A pouco mais
de dois meses da ida às urnas (de 6 a 9 de junho) para eleger os deputados do
Parlamento Europeu (PE), aumenta o receio de que representantes do governo russo
de Vladimir Putin possam estar a recorrer a mecanismos de manipulação de
informação e de interferência no processo democrático.
O primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, revelou à comunicação
social, a 12 de abril, que os serviços de informação belgas confirmaram a “existência
de uma rede de ingerência pró-russa com atividades em vários países europeus” e
que a rede está a ser alvo de “um processo judicial” no país.
Efetivamente, uma investigação
recente conduzida pelos serviços secretos da Chéquia detetou que alguns
eurodeputados terão recebido dinheiro de uma rede de influência política
apoiada pelo regime de Moscovo, para “promover” a sua propaganda no bloco
europeu. Por conseguinte, o procurador
federal belga abriu uma investigação, para averiguar sobre informações de que
essa rede de influência russa terá pago a eurodeputados para divulgarem a sua
propaganda.
“Os pagamentos em dinheiro não
tiveram lugar na Bélgica, mas a interferência, sim”, assegurou Alexander De
Croo, sublinhando: “Como a Bélgica é a sede das instituições da UE [União
Europeia], temos a responsabilidade de defender o direito de todos os cidadãos
a um voto livre e seguro.”
As bancadas
de centro-esquerda, liberal e dos verdes apelaram a uma investigação rápida e
os serviços de imprensa do PE confirmaram que estão a analisar as
alegações.
Os serviços do PE não puderam
confirmar quantos eurodeputados poderão estar sob escrutínio, mas disseram que
estavam a trabalhar “em coordenação com os seus parceiros institucionais”, em
resposta às alegações explosivas.
Este incidente surge a pouco mais de
dois meses do escrutínio para eleger os eurodeputados, havendo sérios receios
de que os representantes do Kremlin possam estar a utilizar a manipulação de
informação para distorcer o voto democrático.
Em carta endereçada à presidente
do PE, Roberta Metsola, a líder do grupo centrista Renovar a Europa, Valérie
Hayer, descreve as alegações como um “ataque claro” ao Parlamento e ao seu
“mandato democrático”.
“Se os eurodeputados em funções ou os
candidatos às próximas eleições europeias receberam dinheiro ou foram
corrompidos pelo governo russo ou pelos seus representantes, têm de ser
expostos”, afirmou Valérie Hayer.
Alexander De Croo confirmou que os
serviços secretos belgas tiveram conhecimento das alegações dos serviços
secretos checos sobre os eurodeputados. E, embora não tenha podido especificar
quantos eurodeputados poderão vir a ser integrados no processo, atido aos meios
de comunicação social checos, que citam funcionários dos serviços secretos,
afirmou que as alegações envolvem políticos da Alemanha, da França, da Polónia,
da Bélgica, dos Países Baixos e da Hungria.
O primeiro-ministro
belga também quer examinar se os mandatos da Procuradoria Europeia (EPPO) e do
Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) podem permitir uma “ação penal”
neste caso. “Se não for esse o caso, devemos alargar esses mandatos”, considerou.
As
autoridades belgas estão, ainda, a investigar um escândalo de corrupção que
envolve eurodeputados e outros funcionários do PE, acusados de receberem
dinheiro em troca de exercerem a sua influência política a favor de
funcionários do Qatar, de Marrocos e da Mauritânia (caso que eclodiu no final
de 2022). Todavia, a investigação tem enfrentado turbulências e posto à prova
os serviços judiciais belgas, com o anterior procurador a ser forçado a
demitir-se, após alegações de que não era imparcial.
Os numerosos
fracassos da investigação belga levaram muitos a classificar o caso como
“Belgium-gate”.
De Croo
afirmou que as autoridades continuam “dedicadas” ao seu papel de “construtoras
de consensos” e que continuarão a trabalhar, “não apenas no interesse da
Bélgica, mas de toda a UE”. E apoiou a proposta da Chéquia de aplicar sanções a
nível da UE a indivíduos ligados à rede de propaganda, mas disse que as pessoas
que “recebem” subornos também têm de ser analisadas no âmbito da investigação
belga.
O chefe do
governo belga disse ter discutido a investigação com a presidente do PE,
Roberta Metsola, e com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen,
e pediu à Eurojust, a agência do
bloco europeu para a cooperação em matéria de justiça criminal, a convocação e
a discussão deste assunto com urgência.
***
No centro da operação checa esteve a
agência de notícias “Voz da Europa”, que foi sancionada pela Chéquia, bem como
dois indivíduos, incluindo o político ucraniano Viktor Medvedchuk,
pró-Kremlin, que o ministério dos Negócios Estrangeiros checo refere que utilizou
aquela agência noticiosa, para difundir propaganda destinada a minar a “integridade
territorial, a soberania e a independência” da Ucrânia.
A “Voz da Europa” é uma empresa
neerlandesa cotada na bolsa, com sede oficial numa pequena aldeia da província
de Brabante do Norte, nos Países Baixos. Há cerca de duas semanas, organizou
um debate no PE, em Estrasburgo, numa sessão plenária, em que participaram
eurodeputados do Vox (extrema-direita de Espanha) e do Fórum para a Democracia
(de extrema-direita dos Países Baixos).
