A 11 de março, a Comissão Técnica Independente (CTI), invocando “motivos de
transparência”, anunciou ter decidido antecipar a publicação do relatório
final sobre a avaliação da localização do novo aeroporto de Lisboa (NAL), cuja
divulgação estava prevista para o dia 22.
Fez tal antecipação, depois de o ter remetido à Comissão de Acompanhamento
(CA), que dará parecer, e de ter comunicado tal diligência ao primeiro-ministro,
também ministro das Infraestruturas. Por conseguinte, o público pode conhecer,
em tempo útil, o teor das diversas fases do trabalho da CTI, bem como o do parecer
da CA. Acresce relevar que integra o relatório final o documento que sintetiza
os contributos recolhidos a partir da consulta pública.
Na verdade, a
CTI, mandatada para, até dezembro de 2023, realizar uma análise estratégica e
multidisciplinar do aumento da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa,
bem como a avaliação de opções estratégicas (OE) através de uma avaliação ambiental estratégica
(AAE), concretizou a sua missão dentro do prazo, apresentando os resultados
preliminares publicamente a 5 de dezembro de 2023. E, após um período formal de
consulta pública, que encerrou a 26 de janeiro de 2024, apresentou o seu
relatório final à CA, a 11 de março de 2024.
O relatório final, que está disponível na página aeroparticipa.pt, será formalmente entregue ao
Governo em 22 de março, juntamente com o parecer da CA, presidida por Carlos
Mineiro Aires.
“A decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa é urgente, bem como a sua
implementação”, conclui a CTI, cuja coordenadora-geral, Maria do Rosário
Partidário, se diz “inteiramente disponível para colaborar com o governo e com os
[demais] poderes públicos no sentido de prestar todo os esclarecimentos que
sejam tidos por convenientes e/ou necessários”.
O relatório final mantém o Campo de Tiro de Alcochete como a localização
favorita, admite Santarém como opção para uma solução dual com o Aeroporto Humberto
Delgado (AHD), mas não como solução única, e recomenda Montijo.
A principal recomendação da CTI é no sentido de a expansão da capacidade
aeroportuária da Região de Lisboa se concretizar através de “um aeroporto único,
que integre numa mesma infraestrutura as funções de hub intercontinental conjugadas com a conexão ponto a ponto”.
Contudo, recomenda que, pela “impossibilidade da sua substituição no curto
prazo, por razões de natureza financeira e importância económica”, numa
primeira fase, o ADH se mantenha numa solução dual, iniciando-se, paralelamente,
a construção de uma primeira pista no local do aeroporto único o mais rápido
possível para descongestionar a infraestrutura. Considera ainda que a “construção
de uma segunda pista criará condições para o encerramento do aeroporto da
Portela, e a evolução para o aeroporto único”.
No entanto, a nível de vantagens, com Alcochete emparceira Vendas Novas,
mantendo-se as duas opções de localização como as mais qualificadas no
relatório final, com a primeira a revelar-se mais bem posicionada, por
beneficiar do facto de estar mais próxima de Lisboa e de não precisar de tantos
estudos e expropriações como a segunda opção. Ao mesmo tempo, Vendas Novas
“tem mais vantagens do ponto de vista ambiental (com menor afetação de
corredores de movimentos de aves e recursos hídricos subterrâneos) [do que
Alcochete], apesar de afetar áreas de montado e recursos hídricos superficiais
de forma muito equivalente”. Por outro lado, Vendas Novas “pode contribuir para
um aumento da coesão territorial a nível nacional, sobretudo na Região Alentejo”,
adianta a CTI.
Alcochete e Vendas Novas podem funcionar, inicialmente, como complementares
ao AHD.
As soluções que incluam a localização Santarém como aeroporto complementar ou
único “são penalizadas pela grande distância ao centro de Lisboa, que reduz,
significativamente, os impactos macroeconómicos do aeroporto”.
Apesar de solicitada pelos respetivos promotores a reavaliar a hipótese da localização
em Santarém, a CTI admite-a como aeroporto complementar, mas rejeita-a como
infraestrutura única, defendendo que a localização no coração do Ribatejo
continua a “não ser viável, devido às limitações aeronáuticas militares
existentes”, referindo-se a Monte Real. É o que a reapreciação mantém, embora
Santarém defenda que resolveu as questões de navegação aérea.
Santarém pode ser uma opção “como aeroporto complementar ao AHD, mas com um
número de movimentos limitado, não permitindo satisfazer a capacidade aeroportuária
necessária no longo prazo”, vinca a CTI. Não obstante, sustenta que teria a
vantagem de permitir ultrapassar, no curto prazo, as condicionantes criadas
pelo contrato de concessão, bem como o facto de o financiamento ser totalmente
privado.
Mantendo o Montijo como a pior opção, a CTI alerta para o “agravamento” dos
constrangimentos pela não renovação da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) pela
Agência
Portuguesa do Ambiente (APA).
Montijo, “assim, perde a sua vantagem na rapidez de execução”, frisa a CTI.
A opção defendida pela ANA/Vinci, concessionária dos aeroportos
portugueses, é desvantajosa, no longo prazo, pois limita-se “a adiar o problema
do aumento real da capacidade aeroportuária, tendo em conta as projeções de
aumento da procura, mesmo as mais modestas”.
Salienta “os maiores e mais significativos impactos ambientais negativos” das
soluções que incluem Montijo, o que “as torna não viáveis desse ponto de vista”,
a CTI “não recomenda que sejam consideradas” as opções que envolvem o Montijo,
quer como aeroporto complementar quer como único.
A CTI reconhece que o contrato de concessão, pela sua complexidade, é uma
das condicionantes mais importantes, face à urgência da solução para a expansão
da capacidade aeroportuária, e aconselha a sua revisão, podendo a
concessionária exercer o seu direito de preferência apenas até aos 75
quilómetros. A única opção fora do contrato de concessão é Santarém.
Admitindo que não há nenhuma opção estratégica ideal e frisando que todas
as soluções “são geradoras de oportunidades, mas também de riscos, considerando
incertezas, e também impactos negativos, nomeadamente ambientais e sobre a
saúde humana”, a CTI recomenda que seja dada preferência a uma solução que
permita aumentar a capacidade aeroportuária na região de Lisboa no longo prazo,
tendo sido adotado o horizonte de 2086, isto é, cinco décadas.
Deverão ser consideradas as opções estratégicas estruturantes
do desenvolvimento futuro da Região de Lisboa que estimulem economias de aglomeração, de forma integrada com outros
projetos infraestruturantes de acessibilidades, minimizando os impactos
ambientais, com especial incidência sobre os mais negativos.
A decisão sobre o NAL é urgente, bem como a sua
implementação. Dada a importância para o país e o horizonte de longo prazo que
deve ser considerado na decisão, a CTI
recomenda que seja dada continuidade ao consenso estratégico alcançado com a Resolução
do Conselho de Ministros n.º 89/2022, para a concretização de uma decisão e
para a sua rápida implementação.
***
Entretanto, a NAV – entidade pública empresarial que garante
a prestação de serviços de tráfego aéreo (serviço de controlo de tráfego aéreo
e serviço de informação de voo) – confirmou, a 12 de março que teve
“contactos informais” com os promotores do aeroporto em Santarém, mas, ao invés
do que eles afirmam, rejeitou que os problemas de navegabilidade pela
proximidade à base aérea de Monte Real estejam ultrapassados, sendo necessários
novos estudos.
O
esclarecimento da NAV surge depois de a CTI ter reavaliado, no relatório final,
a opção Santarém e a ter considerado uma localização viável, revendo a decisão
do relatório preliminar, apresentado a 5 de dezembro, mas admitindo que poderia
funcionar apenas como aeroporto complementar e não hub, consideração
que os promotores de Santarém contestam, alegando que têm condições de
navegabilidade também para ser hub, e que isso
resulta da afinação da navegabilidade do projeto, feita na sequência de
reuniões com a NAV.
Não é essa a visão do organismo responsável pela navegação
aérea. Fonte oficial da NAV confirmou à Lusa
ter havido “contactos informais com os promotores do referido projeto,
[Santarém]”, mas reiterou que qualquer alteração de pressupostos requer novos
estudos e análises, a serem solicitadas pela CTI [Comissão Técnica
Independente]”.
Carlos
Brazão, um dos promotores do projeto de Santarém, tinha dito que a decisão da
CTI era o “reconhecimento da qualidade do projeto”.
Na verdade, os
promotores disseram à Lusa que a CTI
“não deu a devida atenção ao trabalho desenvolvido, sobretudo entre dezembro e
janeiro, com a NAV”, trabalho que resultou num conjunto de soluções que
permitem resolver os problemas de navegabilidade aérea pela proximidade à base
aérea de Monte Real, apontados no relatório preliminar, e escalar para um
‘hub’. Porém, Rosário Partidário garantiu, a 11 de março, que a CTI não tem
qualquer indicação, por parte da NAV, sobre o que os promotores de Santarém
afirmam.
“Nós temos no relatório ambiental, no anexo um, um ofício do
Estado Maior da Força Aérea onde está muito claro que não pode haver cedência
da área do bloco de Monte Real, temos também um esclarecimento adicional da NAV
onde refere, justamente, que, por causa dessa limitação, Santarém não tem
capacidade de movimentos para se constituir como um ‘hub’ intercontinental.
Essa situação mantém-se”, assegurou a coordenadora da CTI.
Rosário
Partidário explicou que a CTI decidiu diferenciar no relatório final uma
solução “potencialmente de mais curto prazo”, de acordo com os tempos
apresentados pelos promotores do projeto, em que Santarém tem uma pista que
pode ajudar a descongestionar o ADH, mas com um menor número de movimentos do
que Lisboa.
***
Será que, desta vez, teremos novo aeroporto? Os estudos
técnicos estão à vista. Apesar de não haver uma solução sem desvantagens e que
não postule custos em outras infraestruturas, as recomendações são claras.
Porém, a decisão é política. E espera-se que esta seja tomada brevemente, ao
invés de continuarmos a ser entretidos por estudos, por comissões e por grupos
de trabalho. Poderes políticos e Administração Pública que não assumissem o
ónus de decidir deveriam ser altamente penalizados, pela opinião pública e pela
Justiça administrativa.
2024.03.12
– Louro de Carvalho
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