O Tribunal da Relação de
Lisboa (TRL) decidiu contra o Ministério Público (MP) e mantém os arguidos da Operação
Influencer sujeitos apenas a Termo de Identidade e Residência (TIR),
a medida menos gravosa prevista na lei processual penal.
“Nenhum dos
factos adiantados se traduziam em crimes” e não ultrapassam
“o desenvolvimento das funções de cada um dos intervenientes, tendo todos eles
atuado no âmbito das mesmas”, diz o comunicado do TRL, de 17 de abril, que
acrescenta: “O Tribunal salientou, contudo, que não existe
legislação em Portugal sobre a atividade de lóbi, legislação que, a existir,
evitaria muitas situações dúbias, como algumas daquelas que foram apuradas nos
autos.”
Os juízes desembargadores, porém, criticam “a incorreção de se
tratarem assuntos de Estado à mesa de restaurantes, olvidando procedimentos e
esquecendo a necessidade de se documentarem as relações havidas entre
representantes de interesses particulares e os governantes no âmbito das suas
funções”. Em todo o caso, o TRL conclui “que os
factos apurados não são, só por si, integradores de qualquer tipo criminal”.
Assim, Diogo Machado não tem de pagar a caução de 150 mil euros e fica sem a
obrigação de não se ausentar para o estrangeiro; e Vítor Escária fica,
igualmente, sem a obrigação de não se ausentar para o estrangeiro. Por isso, o
Tribunal Central de Instrução Criminal (CIC) terá então de entregar os
passaportes a ambos.
É, no essencial, a reposta ao recurso interposto
pelo MP da decisão das medidas de coação, bem como pelos arguidos Vítor
Escária, no processo que resultou na demissão do primeiro-ministro (PM),
António Costa. Os três recursos apresentados foram distribuídos a diferentes
juízes do TRL. A distribuição foi feita, por sorteio, a 16 de fevereiro.
O TRL
analisou todos os factos invocados no despacho de apresentação a primeiro
interrogatório, salientando bem que não se pode confundir um facto, enquanto
acontecimento histórico, com o teor de escutas ou mesmo com notícias de
jornais. Desta análise resultou que nenhum dos factos adiantados se traduziam
na comissão de crimes, não ultrapassando o desenvolvimento das funções de cada
um dos intervenientes [e] tendo todos eles atuado no âmbito das mesmas”.
***
A 7 novembro, os cinco arguidos inicialmente
detidos ficaram em liberdade. A decisão do juiz de instrução (JIC) Nuno
Dias Costa – colocado no TCIC, o chamado “Ticão”, desde setembro – ficou muito
aquém do pedido de promoção do MP, que pretendia a prisão preventiva, para
Diogo Lacerda Machado e para Vítor Escária (próximos de Costa), cauções de 200
mil euros, para Afonso Salema, e de 100 mil para Rui Oliveira Neves (administradores
da Start Campus), e a suspensão do mandato do presidente
da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas. E não validou
os crimes de prevaricação e de corrupção ativa e passiva imputados a alguns
arguidos, considerando não existir indiciação de
qualquer crime relativo ao Nuno Mascarenhas.
Segundo o comunicado do TCIC, o juiz
considerou que Lacerda Machado e Vítor Escária estão “fortemente indiciados” em
coautoria e na forma consumada de um crime de tráfico de influência.
A Operação Influencer levou à detenção de Vítor Escária (chefe
de gabinete do então PM), de Diogo Lacerda Machado (consultor e amigo do então
PM), dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira
Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que ficaram em liberdade,
após interrogatório judicial. Existem outros arguidos, como João Galamba, ex-ministro
das Infraestruturas, Nuno Lacasta, ex-presidente da Agência Portuguesa do
Ambiente (APA), João Tiago Silveira, ex-porta-voz do PS, e a Start Campus.
***
Os juízes desembargadores do TRL consideram que o que
o MP refere como alegada prevaricação de António Costa é apenas o exercício
do poder legislativo e executivo. E, para isso, citam figuras de notáveis
do Direito, como Marcello Caetano, Marcelo Rebelo de Sousa, Sérvulo
Correia e Diogo Freitas do Amaral, para concluírem que a “função
legislativa corporiza as opções vencedoras e a função administrativa dá-lhes
execução” e que “jamais se poderá considerar sob o âmbito da previsão contida
no tipo legal de prevaricação”.