O
sítio erb da empresa está fora de
serviço desde o dia 10 de abril, à noite, segundo os arquivos do sítio. Com
efeito, As autoridades da Chéquia, onde o site está
sediado, retiraram-no da Internet,
depois de terem surgido alegações de que vários políticos europeus foram pagos
para usar a sua influência para desencorajar o apoio à ajuda e ao envio de
armas para a Ucrânia. Assim, as contas nas redes
sociais X, Facebook e YouTube estão inativas
desde 27 de março, mas a do Telegram
continua ativa. O seu conteúdo mostra, claramente, que a empresa tinha pleno
acesso ao PE e aos seus membros. Os seus vídeos nas redes sociais apresentam
uma série de eurodeputados, predominantemente do grupo de extrema-direita
Identidade e Democracia (ID) ou não inscritos.
O primeiro-ministro checo, Petr
Fiala, afirmou que esse órgão de informação tinha como objetivo desestabilizar
toda a Europa e que outros países europeus tinham iniciado investigações na
sequência dos esforços checos.
A
investigação checa resultou na sanção de dois indivíduos e da agência de
notícias “Voz da Europa”, através da qual os investigadores dizem que a
operação russa foi canalizada.
A Agência de Segurança Interna da
Polónia disse, a 28 de março, que também estava a realizar buscas na capital,
Varsóvia, e na cidade de Tychy, como parte de uma investigação conjunta
“coordenada” com outros países europeus.
Em declarações a partir de Nova
Iorque, no dia 27 de março, a vice-presidente da Comissão Europeia, Věra
Jourová, confirmou que a investigação polaca poderá, em breve, dar origem a
mais acusações e acusou Putin de utilizar “meios de comunicação duvidosos”,
para exercer influência, e “partidos nacionais” como seus porta-vozes.
Na carta enviada à presidente do PE, já
referida, Valérie Hayer, pede que o acesso da “Voz da Europa” às instalações do
PE seja suspenso e que o bloco siga o exemplo da Chéquia e imponha sanções à
empresa em toda a UE.
Os outros grupos parlamentares e a
presidente do Parlamento Europeu ainda não comentaram as alegações.
Porém, os
eurodeputados referidos pedem um inquérito urgente sobre o escândalo, entre os
receios de que candidatos políticos de seis países da UE, incluindo a França, a
Bélgica, a Polónia, os Países Baixos e a Hungria, possam ter sido pagos para
fazer propaganda pró-Kremlin.
O
eurodeputado Maximilian Krah, do partido de extrema-direita Alternativa para a
Alemanha (AfD), pronunciou-se depois de ter sido associado à “Voz da Europa”,
afirmando que, apesar de ter dado entrevistas à empresa, não beneficiou
financeiramente.
“Não há
nenhuma alegação específica de que eu tenha sido pago para qualquer uma delas”,
disse Krah, na rede social X,
acrescentando: “Isto mostra o que pensar da atual campanha: Nada!”
Petr Bystron, segundo candidato na lista da AfD às eleições para o PE, nega as alegações
de que terá recebido dinheiro da rede pró-russa “Voz da Europa”, para
divulgar informações pró-russas, e
afirma que as alegações de que recebeu 25 mil euros fazem parte de uma “campanha
de difamação”. Porém, o
cabeça-de-lista da AfD ao Parlamento Europeu, Maximilian
Krah, sugeriu que Bystron suspenda a sua campanha até que as alegações
contra ele fossem esclarecidas.
E o copresidente da AfD, Tino Chrupalla, minimizou as alegações no
parlamento alemão, a 9 de abril: “A presunção de inocência também se
aplica a Petr Bystron. Estamos a falar de suspeitas, de alegações. Atualmente,
não existem provas ou indícios disponíveis. Por conseguinte, aplica-se a
presunção de inocência. A partir de agora, acreditamos mais na palavra de Peter
Bystron”, acrescentou o colíder.
O politólogo
alemão Wolfgang Schroeder, considerando
que o escândalo não afetará o partido nas próximas eleições, declarou à Euronews:
“O AfD tende a sair fortalecido de situações de conflito como esta. Não é a
primeira vez que isso acontece. Eles desenvolvem uma espécie de cultura de
vitimização. O AfD costuma dizer: ‘Vocês só querem eliminar um concorrente
forte, estão a jogar com as cartas erradas e não há provas’.”
***
Estamos num
tempo em que parece que vale tudo para subverter a ordem internacional.
Vendem-se armas, gera-se informação e contrainformação, de acordo com os
interesses e com os objetivos ou ambições, subornam-se pessoas bem colocadas (que
se deixam subornar), as instituições democráticas são pasto de deslealdades e
de traições, a diplomacia é contrariada por meios subterrâneos. Enfim, brita-se
a coesão dos diversos blocos de países. Faz-se a guerra de muitos modos.
Pontifica a propaganda ilegítima e subversiva. As democracias estão em Perigo.
Precisa o concerto das nações de lisura e de honestidade.
2024.04.12 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário