O governo,
aprovado que foi o seu programa, em Conselho de Ministros, a 10 de abril, e debatido,
na Assembleia da República (AR), nos dias 11 e 12, tem, agora, para execução, o
seu principal instrumento de governação para a XVI Legislatura. Com efeito,
apesar das críticas das diversas bancadas da oposição, a AR deixou passar o
Programa do XXIV Governo Constitucional.
Foram
apresentadas moções de rejeição pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Bloco
de Esquerda (BE). Porém, só o BE, o PCP e o Livre votaram a favor; o Partido
Socialista (PS) absteve-se nas duas votações; e, é claro, a AD e partidos mais
próximos das suas posições programáticas votaram contra.
Ao longo de
11 horas de dois dias, o Executivo deixou claras quais as prioridades e as
medidas que pretende implementar com maior brevidade, de acordo com o programa
eleitoral da Aliança Democrática (AD), que venceu as eleições de 10 de março.
Logo no
arranque do debate no Plenário, o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro,
elencou as medidas que julga mais urgentes.
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A primeira, que havia de suscitar, para breve, uma proposta de lei, é a introdução da descida do imposto
sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) até ao oitavo escalão, que
proporcionará, para 2024, a “diminuição global de cerca de 1500 milhões de euros
nos impostos do trabalho dos Portugueses, face ao ano passado”.
Foi a
Iniciativa Liberal (IL) que desmontou o equívoco de que 1326 milhões já estavam
inscritos no Orçamento para 2024 (OE 2024), da iniciativa do PS, restando à AD
presentear os contribuintes com apenas 174 milhões (12%). Neste apontamento, a
oposição acompanhou a IL.
Alguns
observadores criticaram o facto de o ex-ministro das Finanças, ora deputado,
não ter levantado a questão, por saber do conteúdo do OE 2024, tendo a
iniciativa partido da IL, um pequeno partido. É obvio que, segundo a dinâmica da
AR, as intervenções não são à vontade dos deputados, são saindo do controlo da
direção dos grupos parlamentares e/ou dos líderes partidários. Ora, nem Pedro
Nuno Santos (líder do PS), nem Alexandra Leitão (presidente do grupo
parlamentar do PS) tiveram responsabilidades diretas no OE 2024.
Este
equívoco levou o PS, a requerer um debate urgente para 17 de abril, no
Plenário, a fim de que o governo desse a conveniente explicação. Daí não
resultou nada de novo. O ministro de Estado e das Finanças (MEF), que se
deslocou a Washington para uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI),
fez-se substituir pelo ministro dos Assuntos Parlamentares (MAS). E mais do que
arrancar uma explicação do governo, que manteve a linha equívoca da promessa
eleitoral, a oposição perdeu-se em questões laterais, como a ausência no debate
do PM e do MEF, esquecendo a solidariedade governamental, que legitima o MAS na
AR. Contudo, o governo foi questionado sobre o quantitativo global que fixará e
se proporá orçamento retificativo.
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Outra prioridade é a revogar medidas do “Mais
Habitação” e apoiar os jovens na compra de casa.
Assim, o PM
vai propor a revogação da medida que prevê o arrendamento forçado, que faz
parte do pacote “Mais Habitação”, aprovado pelo anterior governo de maioria
socialista, e prometeu promover a compra de primeira habitação pelos mais
jovens, através da isenção do imposto municipal sobre a transmissão de imóveis
(IMT) e do imposto de selo (IS), bem como de um mecanismo de garantia pública
que permita o financiamento bancário a 100% do valor do imóvel.
Está,
obviamente, no seu direito, mas resta saber como resolve o problema da falta de
habitação acessível a todos, se não insta ao arrendamento, pois não basta
contar com a generosidade dos privados. Convém saber se o novo surto de
construções em marcha, embora aumente o número de casas disponíveis, promoverá
o acesso de todos à habitação. Do meu ponto de vista, as facilidades previstas
para os jovens deveriam ser dadas em conformidade com as diversas situações.
Percebo que o IRS dê alívio especial aos jovens, pois, no início de vida
laboral, o rendimento é exíguo. Porém, a isenção do IMT e do IS para jovens pode
ter efeito perverso. Na verdade, muitas das casas adquiridas por jovens são
adquiridas pelos pais, que têm possibilidades económicas. A isenção devia ser
para as verdadeiras carências, independentemente da idade.
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Luís Montenegro
garantiu que eliminará a suspensão de licenças para alojamento local (AL), bem
como a proibição da transmissão ou/e a eliminação da contribuição adicional dos
proprietários. Ora, em contraponto, é de salientar que o AL, nem sempre em
condições condignas, é um dos inimigos da acessibilidade à habitação, a par do
surto especulativo. Por outro lado, os proprietários adorarão a eliminação da contribuição
adicional.
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Outro anúncio do governo é a intenção de convocar os parceiros sociais para
discutir um novo acordo de Concertação Social (CS) que “consagre o reforço dos
rendimentos e da produtividade dos trabalhadores”. Se aí estiver inserida a
discussão sobre o aumento efetivo do salário médio, a medida é de saudar, mas sendo
de exigir que o Estado a siga no aumento do salário médio dos seus
trabalhadores. Aliás, os acordos de CS devem ser objeto de revisões periódicas.
Porém, não sei se o governo não tentará beliscar a Agenda do Trabalho Digno,
convertida em lei, ora em vigor, dada a pressão das entidades patronais.
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O PM
garantia que, nos dez dias seguintes, as respetivas tutelas iniciariam conversações
com os sindicatos dos professores e com as associações sindicais das forças de
segurança. A primeira reunião com os representantes das forças de segurança
ocorreu já na tarde do dia 12 e o Ministério da Administração Interna revelou,
entretanto, que fora marcado novo encontro para 22 de abril.
É de anotar
que a escola pública precisa não só de colmatar a episódica falta de
professores, mas de atrair muitos mais profissionais à docência e de valorizar
a carreira docente. Para tanto, há que incrementar a formação inicial,
diversificar as modalidades de formação (por exemplo, facultando formação
pedagógica a outros titulares de mestrados técnicos e/ou científicos), garantir
a formação contínua, sem a atrelar à avaliação do desempenho docente (ADD),
aumentar os salários, desburocratizar e autonomizar o trabalho docente e,
sobretudo, repor o respeito pela autoridade dos professores. O ministro da Educação,
Ciência e Inovação (MECI) prometeu um plano de emergência para resolver a falta
de professores, mas não deixou pistas.
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O chefe do
governo prometeu aprovar, para breve, a criação da “conta-corrente entre a
administração tributária e as empresas”, que alargará, depois, a toda a administração
central, a par de um programa que levará o Estado a pagar a 30 dias aos seus
fornecedores. É boa intenção, mas difícil de levar a bom termo. Como vai o
executivo arranjar dinheiro, se o não tiver, já que não pode emitir moeda e a
cobrança de impostos tem os seus calendários?
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Luís Montenegro
avançará com medidas para acelerar a execução dos fundos europeus e disse que
Portugal pedirá a Bruxelas, nos próximos 90 dias, o quinto cheque do Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR). Quer reforçar combate à fraude e à corrupção na
aplicação dos fundos europeus e já assinou despacho para abrir concurso, a fim
de reforçar em 60% o número de inspetores especializados. E garantiu que irá
“criar condições” para que Portugal possa solicitar os 800 milhões de euros do PRR
que foram retidos em Bruxelas, por incumprimento de metas.
O PM sabe
que, para obter os ditos cheques, é necessário garantir a execução física e
financeira dos projetos aprovados, o que implica a conclusão de obra, a
expurgação de fraude e de corrupção, a diminuição da burocracia desnecessária e
o fluir da legislação necessária. Esta é a pedra de toque em todos os governos:
a complexidade dos projetos, a falta de fiscalização e o peso da burocracia. E
onde estava o principal partido da AD nas legislaturas anteriores?
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O PM
prometeu reuniões com os diversos grupos parlamentares, para calendarizar
encontros que “lançarão o diálogo em matéria de combate à corrupção”. É caso
para perguntar se o diálogo não se faz aquando do debate na AR, como acentuou o
ministro da Presidência, em relação ao diálogo sobre o Programa do Governo, ou
se é suposto haver diálogo prévio ao debate parlamentar, o que negou o ministro
de Estado e dos Negócios Estrangeiros (MEFE).
