Face ao crescente domínio dos Estados Unidos da América (EUA) e da República
Popular da China (RPC ou, simplesmente, China) no mercado mundial, os líderes
da União Europeia (UE), na cimeira de 17 e 18 de abril, em Bruxelas (com os
temas competitividade e política externa), acordaram sobre a necessidade de
novo “pacto de competitividade”, com base num relatório com propostas para
defender o mercado único. O consenso
político, obtido no segundo dia, seguiu-se a longa maratona negocial, devido às
profundas divergências em relação a algumas propostas no relatório de Enrico
Letta, tais como a harmonização das regras de tributação das empresas e um
plano para integrar os mercados de capitais dos Estados-membros da UE.
O documento
de 147 páginas elaborado pelo ex-primeiro-ministro de Itália e atual
presidente do Instituto Jacques Delores – importante centro de estudos de
política comunitária –, a pedido do Conselho Europeu e da Comissão Europeia, há
um ano, surge quando a UE enfrenta um contexto geopolítico cada vez mais
volátil, a que se juntam as rápidas alterações demográficas e a forte concorrência
da parte de países como os EUA e a China, a atrair investimentos com pacotes de
subsídios de alta envergadura. “Precisamos
de mobilizar mais dinheiro, mais ferramentas, para investir em setores
estratégicos”, frisou Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, vincando: “Nesta
reunião, todos nós compreendemos que não só é importante aumentar a escala,
crescer, mas também cuidar das nossas pequenas e médias empresas (PME) e
garantir que temos a combinação certa, o equilíbrio certo.”
O novo pacto visa manter a vantagem
competitiva na cena mundial e evitar que a Europa se torne um deserto industrial,
à custa dos EUA, da China, da Índia e de outras potências emergentes. Para já,
trata-se de uma declaração de intenções que se traduzirá em resultados
concretos, após as próximas eleições para o Parlamento Europeu (PE), em junho.
“A competitividade e o mercado único
da nossa União partem de uma base sólida. Agora, temos de a transformar num
crescimento sustentável a longo prazo”, declarou a presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, que discursou ao lado de Michel, acrescentando
que a UE precisa de garantir que os europeus não sejam meros “consumidores de
tecnologias e serviços digitais produzidos noutro lugar” e apelando a ações
concretas para impulsionar o acesso ao capital, reduzir os custos da energia,
resolver a escassez de competências e reforçar os laços comerciais.
No relatório, Enrico Letta – que percorreu,
nos últimos meses, 65 cidades europeias, para efetuar consultas – alerta para
uma estrutura obsoleta, criada nos anos 80, que trava a produtividade no século
XXI, e sustenta que o mercado único, que durante décadas permitiu a livre
circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, deve ser alargado à energia,
às telecomunicações e às finanças.
Estes setores estratégicos foram,
inicialmente, considerados demasiado estratégicos para se estenderem para lá
das fronteiras nacionais, mas, segundo Letta, representam agora “importante travão
ao crescimento e à inovação”, pelo que devem ser integrados em toda a UE, para
tornar o bloco europeu um destino mais atrativo para o investimento. E o autor
do relatório também apresenta sugestões radicais sobre a forma de dar
progressivamente à UE mais poder coletivo para subsidiar as empresas –
conhecido como auxílio estatal – prerrogativa atualmente reservada aos governos
nacionais. Esta abordagem pan-europeia é vista como resposta à Lei de Redução
da Inflação (IRA) do presidente dos EUA, Joe Biden, que prevê milhares de
milhões em créditos fiscais para promover a tecnologia mais ecológica fabricada
nos EUA, bem como aos subsídios da China para carros elétricos e painéis de
energia solar.
Por seu turno, a RPC utiliza um
esquema, de longa data, que favorece fortemente as empresas nacionais, através
de subsídios, de empréstimos baratos, de tratamento preferencial e de requisitos
regulamentares, em detrimento das empresas não chinesas. Estes subsídios
estrangeiros, para atrair investimento – juntamente com a escassez de
matérias-primas essenciais, com a persistência de preços elevados da energia e com
a falta de trabalhadores altamente qualificados – são tidos como um grande
revés nos esforços da UE para continuar a ser uma potência industrial.
Também está a ser considerado um
plano ambicioso para concluir a União dos Mercados de Capitais (UMC) dos
27 Estados-membros, lançada em 2014. O objetivo é reforçar os pequenos
mercados de obrigações existentes na UE e proporcionar mais oportunidades para
desbloquear o capital de risco para as empresas europeias em fase de arranque e
as PME, que cada vez mais se dirigem aos EUA, para garantir o financiamento de
que necessitam para crescer.
