A 11 de abril, poucos dias depois do novo governo assumir
funções – primeiro-ministro e ministros, a 2 de abril, e secretários de Estado,
a 5 de abril –, o caso que envolve António Costa, ex-primeiro ministro (ex-PM),
desceu do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), mas será processo autónomo em relação às
restantes investigações. A procuradora-geral da República, Lucília Gago,
confirmou essa informação aos jornalistas, quando a interpelaram sobre a notícia
avançada pela CNN Portugal.
A notícia foi, efetivamente, avançada pela CNN Portugal e confirmada
ao Expresso pelo advogado de António
Costa, João Lima Cluny: “Recebemos
uma informação, que é diferente de uma notificação. Vou pedir mais informação
para decidir o que fazer.”
O gabinete de imprensa da PGR também confirmou que “os autos que corriam termos
no STJ desceram ao DCIAP”.
A própria procuradora-geral
da República acabou por confirmar a informação aos jornalistas, à margem da tomada
de posse da nova direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
(SMMP). Já em meados de março, havia
deixado em aberto essa possibilidade. Desta feita, inquirida sobre se a mudança
do processo iria fazer atrasar a investigação, só adiantou que “essa matéria
será analisada pelos magistrados do processo” e que não poderia dar mais
informações concretas. “É o DCIAP, no entendimento dos magistrados titulares, o [foro]
competente para assumir essa investigação.”
Sobre as declarações do Presidente da República (PR) de que desejava que a
acusação fosse conhecida ainda antes das férias judiciais, Lucília Gago
respondeu: “As informações judiciais tomam o tempo
que é necessário para elas avançarem, naturalmente, com a eficácia desejável,
mas tomando o tempo que é necessário para ultimar essas mesmas investigações.”
José Duarte Silva, procurador
coordenador do Ministério Público (MP) junto do STJ, entende que, pelo facto de António Costa
haver perdido o estatuto especial de primeiro-ministro, o seu caso desce para a
primeira instância, que investiga os outros arguidos da Operação
Influencer, ficando, naturalmente, em pé de igualdade com os outros cidadãos.
O ex-PM é alvo, também, de outro processo
que também estava a ser investigado no STJ, relacionado com uma queixa que
Frederico Pinheiro, apresentou por difamação, e que, provavelmente, baixará
para o Departamento
de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.
António Costa, que recentemente pediu
para ser ouvido rapidamente pela Justiça, tem sido um nome referido para uma
candidatura à liderança do Conselho Europeu.
Segundo uma fonte judicial, num curto documento dirigido ao coordenador do
MP no STJ, a defesa do antigo governante pediu que a audição seja feita o mais
depressa possível, porque António Costa pretende acabar com a situação em que
vive: é suspeito, sem poder esclarecer nada.
A defesa do ex-chefe do governo alegou que este já, por várias vezes, se
disponibilizou para ser ouvido, mas como nunca foi chamado nem notificado de
nada, pelo que decidiu, agora, apresentar um requerimento formal. A defesa
pretende, ainda, fazer mais requerimentos e, se necessário, juntar provas ou
documentos.
Em resultado da decisão do MP no STJ, António
Costa passa a ser investigado pela equipa de três procuradores da Operação
Influencer e segundo os quais há indícios de crime na conduta do
ex-ministro João Galamba, do advogado Diogo Lacerda Machado, ex-conselheiro e
amigo do ex-PM, e de Nuno Lacasta, que dirigia a Agência Portuguesa do Ambiente
(APA), entre outros. João Galamba, que é arguido, esteve quatro anos sob
escuta, mas não foi ainda ouvido, apesar de já ter pedido ao MP para o fazer.
Neste momento, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) tem em mãos um recurso
do MP contra as medidas de coação decretadas por Nuno Dias costa, o juiz de
instrução (JIC) do processo que, não só não atendeu ao pedido dos procuradores
para colocar parte dos arguidos em prisão preventiva, como considerou “vagas” e
“contraditórias” as suspeitas contra António Costa.