Há, em certa medida, a corroboração, via judicial, do teor
das declarações do ex-primeiro-ministro (ex-PM) aos jornalistas convocados para
a residência oficial do chefe do governo, uns dias depois da apresentação do
seu pedido de demissão e conhecida que foi a decisão do Presidente da República
(PR) de dissolver a Assembleia da República (AR). Efetivamente, o ex-PM mantinha
o princípio da autonomia do MP e o da independência dos tribunais, bem como o
tempo próprio da Justiça, mas clamava que a Justiça não podia impedir, nem
condicionar a ação política dos outros órgãos de soberania, nomeadamente pela produção
legislativa e regulamentadora, bem como a capacidade de os governos promoverem ações
e negociações para captar investimento (nomeadamente estrangeiro) e a
desenvolver projetos considerados de interesse nacional.
Foi um dizer “Basta!” à Justiça, para o seu
condicionamento do poder político stricto
sensu.
Desta feita, o TRL considera, como Nuno Dias Costa,
que o crime de prevaricação não pode ser imputado a
estes factos do alegado favorecimento da Start Campus, durante o processo
legislativo do Simplex industrial, realizado por João Tiago Silveira. O que
servirá também para as suspeitas do mesmo crime que, agora, o Departamento
Central de Investigação Penal (DCIAP) imputa a Costa. “Em qualquer
destas asserções, jamais se poderá considerar sob o âmbito da previsão contida
no tipo legal da prevaricação”, diz o acórdão.
O acórdão do TRL invoca a autoridade doutrinária de Marcello Caetano (Manual de
Direito Administrativo, 10.ª ed., 1.º vol., pg. 8), sobre as definições
de ação política: “Várias podem ser as definições de função política: atividade
dos órgãos do Estado cujo objeto direto e imediato é a conservação da sociedade
política e a definição e a prossecução do interesse geral, mediante a livre
escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis.
Cita, a seguir, Marcelo Rebelo de Sousa (Lições de Direito
Administrativo, Vol. I, 1999, pg. 10), sobre a
noção de interesses essenciais da coletividade: “Prática de atos que exprimem
opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da
coletividade, e que respeitam, de modo direto e imediato, às relações dentro do
poder político e deste com outros poderes políticos.”
De Sérvulo Correia (Noções de Direito Administrativo,
vol. 1.º, pg. 30) recolhe o atinente aos fins últimos da comunidade: “Atividade
de ordem superior, que tem por conteúdo a direção suprema e geral do Estado,
tendo por objetivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação
das outras funções à luz desses fins.”
E cita Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, 1.º, 2.ª ed., pgs. 48/49), sobre a função legislativa:
“Nas grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino
coletivo, a função legislativa corporiza as opções vencedoras e a função
administrativa dá-lhes execução.”
***
O acórdão do TRL também se pronuncia sobre o ex-PM,
embora este não tenha sido constituído arguido, o que alguns entenderam como
abusivo, já que não houve recurso da parte do mesmo, pois nem sequer foi
notificado. Porém, segundo a alegação do MP, no seu recurso, o então PM é
suspeito da prática do crime de prevaricação, pela aprovação do novo Regime
Jurídico de Urbanização e Edificação no Conselho de Ministros, a 19 de outubro
de 2023.
Corria, por isso, um inquérito no Supremo Tribunal de
Justiça (STJ), por ser então o fórum competente. Porém, como perdeu a qualidade
de PM, o STJ decidiu entregar a investigação ao DCIAP. Ou seja, o processo passou
para a primeira instância, ficando o suspeito igual a qualquer cidadão, mas a
investigação será autónoma das restantes investigações da Operação influencer.
O ex-PM demitiu-se, a 7 de novembro, depois de o seu nome
ter sido citado num comunicado da Procuradoria-Geral da República sobre
uma investigação judicial ao centro de dados de Sines e a negócios do lítio e do
hidrogénio. Ora como, no recurso do MP, António Costa é associado à ação dos demais
suspeitos, é natural que o TRL o tenha incluído no teor do acórdão.
***
Reagindo à decisão do TRL, a procuradora-geral da República reforça que a investigação vai
continuar: “O Ministério Público, pese embora a decisão proferida,
prosseguirá as investigações, tendo por objetivo, nos termos da lei, apurar os
factos suscetíveis de integrar a prática de crimes, determinar os seus agentes
e a sua responsabilidade”, disse fonte oficial de Lucília Gago.
Do lado do Partido Socialista (PS), há quem peça explicações
ao MP e até a demissão da procuradora-geral da República. Ana Catarina Mendes,
ex-ministra e deputada do PS, frisa que o
MP deve “explicações aos Portugueses”, uma vez que António Costa se demitiu,
“sabendo que era inocente”. Assim, a Justiça “derrubou um governo e um parlamento”,
com base em meras suspeitas, o que “é gravíssimo em democracia”.
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, lembra que caiu um governo
de maioria absoluta e reforça que António Costa, como cidadão e ex-PM, merece
ser ouvido. E insiste que a questão é mais ampla: “Somos todos nós. É a
Democracia que está em causa”, atira. E a deputada Mariana Vieira da Silva,
ex-ministra da Presidência, assumiu que o acórdão
do TRL exige “explicações e consequências”. Exige que o ex-PM seja ouvido. E sublinha que, à
medida que o tempo passa, havendo decisões de juízes sobre o
processo, continuamos sem saber o que justificou “aquele
parágrafo” e quais são as acusações a António Costa para que se possa defender.
Mariana Mortágua, deputada do
Bloco de Esquerda (BE) assume que as explicações da Procuradoria-Geral da
República sobre o envolvimento de Costa foram “insuficientes”.
Rui Rio, ex- líder do Partido Social Democrata (PSD) questiona
se o PR não se arrepende de não ter querido a reforma da justiça.
“Um Tribunal superior a humilhar um MP, que, ao funcionar assim, envergonha o
País e agride a democracia e a separação de poderes. Continuará
o PR a não se arrepender de não ter querido a reforma da justiça e de orientar
as suas decisões pela PGR que temos?”, refere Rio.
André Coelho Lima, ex-deputado do PSD, assume que “todos errámos
nas nossas vidas pessoais e profissionais”, mas que somos responsáveis pelos
nossos erros. E diz que “O
princípio da irresponsabilidade decisória que vigora no sistema de Justiça
cauciona a leviandade de atuação”.
Ao invés,
André
Ventura, líder do Chega, acredita que existe
“pressão civil”, para ilibar Costa, defende uma investigação,
na AR, aos negócios do lítio e do hidrogénio e sustenta que ou se tem uma
justiça igual para todos ou não se tem. Ainda assim, não crê que “haja uma tentativa da Presidência,
muito menos do tribunal, de fazer branqueamento”.
A defesa de Afonso Salema assume que as suspeitas que recaem
sobre António Costa vão cair por terra. “Com os
elementos que se conhecem não há suspeitas contra ele”, disse
Pedro Duro.
O advogado de Vítor Escária considerou que a decisão do Tribunal da Relação é uma vitória
para a defesa dos arguidos e que o MP devia ter “parado
para pensar”. E defende que o MP deve
refletir “serena, mas seriamente, naquilo que foi a sua atuação no âmbito deste
processo”. “Impõe-se que haja alguma reflexão sobre a conduta
do Ministério Público”, sublinhou.
António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários
Judiciais (SFJ), considerou que a evolução
deste processo “não é natural”. “É normal que o MP faça uma
investigação e, depois, um juiz considere que não corresponde à sua análise, é
o sistema de justiça a funcionar”. E, sobre a Operação Influencer e o que levou
à demissão do ex-PM, diz que “não é natural”. Todavia,
questiona se a demissão se deve, única e simplesmente, à investigação do caso
Influencer.
Já Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, defende que a atuação do MP deve ser “avaliada
globalmente”, mas que ainda é cedo para ser feita uma
análise do trabalho.
***
É grave operadores judiciários terem, voluntária ou involuntariamente,
originado a queda do governo de maioria absoluta e da AR, de que dimanara tal
executivo. No mínimo, exige-se-lhes a respetiva autocrítica. Todavia, a figura
de topo do MP, nomeada pelo poder político stricto
sensu, deve tirar consequências e apresentar o pedido de demissão, mesmo
que não haja cometido erro pessoal. O MP, se não tem agenda partidária, deve acautelar
coincidências políticas como as que têm surgido e evitar a perceção de que
existe guerra entre o MP e os tribunais.
Também o PR não tem de dar palpites públicos sobre o futuro do
ex-PM, que precisa de discrição, nem deve aduzir justificações que envolvam remorso
ou reconhecimento de precipitação nas decisões soberanas, boas ou más, que tomou
e que são totalmente da sua lavra e não de outrem.
2024.04.21
– Louro de Carvalho
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