“A UE dispõe de 33 biliões de euros
de poupanças privadas. Temos de encontrar formas de a canalizar para as nossas
empresas. […] As empresas em fase de arranque da UE recebem menos de metade do
financiamento das empresas em fase de arranque dos EUA. Esta situação tem de
mudar. A resposta é: União dos Mercados de Capitais, escreve Charles Michel na plataforma
X.”
Von der Leyen
afirmou que poderiam ser libertados 470 mil milhões de euros de capital
europeu.
Porém, os países mais pequenos
receiam que a UMC concentre os poderes de regulação nos países maiores, como a
França, que defende a criação da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e
dos Mercados (ESMA), com sede em Paris.
A maioria dos Estados-membros
expressou reservas sobre o plano, há muito parado, durante as discussões do dia
18, apesar do consenso em torno da necessidade de aumentar a competitividade.
A ideia,
defendida por países como a Estónia e a França, de emissão de mais dívida
conjunta, para financiar o aumento da indústria de defesa – prioridade desde a
invasão russa da Ucrânia –, foi outro dos temas que causou divisão. Com
efeito, a única vez que o bloco emitiu dívida conjunta em grande escala foi no
auge da pandemia da Covid-19, quando os líderes concordaram em criar um fundo
de recuperação de 750 mil milhões de euros (a Próxima Geração UE), que é
transferido para os países via Planos de Recuperação e Resiliência (PRR).
Todavia, países de espírito frugal, como a Alemanha, os Países Baixos e a
Dinamarca opõem-se a novos empréstimos, salientando que quase 100 mil milhões
de euros do fundo de recuperação não foram utilizados.
As regras da
UE restringem a ajuda dos governos às empresas, para evitar distorcer a
concorrência empresarial em toda a zona de comércio livre do bloco. Uma
solução de Letta é exigir que os países utilizem uma parte dessa ajuda para
projetos à escala da UE, em vez de projetos puramente nacionais, dando como
exemplo a conetividade entre todos eles por ferrovia. Por outro lado, há que
proceder a uma melhor integração dos mercados financeiros do bloco para que as
empresas possam angariar dinheiro para novos projetos de energias renováveis
junto de investidores em ações, em obrigações e em capital de risco, em vez de
dependerem de empréstimos bancários.
***
A par da competitividade e questões afins, os líderes
da UE afirmaram, no dia 17, estarem
prontos para prestar ajuda militar à Ucrânia, num contexto de aumento em
grande escala de ataques russos. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky,
participou na cimeira da UE, a partir de Kiev, onde salientou a ameaça que os
mísseis de cruzeiro russos representam para o seu país. E Charles Michel garantiu
que o pedido do líder ucraniano foi bem compreendido pelos Estados-membros.
“Não
se trata de uma questão de meses, mas de dias e de semanas. É muito importante
que cumpramos as nossas promessas. E posso garantir que todos os intervenientes
estão a fazer tudo o que está ao seu alcance para acelerar e, se possível, para
utilizar as reservas disponíveis, especialmente no domínio dos sistemas de
defesa aérea”, explicitou Charles Michel.
Também os ministros dos sete países
mais industrializados do Mundo (G7) debateram a guerra na Ucrânia, que fez dois anos em fevereiro, pedindo o chede
da diplomacia da UE, Josep Borrell, aos líderes ocidentais que acelerem a ajuda
militar a Kiev, apelo repetido pelo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. E os EUA e vários países europeus
discutem propostas para utilizar os lucros gerados por milhares de milhões de
euros de ativos russos congelados,
para ajudar a fornecer armas e outros fundos à Ucrânia. Essas propostas
ganharam força, à medida que os esforços americanos para garantir o
financiamento militar estagnaram no Congresso.
Os Estados-membros da UE concordaram,
ainda, com a necessidade de moderar e reduzir as tensões no Médio Oriente,
e apelaram, uma vez mais, a Israel para o imediato
cessar-fogo em Gaza, bem como para a libertação de todos os reféns
detidos pelo Hamas.
Charles
Michel sublinhou a unanimidade do pedido dirigido a Israel: “Apelamos a todas
as partes para que exerçam a máxima contenção. Este é um sinal muito claro e é,
efetivamente, a nossa posição comum. É um sinal muito claro que queremos enviar.”
Bruxelas
tem estado atenta às situações geopolíticas na Ucrânia e no Médio Oriente,
tendo em conta o risco para as economias europeias. E ficou agendado, para o
dia 18, o debate, no PE, da revitalização do mercado único e da proteção das
economias, num futuro de crescentes tensões.
***
Na ilha
italiana de Capri, onde o G7 se reuniu
para debater as situações no Médio Oriente e na Ucrânia, Josep Borrell, advertiu que
o Médio Oriente está à beira
de uma guerra regional. “Temos de pedir a Israel que dê uma resposta moderada
ao ataque iraniano. Não podemos fazer uma escalada. Não se pode responder cada
vez mais alto a uma guerra regional. Não quero exagerar, mas estamos à beira de
uma guerra regional no Médio Oriente”, disse Borrell. Efetivamente, a violência
tem escalado e está a alastrar para lá da Faixa
de Gaza, com o ataque iraniano a Israel, em resposta ao ataque israelita
ao consulado do Irão em Damasco, na Síria, que matou várias patentes militares.
E Israel tem levado também a cabo ataques mortíferos no Líbano, contra
o Hezbollah, aliado do Irão e do Hamas.
Enquanto o
gabinete de guerra do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, pondera resposta
direta, a UE tenta controlar a potencial retaliação israelita e evitar escalada
ainda maior.
***
Sven Biscop, do Instituto Egmont,
sugeriu que os países da UE deveriam utilizar os instrumentos diplomáticos e
económicos à sua disposição para pressionar Israel a não tentar retaliar. “A UE
tem, potencialmente, grande influência sobre Israel, uma grande influência
económica”, disse Biscop, “mas é claro que, enquanto alguns Estados-membros
continuarem a apoiar Israel mais ou menos incondicionalmente, a UE é impotente
para usar esse instrumento de pressão económica”.
Os pedidos para que a UE suspenda
os laços comerciais com Israel, para o pressionar a conter a guerra em
Gaza, não conseguiram, até agora, reunir o apoio unânime dos Estados-membros.
O Irão já é alvo de várias sanções em
resposta à proliferação de armas de destruição maciça e às persistentes
violações dos direitos humanos, incluindo a morte de Mahsa Amini pelas mãos da
polícia moral do regime, em 2022.
Questionado sobre
se o bloco europeu poderia decidir aplicar novas sanções em resposta ao ataque
contra Israel, o porta-voz da política externa da UE disse: “Quaisquer outras
sanções [...] são processo que está nas mãos dos Estados-membros”. “Não
anunciamos previamente, não antecipamos esse processo porque é confidencial”,
acrescentou, rejeitando as alegações de “dois pesos e duas medidas” na posição
da UE sobre o conflito, salientando que esta condenou o ataque de Israel ao
consulado iraniano em Damasco, no início de abril.
O Irão convocou os embaixadores
britânico, francês e alemão, pelo que diz ser a “duplicidade de critérios”
destes governos na condenação do ataque, que rejeitaram uma resolução do
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) apresentada pela
Rússia, condenando o ataque de Israel às instalações diplomáticas do Irão, em
Damasco. E a Chéquia e a Alemanha convocaram os seus embaixadores iranianos na
sequência do ataque de Teerão.
***
O primeiro-ministro
português disse que o seu governo foi dos primeiros a condenar o ataque
iraniano a Israel e que Portugal contribuirá para uma solução de paz na
Faixa de Gaza. Além de continuar a apelar a um cessar-fogo imediato, Portugal “dá
um sinal muito forte no sentido de, no seio da Nações Unidas, ser favorável a
dar o estatuto de membro pleno à Palestina. Creio que é um passo importante
para poder concretizar a solução dos dois Estados, que preconizamos”, disse
Luís Montenegro à imprensa portuguesa. A Palestina, que tem estatuto de membro
observador na ONU, não é reconhecida como Estado pela maioria dos países da UE, incluindo
Portugal. Porém, ao invés da Espanha, o nosso país não fez promessas sobre tal
reconhecimento a curto prazo.
O presidente
do Conselho Europeu acompanhou o chefe de governo português nas declarações à
imprensa, no Edifício Europa, após o ter recebido para uma reunião bilateral,
que antecedeu a primeira participação de Luís Montenegro numa reunião do
Conselho Europeu, realçando que espera total cooperação. “Portugal é um país muito
importante da UE. Conto consigo para desempenhar um papel importante e
construtivo nos desafios muito complexos que enfrentamos”, disse Charles Michel,
acrescentando: “Um deles é a competitividade, [que] é muito importante para
apoiar a nossa prosperidade. Amanhã, vamos debater diversas opiniões sobre esse
tema e depois tomar decisões para preparar a UE para os desafios que tem pela
frente.”
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A par das preocupações
geopolíticas, a UE trata bem os governos de Portugal, como é seu dever.
2024.04.18 – Louro de Carvalho
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