***
Na semana em que o governo da Aliança Democrática (AD) tomou
posse, o MP confirmou ter recebido o dito requerimento da defesa do ex-PM. Isto
depois de este haver afirmado que pretendia ser ouvido, “com a maior celeridade
possível”, pela Justiça portuguesa no âmbito da Operação Influencer.
Na verdade, como anunciou publicamente, na Antena 1, António Costa, no dia em que foi exonerado das suas funções
de líder do governo, com a nomeação e tomada de posse de Luís Montenegro e dos ministros
(a 2 de abril), pediu aos seus advogados que apresentassem requerimento
junto do STJ para ser ouvido pelo MP, no âmbito da investigação de que é alvo
e que o levou a apresentar o pedido de demissão ao PR.
O ex-PM demitiu-se a 7 de novembro, depois de o seu nome ter
sido citado num comunicado da Procuradoria-Geral da República sobre uma
investigação judicial ao centro de dados de Sines e a negócios ligados ao lítio
e hidrogénio, no âmbito da Operação Influencer.
A investigação incide sobre a exploração
de lítio em Montalegre e em Boticas, ambas do distrito de Vila Real, com a
produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, no distrito de Setúbal, e
com o projeto de construção de um centro de dados (Data Center) na zona
industrial e logística de Sines, pela sociedade Start Campus.
A operação levou à detenção do chefe de
gabinete de António Costa, Vítor Escária, do advogado Diogo Lacerda Machado,
dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves,
e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que o juiz colocou em
liberdade após o primeiro interrogatório judicial. Além destes, há outros
quatro arguidos no processo, incluindo o ex-ministro das Infraestruturas João
Galamba, o presidente da APA, Nuno Lacasta, o advogado, antigo secretário de
Estado da Justiça e ex-porta-voz do Partido Socialista (PS), João Tiago
Silveira, e a empresa Start Campus.
António Costa surgiu, publicamente, associado a
este caso e foi alvo da abertura de um inquérito no MP junto do STJ, situação
que o levou a pedir a demissão.
***
Esta situação convoca vários princípios e
suscita algumas dúvidas.
É verdade que “todos os cidadãos são iguais perante
a lei” e que “ninguém está acima da lei”. Também é verdade que “todo o cidadão
tem direito à sua defesa”, que “é presumido como inocente até sentença
condenatória transitada em julgado” e que “tem direito a ser informado atempadamente
sobre os processos instaurados contra si e que não estejam em segredo de justiça”.
Por outro lado, sabemos que “a Justiça tem o
seu tempo”, não deve ser pressionada, perturbada e, muitos menos, coagida.
Já tenho dúvidas se é total e sempre válido o
aforismo adotado por António Costa: “à Justiça o que é da Justiça e à Política
o que é da Política”. Com efeito, parece-me que as questões políticas, mesmo
que envolvam matéria para a Justiça, devem ser tratadas politicamente. Caso
contrário, deveríamos considerar ilegítimas ou, pelo menos, abusivas, as comissões
parlamentares de inquérito (CPI) e impedir que os operadores da Justiça tomassem
medidas que ponham em causa o exercício da função legislativa e da função executiva
do Estado.
É verdade que António Costa, formalmente, não
foi expulso da governação. Porém, nem a procuradora-geral da República nem o PR
se podem confessar alheios à demissão do ex-PM. A primeira sabia, de certeza (não
é ingénua), que a publicação do chamado parágrafo letal do seu comunicado de 7
de novembro de 2023 teria consequências no funcionamento dos poderes políticos stricto sensu; e o PR, como teve
capacidade para anunciar, a prazo, a dissolução da Assembleia da República (AR)
e a aceitação do pedido de demissão do primeiro-ministro, poderia ter optado
pela manutenção do PM à frente do governo ou evitado a dissolução da AR, com a nomeação
de um governo da área política da maioria parlamentar de então. Porém, a opção –
desejada ou aproveitada – foi outra. E o certo é que, estando sob suspeição, por
si e pelo seu partido, deixou e ter condições políticas para continuar à frente
de um governo que funcionasse em pleno. Preferiu a demissão a ser queimado em
lume brando.
