Incomoda-nos uma Páscoa de tempo fora do tempo.
Na verdade, depois de vários surtos de tempo excecionalmente quente, em janeiro,
em fevereiro e, mesmo, em alguns dias da segunda quinzena de março, a Semana
Santa e a Páscoa surgiram com chuvas fortes, desajeitadas ventanias, trovoadas,
mares bravos, enfim tempestade e depressão. Isto, mais do que primavera, é
invernia da graúda.
Assim, a maior parte os espetáculos de pendor
cristão, que usualmente se desenrolam a céu aberto (desfiles, procissões,
cortejos, vias-sacras, etc.), ou foram suprimidos ou encastelaram-se no
interior dos templos. Porém, até aí os participantes foram em menor número, por
causa do frio e das chuvas. O que não faltou foram as amêndoas, os folares, as prendas,
as viagens, as refeições melhoradas, as miniférias.
Também na Páscoa, era expectável que as guerras
conhecessem tréguas, houvesse esforços de paz, a criminalidade diminuísse, o terrorismo
se ofuscasse, a paz social reinasse nos países. Contudo, as notícias dão conta
do impasse nas guerras, acolitado, aqui e ali, por danos diretos infligidos por
drones, por mísseis e por outros bombardeamentos. As baixas militares continuam
a pontuar, as mortes de civis são constantes, mais fatias de património são destruídas;
navios são atacados nos mares, nos golfos; praticam-se crimes de guerra e genocídios
até à eliminação do último inimigo, em nome da animalização dos seus componentes
humanos; a ajuda humanitária (em termos de alimentação, assistência médica, vestuário,
etc.) é negada, impedida ou diminuída; e movimentos orgânicos ou inorgânicos
reivindicam por motivos sérios ou em medidas desproporcionadas. Por isso, a Páscoa,
com tempo fora de tempo, espelha o mundo que temos.
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A nível internacional, as notícias de conflito
são mais do que abundantes em elementos trágicos. Atente-se na guerra na
Ucrânia, sem fim à vista, por causa de uma paz que ninguém quer, e fruto de uma
ambição inconfessada do Ocidente, que tentou alargar a sua área de influência
para lá dos tratados, assim como da Federação Russa, que tenta “recuperar”
territórios que alega serem seus.
Considere-se o conflito entre Israel e o Hamas,
que pode passar de localizado a regional e com repercussões mundiais. Ironicamente,
o cenário dessa caça bélica ao homem ocorre no território onde nasceu, por onde
passou e onde morreu o homem que está na génese e no sentido da Páscoa dos cristãos
e que pregou a fraternidade universal.
A compor a tragicidade deste ambiente, é de
registar, além de vários atentados e tiroteios, um pouco por toda a parte, a
recente perda de, pelo menos, 134 pessoas numa sala de espetáculos russa, em
atentado cuja autoria é reivindicada por organizações do Estado Islâmico.
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A nível nacional, fico-me por dois registos atinentes
à criminalidade.
O número de crimes registados pelas autoridades policiais, em 2023, foi
de 371995, mais 28150 do que em 2022, quando se verificaram 343845 crimes.
Assim, o seu aumento foi de 8%,
tendo atingiram os valores mais elevados
em 10 anos.
O destaque estatístico anual, publicado na página da Internet da Direção-Geral de Política de Justiça (DGPJ), mostra, igualmente, que desde 2013, quando ocorreram
376403, que não se registavam em Portugal tantos crimes como em 2023.
Os dados
indicam também que, só em 2020, ano marcado por confinamentos, devido à
pandemia de covid-19, é que a criminalidade ficou abaixo dos 300 mil crimes,
com 298787.
Os crimes contra o património representaram
cerca de 51,0% do total (189657 crimes), seguidos pelos crimes contra as
pessoas que corresponderam a cerca de 24,4% do total (90840 crimes) e dos
crimes contra a vida em sociedade, que representaram 11,9% do total (44439
crimes).
Segundo a
DGPJ, apenas os crimes contra animais de companhia não subiram, em 2023, face a
2022, passando de 2022 para 1729.
