Fernando
Araújo, diretor-executivo da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS)
e a respetiva equipa não querem ser “um obstáculo” à tutela liderada pela
ministra da Saúde, Ana Paula Martins, pelo que puseram, a 23 de abril, os seus
cargos à disposição do governo. Todavia, estão na disposição de cumprir a
exigência, que a tutela lhes endossou, da produção de um relatório sobre a
reforma em curso, no prazo de 60 dias.
“Na primeira, e única reunião tida com a tutela,
foi transmitido pela DE-SNS a abertura para à continuidade de funções, no
sentido de ser terminada a reforma em curso, mas, naturalmente, estávamos ao
dispor da nova equipa governativa, se ela entendesse mudar as políticas e os
rostos do sistema. […] É esse sentido, respeitando o princípio da lealdade
institucional, que irei apresentar à senhora Ministra da Saúde, em conjunto com
a equipa que dirijo, o pedido de demissão do cargo de Diretor-Executivo do
Serviço Nacional de Saúde”, lê-se no comunicado enviado às redações.
Uma decisão “difícil”, mas que “permitirá que a nova tutela
possa executar as políticas e as medidas que considere necessárias, com a celeridade
exigida, evitando que “a atual DE-SNS possa ser considerada um obstáculo à sua
concretização”.
Ainda assim, Fernando Araújo compromete-se a cumprir o exigido pela
ministra, mas aproveita o ensejo para deixar uma crítica à atuação de Ana
Paula Martins. “Solicitaremos que a data de produção de efeitos da demissão
seja o dia seguinte a apresentarmos o relatório da atividade exigido pela tutela,
do qual tivemos conhecimento por e-mail,
na mesma altura que foi divulgado na comunicação social”, atirou, vincando: “Não nos furtamos a apresentar o
documento solicitado, que já começamos a elaborar, até porque pensamos que se
trata, não apenas de uma responsabilidade, como de um dever, expor os
resultados do trabalho efetuado, para que possa ser escrutinado, algo salutar
na vida pública.”.
O tempo “foi sempre curto”, pelo que “saímos com a noção de que não
fizemos tudo o que tinha sido planeado e [de]
que cometemos seguramente erros”, ao executar uma reforma desta dimensão,
mas “os primeiros sinais são bastante positivos e mais favoráveis do que as previsões
que tinham sido inicialmente inscritas nos instrumentos de planeamento”.
“Exerci estas funções com imensa honra e um sentimento de dever
público, e irei agora, de forma tranquila, voltar à atividade assistencial, de
docente e de investigação, como médico do SNS e professor universitário”,
remata Fernando Araújo, médico e professor universitário, que foi nomeado pelo anterior
ministro da Saúde, Manuel Pizarro.
Aliás, referiu que toda a equipa tem atividade profissional: dois elementos
no SNS, um no Ministério das Finanças e outro no setor empresarial privado.
Na carta que enviou à ministra, o diretor executivo
do SNS diz que, apesar dos condicionalismos externos, nos 15 meses em que
esteve no cargo, liderou a maior reforma que alguma vez foi feita nos 45 anos, em
termos organizacionais, nos 45 anos de existência do SNS. “As reformas em
qualquer área são difíceis, mas na saúde [são] particularmente complexas e
exigentes. No entanto, foi possível concretizar alterações legislativas,
introduzir novos modelos económicos, planear estratégias e organizar processos,
envolver as equipas das várias instituições, instituir mecanismos externos para
monitorizar e avaliar a reforma e, realmente, mudar o SNS”, explicitou.
O gestor não se esquece de agradecer aos
“profissionais a disponibilidade e empenho que sempre demonstraram e, em
particular, aos membros do conselho de gestão da DE-SNS que me acompanharam
neste desafio e acreditaram que era possível”, deixando também uma palavra de
reconhecimento ao XXIII Governo, “por nos ter confiado esta nobre missão”,
e ao Presidente da República, “por todo o apoio manifestado desde
o primeiro dia, de forma pessoal e pública, que guardarei com enorme honra
e respeito”.