Há também uma asserção, que resulta do senso comum,
de que o que é diferente deve ser tratado de forma adequada, quiçá diferente dos
outros casos.
Assim, nada impedia que o PM estivesse a ser
objeto de inquérito no STJ (foro competente para o PR, para o presidente da AR e
para o PM – já aqui há tratamento diferente) e a notícia não fosse dada a
público, para não perturbar a ação governativa. A transparência também tem o
seu tempo e, aplicada fora de tempo, é demolidora. A Justiça não pode perturbar
e, muito menos, impedir a ação governativa e a ação política.
Do meu ponto de vista, o ex-PM tinha o direito
de ser informado, pessoalmente, do que versa a investigação ao seu caso, logo
que o caso veio a lume público, e devia ter sido ouvido. Argumentar que poderia
perturbar o inquérito não vale, pois também o poderia fazer a partir do momento
em que houve conhecimento público de que estava a ser investigado. Além disso,
tratava-se de figura pública, ao tempo, crucial na governação.
Saído do exercício de funções governativas, o
ex-PM já não está peado pelo princípio que adotou de não se imiscuir nas
questões da Justiça. Agora, como cidadão, pode exigir ser informado e acionar
todos os mecanismos de defesa ao seu dispor, repondo o seu bom nome, se for o
caso.
Os juristas exprimem opiniões diferentes sobre
a bondade da descida dos processos que envolvem o ex-PM do STJ para o DCIAP e
para o DIAP de Lisboa. Uns sustentam que, como os processos se iniciaram no STJ,
ali deveriam continuar; outros, aduzindo que o ex-PM voltou à situação de cidadão,
ora sem direitos especiais, sustentam que o foro competente é o comum. E o MP
alinhou pela segunda linha de argumentação. Penso que a mais lógica seria a primeira,
para continuidade do processo. Não obstante, a defesa de António Costa, apenas
suspeito (não arguido), move-se bem em qualquer dos fóruns.
Uma coisa é certa: já lá vão quase seis meses e
ainda não há conclusões na investigação. E não creio que as haja tão depressa.
Não me move qualquer simpatia ou antipatia por que o ex-PM tenha um cargo na
Europa, que passe a um desempenho profissional ou que seja comentador, mas é tão
estranho um governante estar sob suspeição, durante tanto tempo, sem se definir
o seu estatuto perante a Justiça, como é estranho João Galamba ter estado,
durante quatro anos, sob escuta, haver sido constituído arguido e não ter sido
ouvido, depois de se ter disponibilizado para isso. Este limbo judiciário é perverso.
E continuamos assim. Por exemplo, só depois da
tomada de posse do novo governo, a Polícia Judiciária (PJ) realizou
buscas, a 9 de abril, na Câmara Municipal de Cascais, de que era vice-presidente
o ministro das Infraestruturas e Habitação, e em
outros edifícios ligados à autarquia, vindo o MP declarar
que as suspeitas que levaram a buscas na autarquia “podem configurar crimes de
corrupção passiva e ativa, prevaricação e abuso de poder”, não havendo ainda arguidos.
São demasiadas coincidências. Alguns exigem
explicações. Porém, as explicações não justificam demoras e abusos, face à lei
e aos direitos do cidadão. Aliás, que explicação terá a procuradora-geral da
República? Não pensou? Foi pressionada? A matéria é muito grave? São dúvidas
sobre figuras públicas que não deviam ficar a pairar. O povo, em cujo nome é administrada
a Justiça tem o direito de escrutinar os seus operadores.
2024.04.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário