento vai juntar-se para pressionar os governos
a acatarem a decisão do TEDH”, disseram à Lusa
os dois jovens, antes de ser conhecido o veredicto. Na verdade, querem “encorajar
as pessoas” a participarem no movimento que quer trabalhar para um “futuro para
todos”.
Já Gerry
Liston, advogado envolvido no processo, reconheceu que um desfecho favorável
iria “fortalecer” o movimento de luta contra as alterações climáticas por criar
um precedente judicial quando houver processos por inação de governos.
“Houve um
crescimento exponencial de litígios climáticos. Depois, vai ser preciso um
esforço de todos deste movimento, da sociedade civil, dos ativistas no terreno
para pressionarem os governos a implementarem a decisão pela qual esperamos. A
lei e os esforços fora dos tribunais reforçam-se mutuamente”, completou o
advogado que pertence à organização sem fins lucrativos “Global Legal Action
Network”, que apoia estas ações.
***
Ao invés do sucedido com os jovens portugueses, o TEDH condenou a Suíça num outro caso apresentado por uma
associação de idosas suíças, a Klima Seniorinnen, que denunciou a inação do
governo no combate ao aquecimento global.
É uma
decisão histórica, já que, pela
primeira vez, o tribunal com sede em Estrasburgo, nordeste da França, condenou
um Estado por falta de iniciativas para combater as alterações climáticas, com
base na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
O tribunal
concluiu que o Estado suíço violou o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos, que garante o “direito ao respeito pela vida privada e familiar”, como
refere o veredicto, ao qual a AFP
teve acesso.
A vitória das “avós pelo clima”, como eram conhecidas as requerentes da
Suíça, é “uma vitória para todos”, comentou Catarina Mota, que acrescentou: “Agora
podemos ir aos tribunais nacionais para conseguirmos algo. Esse era também um
dos nossos objetivos.”
A
associação KlimaSeniorinnen é constituída por cerca de 2500 mulheres, com uma
média de idades que ronda os 73 anos. As avós suíças argumentavam
que as políticas do seu governo são “claramente inadequadas” para manter o
aquecimento global abaixo do limite previsto pelo Acordo de Paris de 1,5ºC.
Depois
de lutarem nos tribunais suíços, durante vários anos, e de terem sido
finalmente derrotadas no Tribunal Federal – o mais alto do país –, levaram o caso
ao TEDH, que lhes deu razão.
***
Porem, num
terceiro caso sobre alterações climáticas, o tribunal rejeitou a alegação de Damien
Careme, antigo
autarca francês de que a inação do Estado representava o risco de a sua cidade
ser submersa. O TEDH concluiu que o antigo residente e ex-presidente de câmara
de Grande-Synthe não tinha estatuto de vítima, uma vez que já não reside em
Grande-Synthe, nem em França, não tendo, por isso, “qualquer ligação
suficientemente relevante” com aquele município.
Careme
apresentara um processo no mais alto tribunal administrativo de França. em
2019. O Conselho de Estado francês decidiu a favor do município, mas rejeitou o
caso pessoal de Careme, que acabou por chegar ao TEDH.
***
No atinente
ao caso apresentado pelos jovens portugueses, Maria da Graça Carvalho, ministra
do Ambiente e da Energia, considerou, em comunicado, que a decisão desfavorável
do TEDH não diminui a ambição e a responsabilidade” do governo no combate às
alterações climáticas.
De acordo com a governante, “tem sido feito um esforço legislativo
importante a nível europeu e a nível nacional, nesta área”, tendo Portugal
“objetivos ambiciosos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa”,
de modo a “atingir a neutralidade carbónica até 2045, cinco anos antes das
metas definidas pela UE”.
O comunicado
adianta que, para o governo, o tema da ação climática constitui uma prioridade,
apresentando no seu programa “um conjunto alargado de medidas que irão
contribuir para a descarbonização, ao mesmo tempo que cria riqueza e desenvolve
uma economia de futuro”.
Entre essas
medidas estão a realização de Conselhos de Ministros temáticos sobre a Ação
Climática, a concretização das normas da Lei de Bases do Clima, a
operacionalização do Conselho de Ação Climática e a revisão do Plano Nacional
de Energia e Clima (PNEC 2030).
A
transposição e aplicação das diretivas previstas no Pacto Ecológico Europeu e
novas medidas para adaptação às alterações climáticas, por exemplo, no Litoral,
incluindo uma nova geração de planos, são outras medidas previstas.
“A União
Europeia [UE] é a região do Mundo que lidera o combate às alterações
climáticas, tendo uma estratégia forte para a redução das emissões de gases com
efeito de estufa na indústria, nos transportes e nos edifícios, no âmbito do
Pacto Ecológico Europeu, bem como estratégias definidas para a economia
circular e para a proteção da biodiversidade”, refere o comunicado.
A UE
aumentou a meta para a redução das emissões para 55% (em vez dos anteriores
40%) até 2030, por forma a neutralidade carbónica a ser atingida em 2050. A sua
estratégia contempla ainda um Mercado de Comércio de Emissões e um Mecanismo de
Ajustamento Carbónico Transfronteiriço (MACF). E o Ministério do Ambiente e da
Energia salienta que “Portugal está alinhado com as metas europeias, mas tem de
reforçar o desempenho na redução das emissões do setor dos transportes, que
aumentaram nos últimos anos devido a uma estratégia pouco eficaz na área da
mobilidade”.
Recorrer aos
tribunais contra a inação dos países em relação às alterações climáticas é cada
vez mais frequente, indica um relatório recente da Organização das Nações
Unidas (ONU), segundo o qual os casos mais do que duplicaram em cinco
anos.
A decisão de 9 de abril sobre três
processos judiciais no TEDH pode abrir um precedente sobre a obrigação de
os governos protegerem as pessoas das alterações climáticas. Todos estes
casos – um dos quais apresentado por jovens portugueses – acusam os governos
europeus (todos os Estados-Membros da UE, a Noruega, a Suíça, a Turquia, o
Reino Unido e a Rússia) de não agirem ou de não tomarem medidas suficientes
contra as alterações climáticas.
Embora alguns casos nacionais tenham
sido bem-sucedidos, é a primeira vez que o TEDH emite uma decisão sobre as alterações
climáticas e determina se as políticas governamentais estão a violar a
Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no “direito à vida” e no “direito ao
respeito pela vida privada”. As decisões estabelecem um precedente legal sobre
a forma como a lei dos direitos humanos é interpretada pelo tribunal, no
respeitante às alterações climáticas.
***
Urge preservar o planeta e proteger a
vida humana.
2024.04.09 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário