O plenário
do Conselho Superior da Magistratura (CSM) aprovou, a 16 de abril, o Código
de Conduta dos Juízes dos Tribunais Judiciais (CCJTJ), segundo o qual
estes magistrados deixam de receber vantagens, de aceitar convites ou de usar
informações para seu benefício ou de terceiros, em resultado do cargo ou das
funções desempenhadas.
Esta
deliberação vem na sequência da aprovação, “por maioria”, a 5 de dezembro de
2023, do projeto do CCJTJ, após ampla discussão entre os juízes conselheiros e depois de
introduzidas as correções sugeridas. Subsequentemente a esta deliberação, foi
determinado que o referido projeto fosse divulgado junto da Associação Sindical
dos Juízes Portugueses (ASJ) e pelos juízes, para se pronunciarem, querendo, no
prazo de 60 dias.
Entende o
CSM que, no exercício das funções que lhes são atribuídas constitucionalmente, “os
magistrados judiciais gozam das garantias e estão sujeitos aos deveres
decorrentes do Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ], designadamente quanto
à independência, imparcialidade, urbanidade, humanismo, diligência e reserva”. Com
efeito, o EMJ (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, cuja última alteração lhe foi introduzida pela Lei
n.º 2/2020, de 31 de março) estipula, no atinente à conduta, os seguintes
deveres dos magistrados judiciais:
Dever de imparcialidade:
no
exercício de funções, devem agir com imparcialidade, assegurando a todos um
tratamento igual e isento quanto aos interesses particulares e públicos que
lhes cumpra dirimir” (ver artigo 6.º-C).
Dever de cooperação: devem
cooperar com o CSM e com os presidentes dos tribunais no exercício das suas
atribuições legais de gestão e organização e estes com aqueles no exercício das
suas atribuições legais de administração da justiça”; “são atribuições de
gestão e organização todas as que não contendam com a concreta tramitação e
decisão processual” (ver artigo 7.º-A).
Deveres de sigilo e de reserva: “não podem
revelar informações ou documentos a que tenham tido acesso no exercício das
suas funções que, nos termos da lei, se encontrem cobertos por segredo; “não
podem fazer declarações ou comentários públicos sobre quaisquer processos
judiciais”, salvo quando autorizados pelo CSM, “para defesa da honra ou para a
realização de outro interesse legítimo”; “não são abrangidas pelo dever de
reserva as declarações e informações que, em matéria não coberta por segredo de
justiça ou por sigilo profissional, visem a realização de direitos ou
interesses legítimos, nomeadamente o acesso à informação e a realização de
trabalhos técnico-científicos, académicos ou de formação”; sem prejuízo das
regras estabelecidas na lei processual, a prestação de tais informações deve
ser assegurada pelo CSM, pelos juízes presidentes dos tribunais ou por outros
magistrados judiciais a quem este Conselho, sob proposta do juiz presidente
respetivo, defira essa competência (ver artigo 7.º-B).
Dever de
diligência: “Os magistrados judiciais devem pautar a sua atividade pelos
princípios da qualidade e eficiência de modo a assegurar, designadamente, um
julgamento justo, equitativo e em prazo razoável a todos os que recorrem aos
tribunais” (artigo 7.º-C).
Dever de urbanidade: “Os magistrados judiciais devem adotar um comportamento
correto para com todos os cidadãos com que contactem no exercício das suas
funções, designadamente na relação com os demais magistrados, funcionários,
advogados, outros profissionais do foro e intervenientes processuais” (artigo 7.º-D).
Dever de declaração: “Os magistrados
judiciais apresentam declarações de rendimentos e [de] património nos termos da
lei” (artigo 7.º-D).