Os tipos de
crimes que mais subiram, em 2023, foram os cometidos contra o Estado (mais
16,9%), que passaram de 6559, em 2022, para 7713, em 2023, seguido dos crimes
contra a identidade cultural/integridade pessoal (mais 9,6%), que totalizaram
367, enquanto, em 2022, foram 289.
As estatísticas da justiça revelam também que os crimes contra as pessoas
aumentaram 5,8% e os crimes contra o património subiram 7,6%. Já as polícias
registam mais 424 crimes contra vida em sociedade, num total de 44439, em 2023.
Os crimes
mais frequentes, em 2023, foram os de “violência doméstica contra cônjuges ou
análogos” (26041), seguido da condução sob efeito de álcool (24133), de ofensas
à integridade física (24111), de furto em veículo motorizado (20180), de burla
informática e nas comunicações (20259), de ameaça e de coação (16676) e de condução
sem habilitação legal (15579).
Outros dos
crimes mais registados foram o furto de oportunidade/de objetos não guardados
(11234), de abuso de cartão de garantia ou de cartão, de dispositivo ou de
dados de pagamento (10386), de furto em edifício comercial ou industrial, sem
arrombamento, escalamento ou chaves falsas (8279), de furto em residência, de
escalamento ou de chaves falsas (8237) e de furto de veículo motorizado (8189).
A criminalidade
violenta aumentou 5,5%, em relação a 2022, tendo as polícias registado um total
de 1 022 crimes violentos, em 2023, como revelam as estatísticas da DGPJ.
As estatísticas mostram que os crimes violentos baixaram em 2020 (12469)
e 2021 (11014), anos marcados pelos confinamentos da pandemia de covid-19, para
registarem um aumento, em 2022 (13281), e nova subida, em 2023 (14022). Em
2019, os crimes violentos totalizaram 14389.
Segundo a
DGPJ, as comarcas onde se registaram mais crimes foram a de Lisboa (3835), a do
Porto (2010), a de Lisboa Oeste (1668), a do Algarve (901) e a de Lisboa Norte
(858).
Os crimes
registados pelas polícias aumentaram cerca de 8%, em 2023, face a 2022, e
atingiram os valores mais elevados em 10 anos, totalizando 371995, em 2023.
Entre os crimes que subiram, em 2023, e mencionados na página da DGPJ
constam o abuso sexual de menores, 976, em 2023, mais 12 do que em 2022, o branqueamento
de capitais, 104 (mais 55 do que em 2022), e 72 de corrupção (mais 16).
Em 2023, as
polícias detetaram 452 crimes conexos com o desporto, mais 98 do que em 2022,
tendo também registado 39712 crimes rodoviários em 2023 (mais 3376). E os crimes
que baixaram, em 2023, foram de incêndio florestal, 5325 (menos 1842) e de violência
doméstica, com ligeira diminuição, passando de 30488, em 2022, para 30461, em
2023 (menos 27).
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Outra situação que está na praça é a conexa com importadores de gasóleo vindo
de Espanha fogem ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA), ao imposto sobre os
produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e à incorporação de biodiesel fixada por lei. Garantem preços mais
baixos, mas lesam o Estado e o ambiente. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
e a Entidade Nacional para o Setor Energético, EPE (ENSE, EPE) dizem estar a
agir. Mas, por falhas na fiscalização e na lei, os prevaricadores continuam a
operar.
O Estado estará,
neste caso, a ser prejudicado em mais de 200 milhões de euros por fraudes
fiscais, ou seja, algo como 50 milhões de euros por ano, nos últimos quatro. Está
em causa a fuga a impostos como o IVA e o ISP, bem como às compensações que são
devidas sempre que uma operadora não incorpora a quantidade de biocombustível
prevista na lei, para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2).
Não estão a ser cumpridas, por todos os operadores, as metas para os
biocombustíveis e há falhas na fiscalização da incorporação e lacunas legais
que dão margem de manobra aos prevaricadores. A AT garantiu que tem o setor
sinalizado e que está a atuar a nível inspetivo e a nível penal.
A perda de
200 milhões em receita fiscal é uma estimativa, por baixo, da Associação
Portuguesa das Empresas Petrolíferas (APETRO), avançada pelo seu
secretário-geral, António Comprido, tendo em conta o crescente peso que os
pequenos operadores estão a ganhar no mercado. E, embora não se comparem, em
dimensão, com as gigantes petrolíferas, tais empresas movimentam valores de
largos milhões de euros, num mercado já bastante lucrativo, “sobretudo se as
regras fiscais e ambientais não forem cumpridas”, como enfatiza António
Comprido.
O esquema tem
várias componentes, sendo a mais visível “aproveitar ilicitamente o diferencial
de IVA e de ISP entre Portugal e Espanha, comprando o combustível no mercado
espanhol, como sendo para operar localmente, e vendê-lo, depois, em Portugal,
sem declarar e pagar o IVA remanescente. Por outro lado, face à dificuldade assumida
pela ENSE, EPE, em controlar o cumprimento das percentagens das “matérias
avançadas” no biodiesel, quando importado, este pode ser comercializado como
biodiesel, mesmo não o sendo. Como o biodiesel tem preço mais alto, a
falsificação resulta em ganhos importantes, se os volumes forem grandes. Graças
a este e a outros expedientes, estas empresas, apresentando preços mais baixos,
ganham bastante dinheiro.
Outro
expediente, já detetado em Espanha, que se admite que possa estar a ocorrer em
Portugal, é simular vendas de combustíveis a sociedades fictícias, sem
pagamento de IVA, vendendo, depois, às gasolineiras a baixo preço, conseguindo lucrar,
porque não pagam IVA, na compra, nem declaram o que vendem e não fazem a
liquidação. Entretanto, as sociedades de fachada desaparecem ou entram em
falência. Só em Espanha, no último mês, descobriu-se que mil, em 12 mil
operadores, vendiam gasóleo a preço abaixo de custo, o que alertou as
autoridades para investigar estas redes, que terão como origem operadores que
compram combustível por atacado nos mercados internacionais. E, segundo os dados
oficiais da AT, tais esquemas causaram um prejuízo da ordem dos 700 milhões de
euros ao Estado espanhol, em 2022, a que há a acrescentar mais de 90 milhões
pelas compensações não pagas, por falta de incorporação de biodiesel.
Em Portugal,
haverá, pelo menos, seis empresas com procedimentos suspeitos, algumas com
ações em tribunal, por dívidas ao Fisco. Para lá do prejuízo ao erário público,
há também “uma distorção das regras de concorrência”, como aponta o
secretário-geral da Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis
(APPB), Jaime Braga, considerando que é fundamental saber se há empresas a
fazer mistura de biocombustível, em Portugal, sem ser num entreposto fiscal,
não declarando o produto. E os produtores portugueses de biocombustíveis, não
importadores, são prejudicados, porque são altamente fiscalizados para fazerem
a mistura das “matérias avançadas” no biodiesel, enquanto não há essa garantia
no produto importado.
Esta
situação aliada ao método administrativo de obtenção de “títulos de
sustentabilidade”– que podem ser comprados em leilão oficial da Direção-Geral
de Energia (DGD), para as operadoras compensarem as falhas de incorporação real
de matérias mais ecológicas no biodiesel –, faz com que Portugal não esteja a
cumprir as metas europeias que estipulam a incorporação de 11,5%.
No entanto, a AT rejeita confirmar os nomes das empresas envolvidas em atuações suspeitas, invocando o sigilo fiscal a que está legalmente obrigada. E nada está em vias de mudar.
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Enfim, guerras,
terrorismo, catástrofes naturais, fenómenos de revolta da Natureza por causa da
ação humana, criminalidade esporádica, organizada, mediana ou violenta, fraude
fiscal, danos vários são fatores que permitem dizer que esta Páscoa com tempo fora
de tempo é espelho da aldeia global que os homens ocupam. Esperemos que isto
mude. Porém, façamos a nossa parte.
2024.03.31 – Louro de Carvalho
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