Em nota pessoal, refere, que como utente e
profissional do SNS, deseja as maiores felicidades à equipa governativa e à
futura DE-SNS, assegurando que, no ano do cinquentenário do 25 de Abril, “foi
um privilégio ter servido o país e os Portugueses”.
A direção-executiva do SNS, foi criada a 22 de
novembro de 2022 e iniciou a sua atividade em 1 de janeiro de 2023, na
sequência do novo Estatuto do Serviço
Nacional de Saúde proposto ainda pela então ministra Marta Temido, para
coordenar a resposta assistencial de todas as unidades do SNS e para modernizar
a sua gestão. Em janeiro de 2024, arrancou uma nova fase da reforma
organizativa do SNS, com o alargamento a todo o país das Unidades Locais de
Saúde (ULS) e a generalização das Unidades de Saúde Familiar de modelo B (USF-B),
assentes num regime de incentivos à produtividade.
***
A notícia foi confirmada pelo Diário de Notícias (DN) junto do gabinete de Ana Paula Martins, que se encontrava em
Bruxelas, na reunião dos ministros da Saúde da União Europeia (UE), e que
prometeu uma reação, para quando chegasse ao país.
Esta posição da DE-SNS era expectável. Recorde-se
que Ana Paula Martins, nomeada por Fernando Araújo, há um ano, para presidente
do então Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, mas saiu do cargo, no
final de dezembro, por considerar que a sua função não se adequava ao novo
modelo de gestão que integrava aquela unidade, como noutras ULS. As divergências
entre a visão do novo governo para a Saúde e o gestor cedo começaram a aflorar,
nomeadamente na gestão das mesmas ULS.
A 10 de abril, o programa do governo avançava a reformulação da DE-SNS, que
passará por alterações à “estrutura orgânica” da
direção executiva, para a tornar mais
“simples”, mas também por mudanças nas
competências funcionais do organismo, com o objetivo de dar
uma resposta mais adequada e articulada nas
diferentes áreas do SNS, desde as infraestruturas,
ao financiamento e recursos humanos, passando pela transformação digital.
Em matéria de Saúde,
o programa do executivo aponta que será feita uma avaliação das ULS, em
particular das que integram hospitais universitários.
A 18 de abril, a
ministra da Saúde informou ter remetido à DE-SNS um despacho a solicitar um
conjunto de informações relacionadas com as recentes alterações levadas a cabo,
informações a prestar no prazo de 60 dias. Em particular, a tutela
destaca as alterações na “reorganização das atribuições das diversas
instituições do Sistema de Saúde, nomeadamente da Administração Central do
Sistema da Saúde (ACSS), da Direção-Geral da Saúde (DGS), da Secretaria-Geral
do Ministério da Saúde (SGMS) e, ainda, das Administrações Regionais de Saúde
(ARS)”.
Desse leque de informação solicitada faz parte: um relatório com as
principais medidas adotadas; documentos que sustentaram a proposta de
reorganização das entidades públicas empresariais no modelo de organização e de
funcionamento em ULS, nomeadamente o parecer da Unidade Técnica de
Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial, bem como uma
análise SWOT sobre o desempenho dos cuidados de saúde primários no contexto das
ULS; a identificação dos riscos – assistenciais, operacionais, logísticos e
financeiros – decorrentes do processo de transição para o modelo de ULS; informação
sobre o modelo de contratualização e financiamento das ULS; e a “avaliação da
sustentabilidade económico-financeira dos principais projetos a desenvolver
pela DE-SNS, nomeadamente no que se refere à reorganização em modelo de ULS, à
contratualização e à política de investimentos.
Sejamos claros. Tentar, em Fernando Araújo e na sua equipa, a paciência de
Job, apenas significa provocar a demissão!