É óbvio que
o diálogo prévio sobre matérias complexas e sobre as que exigem aprovação por
maioria qualificada é uma necessidade. Com efeito, nem os deputados têm inteira
liberdade de intervenção no Plenário, muitos não têm capacidade técnica para o
debate, as propostas e os projetos de lei são objeto de guião de votação e os
grupos parlamentares dão indicação de voto. Contudo, é de perguntar para quê a
ronda de diálogo sobre corrupção, se não for para alterar o Código do Processo
Penal (CPP) e para penalizar criminal e civilmente empresas que escondam
capitais em paraísos fiscais, bem como para penalizar empresas portuguesas que
passem a ter sede em países estrangeiros.
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E, devido às
“falhas graves” identificadas na distribuição de computadores, Montenegro
anunciou que as provas de aferição de 9.º se realizarão em papel, “de forma
excecional”, neste ano. O objetivo é garantir a “igualdade de
oportunidades” entre alunos, pois segundo o PM, “13639 alunos não receberam o kit digital” prometido. É a velha
questão: além de distribuir material, é necessário dotar as escolas de material
suplente, velar pela manutenção e pela reparação, garantir que os alunos
levantem o material e que haja técnicos que apoiem o funcionamento, a
manutenção e a reparação. Porém, essa é a reforma total que ninguém faz.
Por outro
lado, é questionável se as provas devem ser feitas em suporte digital.
Primeiro, o abuso de material digital no ensino, remetendo para o lixo o
material em papel, revela-se nefasto. Segundo, é prematuro prestar provas em
suporte digital no ensino básico (do 1.º ano ao 9.º). E, por último, mesmo no
11.º ano e no 12.º, o ambiente de exame recomendaria as provas em suporte de
papel. As provas em suporte digital justificam-se, quando trabalhamos em casa,
no escritório, na oficina. Em tempo de reflexão, talvez seja melhor a caneta e
o papel.
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Não se pode sustentar
que o governo já perdeu a credibilidade ou minou a sua relação de confiança com
os Portugueses, como asseverou Alexandra Leitão. Porém, na campanha eleitoral,
a AD anunciava “enorme” alívio fiscal “sem truques”. E, na apresentação do
cenário macroeconómico da AD, o atual ministro da Presidência disse, “para que
não restassem dúvidas sobre as suas prioridades, que ‘a redução de IRS é mais
do dobro da redução da carga fiscal em IRC’ [imposto sobre o rendimento das
pessoas singulares]”. Ora, o cenário macroeconómico da AD era “irrealista,
irresponsável e fantasioso”, sendo “o aproveitamento propositado de uma
ambiguidade voluntária é, de facto, um embuste”, como refere o PS, para que este
é um “governo que, ora utiliza da arrogância, quando diz que os outros estão
todos errados”, ora “se faz de vítima para mascarar a sua própria incompetência
para governar”.
Além disso,
é de questionar se a prioridade do governo é o desagravamento fiscal para as
grandes empresas e não para os trabalhadores, ao invés do que afirmou na
campanha eleitoral.
O programa é
ambíguo e o timing das prioridades – “para
breve”, “60 dias”, “próximas semanas”, 90 dias” – dá a sensação de que o
governo pode não dispor de tempo para as reformas, isto é, para reverter as
medidas de que não gosta, pois a dissolução da AR pode estar à espreita. Uma reforma
da Saúde não se giza em 90 dias, como prometido, a não ser que se restrinja a
engrossar o setor privado, no pressuposto de errado que tem condições de
resposta a todas as franjas da população.
E uma AD que
tanto criticou o PS pelos casos e casinhos bem podia ter cuidados mais de um
escol de governantes e demais figuras de topo com inteira libertação de constas
com a Justiça, com despego de empresas suas e/ou de familiares próximos, do
setor desportivo e das diversas promiscuidades criticáveis, bem como hábeis e disponíveis
para comunicar. Afinal, fica a perceção de que são todos muito parecidos. Têm é
de aguardar a sua vez.
2024.04.17 – Louro de Carvalho
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