No campo dos impedimentos, nos termos
do artigo 7.º, n.º 1, é vedado aos magistrados judiciais: exercer
funções em juízo ou tribunal de competência territorial alargada em que sirvam
juízes de direito, magistrados do Ministério Público (MP) ou funcionários de
justiça a que estejam ligados por casamento ou união de facto, parentesco ou
afinidade em qualquer grau da linha reta ou até ao 2.º grau da linha colateral;
exercer funções em juízo da mesma comarca ou tribunal de competência
territorial alargada em que sirvam juízes de direito, magistrados do MP ou
funcionários de justiça, se estiverem em alguma das situações descritas, que
gere sistemático impedimento do juiz; exercer funções na mesma secção do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ou dos tribunais da Relação (TR) em que
sirvam magistrados judiciais, se estiverem em alguma das situações descritas;
exercer funções em tribunal de comarca a cujo presidente estejam ligados por alguma
das situações anteriormente descritas; servir em juízo cuja área
territorial abranja o concelho em que, nos últimos cinco anos, tenham
desempenhado funções de MP ou de advogado ou defensor nomeado no âmbito do
apoio judiciário ou em que, em igual período, tenham tido escritório de
advogado, solicitador, agente de execução ou administrador judicial.”
O artigo 8.º estabelece que os
magistrados judiciais têm domicílio necessário na área da comarca onde se estão
instalados os juízos da comarca ou as sedes dos tribunais de competência
territorial alargada onde exercem funções, mas podendo residir em qualquer
local da comarca, desde que não haja prejuízo para o exercício de funções.
Os do quadro complementar consideram-se domiciliados na sede do respetivo TR ou
da respetiva comarca, em caso de desdobramento, podendo, todavia, residir em
qualquer local da circunscrição judicial, desde que não haja prejuízo para o
exercício de funções. Quando as circunstâncias o justifiquem, e não haja
prejuízo para o exercício das suas funções, os juízes de direito podem ser
autorizados pelo CSM a residir em local diferente do previsto acima. Os
magistrados judiciais do STJ e dos TR estão isentos da obrigação de domicílio
necessário. Os magistrados judiciais abrangidos pelo EMJ não podem
indicar mais do que um domicílio.
Por seu turno, o artigo 8.º A estabelece
que “os magistrados judiciais em efetividade de funções ou em situação de
jubilação não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de
natureza profissional”.
Não são consideradas de natureza
profissional as funções diretivas não remuneradas em fundações ou em
associações de que sejam associados que, pela sua natureza e objeto, não ponham
em causa a observância dos respetivos deveres funcionais, devendo o exercício
dessas funções ser precedido de comunicação ao CSM. Não são
incompatíveis a docência ou a investigação científica de natureza jurídica, não
remuneradas, bem como as comissões de serviço ou o exercício de funções
estranhas à atividade dos tribunais cuja compatibilidade com a magistratura se
encontre especialmente prevista na lei, mas o exercício destas funções carece
de autorização do CSM, não podendo envolver prejuízo para o serviço nos casos
da docência ou investigação científica de natureza jurídica.
Carecem, ainda, de autorização do CSM,
só concedida, se a atividade não for remunerada e não envolver prejuízo para o
serviço ou para a independência, dignidade e prestígio da função judicial:
exercício de funções não profissionais em quaisquer órgãos estatutários de
entidades públicas ou privadas que tenham como fim específico exercer a
atividade disciplinar ou dirimir litígios; e o exercício de funções não
profissionais em quaisquer órgãos estatutários de entidades envolvidas em competições
desportivas profissionais, incluindo as respetivas sociedades acionistas.
Não é incompatível o recebimento de
quantias resultantes da produção e criação literária, artística, científica e
técnica, assim como das publicações derivadas.
***
Definidos, pelo EMJ, os deveres, os
impedimentos, o domicílio e as incompatibilidades, a que propósito vem um código
de conduta? O CSM considera que a matéria estritamente disciplinar
regulada no EMJ “não esgota o universo de condutas que têm repercussão direta e
indireta no exercício das funções dos juízes” e na “perceção deste
exercício pelos cidadãos”. Assim, entende que há deveres que assentam num
conjunto de valores comuns e que se projetam em deveres de conduta de
ressonância mais ética do que jurídica. E sublinha que o Grupo de Estados
Contra a Corrupção (GRECO), criado no âmbito do Conselho da Europa, em linha
com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (de 2003), tem feito recomendações
no sentido que de que o EMJ não substitui um código de conduta, “nomeadamente
por não regular o recebimento de ofertas e os conflitos de interesses”.
Por outro lado, nos termos do
artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, as entidades
públicas abrangidas devem aprovar Códigos de Conduta a publicar no Diário da República e nos respetivos
sítios na Internet, para
desenvolvimento, entre outras, das matérias relativas a ofertas institucionais
e hospitalidade.
Assim, o CCJTJ é um instrumento orientador que visa estabelecer um
compromisso de conduta dos juízes dos Tribunais Judiciais, tanto no
exercício das suas funções como nos atos da sua vida privada com repercussão no
desempenho funcional e na dignidade do seu cargo (ver artigo 1.º). Abrange todos os juízes dos Tribunais Judiciais, incluindo
os jubilados e os que desempenham funções no âmbito de comissões de serviço. Por
conseguinte, em nome da transparência, “os juízes dos Tribunais
Judiciais abstêm-se de participar em atividades extrajudiciais que possam ser
considerados, por uma pessoa razoável, bem informada, objetiva e de boa-fé, como
suscetíveis de afetar a confiança dos cidadãos na imparcialidade das suas
análises e decisões”. E, em nome da integridade, não se podem aproveitar do estatuto
ou prestígio profissional, nem invocar tal qualidade em atos da sua vida
privada, para obter vantagens ou precedências indevidas, para si ou
para terceiro, e não podem utilizar informação confidencial a que tenham acesso
por via das suas funções em benefício privado, próprio ou de terceiro.
Relativamente a ofertas, convites e hospitalidade, ficam
impedidos de receber quaisquer vantagens, patrimoniais ou não, diretas ou
indiretas, para si ou para terceiros, em razão do cargo ou funções que
desempenham, que não sejam socialmente adequadas. Também ficam impedidos
de usar a condição de magistrado judicial para levar a cabo ação ou omissão
que, objetivamente, “possa ser interpretada como solicitação de benefício
indevido para si ou para terceiro, interveniente processual ou não”.
“Os juízes dos Tribunais Judiciais abstêm-se de aceitar, a qualquer
título, de pessoas singulares e coletivas, vantagens ou ofertas de bens ou
serviços, de qualquer valor, ou convites para espetáculos ou outros
eventos sociais, culturais ou desportivos, que possam condicionar a
objetividade, a imparcialidade ou a integridade do exercício das suas funções”,
lê-se no documento. Porém, há exceções. Podem aceitar convites ou benefícios
similares relacionados com a participação em cerimónias oficiais, conferências,
congressos, seminários ou outros eventos análogos, “quando subsista interesse
público relevante na participação, nomeadamente, em razão de representação
oficial que importe assegurar”. Também se excetuam os casos que ocorram em
contexto de relações pessoais e familiares.
Para acompanhar e supervisionar o cumprimento do CCJTJ, foi criado o Conselho de Ética, de natureza “exclusivamente
consultiva” e que não intervém em qualquer procedimento de caráter
disciplinar. Entre as suas funções, emitirá pareceres sobre a
compatibilidade de determinados comportamentos com o CCJTJ e formulará opiniões ou recomendações sobre questões conexas com a sua
aplicação ou com a sua atualização.
O Conselho de Ética será constituído por um juiz conselheiro, um juiz
desembargador, um juiz de Direito e duas personalidades de reconhecido mérito,
indicadas pelo CSM. O mandato é de quatro anos, não renovável. E o exercício de
funções não implica qualquer compensação económica, além do reembolso de
despesas incorridas para participação nas reuniões, mediante a apresentação ao
CSM de documento comprovativo das mesmas.
***
Passará a administração Justiça a ser, doravante, mais rigorosa e mais prudente?
2024.04.22 – Louro de Carvalho
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