***
Em reação, Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos
Médicos (FNAM), disse à Lusa que ao
novo governo caberá decidir o modelo de governação do SNS e se mantém a DE-SNS,
mas deixou críticas à estrutura, como sendo estrutura muito pesada, pouco
funcional, com orçamento descabido e com muitos recursos humanos alocados, que
não se traduziu no trabalho desenvolvido, e com poderes excessivos, que esvaziaram
entidades como a ACSS, as ARS e algumas competências da DGS. Além disso, censurou
a profusa produção legislativa do último ano, sobretudo à “feita de forma
atabalhoada” e que resultou no modelo das ULS.
A presidente da FNAM insiste que, sem a valorização da carreira dos
médicos, “vai ser muito difícil para uma DE-SNS conseguir fazer o seu
trabalho”.
Por seu turno, Nuno
Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), sustentou,
em declarações à Lusa, que “as
reformas estruturais, no SNS, devem ser para manter, as estruturas técnicas e
as instituições devem fazer o seu trabalho, independentemente da cor política
do governo”, e que “há um caminho conjunto que estava a ser percorrido e que
pode ser interrompido”. Nestes termos, o SIM espera que quem suceder a Fernando
Araújo – “uma pessoa considerada, respeitada e competente” – consiga “também
atender aos problemas do SNS e trabalhar com os sindicatos para resolver os
problemas que persistem”.
O bastonário da
Ordem dos Médicos (OM), Carlos Cortes, considerou que era expectável a demissão
da DE-SNS e defendeu uma reformulação das competências do órgão.
“Penso que é fundamental manter uma direção
executiva do Serviço Nacional de Saúde mas revendo as suas competências”, disse
o bastonário à Lusa, a propósito da demissão da DE-SNS.
Ouvido pela Lusa, o bastonário salientou o que considerou o mérito, a
capacidade de trabalho e a entrega e dedicação de Fernando Araújo à causa da
Saúde e do SNS, mas anotou a evidência das visões diferentes entre Fernando
Araújo e a ministra da Saúde, sobre o caminho a seguir no SNS, nomeadamente em
relação às ULS.
Carlos Cortes considerou fundamental manter
uma DE-SNS, mas defendeu que as competências devem ser revistas, porque, em sua
opinião, no anterior governo, havia como que uma “liderança bicéfala”, porque
Fernando Araújo tinha competências que deviam ser do ministro da Saúde.
“A ministra tem de ter capacidade para
tomar decisões, sobre o Serviço Nacional de Saúde” e a DE-SNS a capacidade de
as concretizar, defendeu o bastonário da OM.
***
Cotejando o programa do governo, a atitude
da líder da tutela da Saúde, as declarações da FNAM e, de certo modo, a posição
do bastonário da OM, vê-se bem qual o lado que a governante defende. Aliás, é
de questionar como, sendo adversa de uma reforma em curso, na área da Saúde, é
escolhida para sobraçar essa pasta ministerial, a não ser que seja para estrangular
a reforma e colocá-la ao serviço de interesses privados. Esquece o drama
daquelas pessoas que o setor privado descarta, porque precisam mais de saúde do
que de faturar, que isso interessa aos privados! Como dizem alguns, sabemos do
que falamos.
Estou à vontade. Tenho sido bem atendido no
setor público e no privado. Por outro lado, sempre disse que, para fazer
reformas na Saúde, não precisávamos de criar uma nova entidade, mas de imprimir
sangue novo e dinamismo nas existentes. Todavia, fazer pôr em sentido uma
entidade, recém-criada, cuja ação no papel e no terreno está por concluir
significa estrangular uma reforma em curso e cujas potencialidades ainda estão
por explorar. Não estaremos, ironicamente, perante uma contrarrevolução da
Saúde, no cinquentenário da Revolução do 25 de Abril?!
2024.04.23 – Louro de Carvalho
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