O Papa
Francisco promulgou, a 19 de março, novas regras para a administração da
basílica de Santa Maria Maior, a primeira igreja dedicada à mãe de Deus na
cristandade e onde Francisco disse querer ser sepultado junto de seis outros
papas (Clemente VIII, Honório III, Clemente IX, Nicolau IV, S. Pio V e Sisto V),
como será o sítio onde viverá, caso venha a renunciar ao Papado.
Com a
publicação das ditas regras, a 20 de março, pela Santa Sé, o Sumo Pontífice
pretende reformar o Cabido da Basílica, para relevar o trabalho espiritual pastoral
dos cónegos.
O quirógrafo
de Sua Santidade Francisco para a aprovação do Estatuto e do Regulamento do
Cabido da Basílica de Santa Maria Maior considera que, durante vários séculos,
o Cabido guardou a venerada efígie da Salus
Populi Romani e a ilustre relíquia do Berço Sagrado, cuidou do decoro das
celebrações litúrgicas do Templo da Libéria e acolheu os fiéis que ali se
congregam.
A 14 de
dezembro de 2021, o Papa confiou a um comissário extraordinário, coadjuvado por
uma Comissão especial, a tarefa de providenciar a reorganização da vida do cabido
e da basílica, para o maior bem do povo de Deus.
Finda essa comissão,
Francisco julgou oportuno “libertar os cónegos das obrigações económicas e
administrativas, para que possam dedicar-se plenamente, integralmente e com
renovado vigor, ao acompanhamento espiritual e pastoral que os peregrinos de
todo o Mundo procuram e desejam encontrar quando cruzam o limiar do primeiro
santuário mariano do Ocidente”.
Por isso,
inspirado nos princípios e critérios da Constituição Apostólica “Praedicate
Evangelium”, foi redigido um novo Estatuto
e um novo Regulamento do Cabido da Basílica
Papal de Santa Maria Maior que, conforme explicitam os ditos documentos, são
aprovados por este quirógrafo.
Ao mesmo
tempo, o Papa confere a Dom Rolandas Makrickas, arcipreste coadjutor da Basílica
Papal de Santa Maria Maior, todos os poderes necessários para a moderação e
aplicação do novo Regulamento e para o governo do cabido. Ordena que o prelado
continue no exercício da representação legal do Conselho e que mantenha, até a
tomada de posse do Conselho de Administração, o poder de praticar atos de
administração ordinária e extraordinária. Por fim, atribui-lhe as funções de
vigário do arcipreste, de delegado para a pastoral e de delegado de
administração, até às respetivas nomeações.
Tudo o que
fica estabelecido no quirógrafo tem validade plena e estável e, sem prejuízo de
qualquer disposição em contrário, ainda que mereça menção especial, entrará em
vigor no momento da sua publicação no L’Osservatore
Romano e será, posteriormente, inserido nas Acta Apostolicae Sedis.
Em 2021, o
Papa Francisco nomeou Dom Rolandas Makrickas comissário para cuidar da gestão
económica e financeira do cabido da basílica onde se guarda o ícone da Salus Populi Romani, junto do qual o
Pontífice costuma rezar antes e depois de cada viagem apostólica para fora de
Itália. Agora, “liberta” os cónegos “de todos os deveres de natureza económica
e administrativa”.
Segundo o
quirógrafo, o objetivo papal é que os clérigos tenham funções espirituais e
pastorais junto dos peregrinos. Dom Makrickas mantém “as faculdades necessárias
para a moderação e aplicação dos novos regulamentos e para o governo do cabido”,
que representa, e tem o poder de praticar atos de administração ordinária e
extraordinária até a tomada de posse do Conselho de Administração, continuando
também, até essa altura, como vigário do arcipreste, como delegado para a pastoral
e como delegado para a administração.
O Estatuto estabelece que os dois
delegados, juntamente com o arcipreste que preside, formarão o Conselho de
Administração, com um representante do Governatorato do Estado da Cidade do
Vaticano e um representante da Administração do Património da Sé Apostólica (APSA),
e que só se pode ser cónego por cinco anos, sendo que os maiores de 80 anos não
terão mais qualquer função e tudo ficará nas mãos do Conselho de Administração.
***
Nenhuma
igreja católica é chamada basílica sem autorização apostólica,
exceto por tradição e por costume imemorial (no passado, ostentavam o título outras
igrejas, como Santa Maria dos Anjos, em Assis). Santa Maria Maior é uma das quatro que podem
utilizar o título de “basílica maior”. As outras são S. Pedro, S. Paulo
Extramuros e S. João de Latrão. Junto com elas, Santa Maria é
uma “basílica papal”, título que existe desde 2006, quando o Papa Bento
XVI renunciou ao título de “Patriarca do Ocidente” e as basílicas
patriarcais (as quatro maiores e S. Lourenço Extramuros) passaram a ser
chamadas papais, para mitigar a relação que tinham com os antigos
patriarcados latinos. Santa Maria era até então a sede do
Patriarcado Latino de Antioquia. As cinco basílicas papais, com a Basílica
de Santa Cruz, em Jerusalém (que é propriedade de Roma) e com S. Sebastião
Extramuros são as igrejas de peregrinação em Roma, visitadas por
peregrinos durante uma peregrinação a Roma, um itinerário de mais de 20
quilómetros criado por S. Filipe de Néri, a 25 de fevereiro de 1552,
especialmente pelos que buscam uma indulgência plenária num jubileu. Para
o Grande Jubileu de 2000, o Papa S. João Paulo II substituiu S.
Sebastião pelo Santuário da Mãe do Divino Amor.
Santa Maria Maior ou Basílica de Santa Maria Maior é a maior igreja mariana
de Roma. Foi a primeira igreja do Ocidente dedicada a Maria em honra de
Jesus Cristo e tem uma celebração específica na liturgia católica a assinalar o
facto: a Dedicação da Basílica de
Santa Maria Maior, a 5 de agosto. Após o Tratado de Latrão, de 1929, firmado
entre a Santa Sé e o Reino da Itália, Santa Maria Maior permaneceu como parte do território
italiano e não do Vaticano. Porém, a Santa Sé é a proprietária do
edifício e do terreno onde ele está e o governo italiano é obrigado,
legalmente, a reconhecer o facto e a conceder-lhe a imunidade concedida
pelo Direito Internacional às embaixadas de agentes diplomáticos de
estados estrangeiros.
Desde 28 de
dezembro de 2016, o arcipreste protetor da basílica é Stanislaw Rylko,
cardeal-diácono da diaconia do Sagrado Coração do Cristo Rei e, a 20 de março
de 2024, foi nomeado arcipreste coadjutor da basílica Rlandas
Makrickas. Antigamente, o arcipreste era o Patriarca Latino de Antioquia,
título abolido em 1964.
A basílica é também
chamada de “Nossa Senhora das Neves”, designação no Missal Romano, entre
1568 e 1969, com referência à festa litúrgica da dedicação do edifício
a Nossa Senhora, em 5 de agosto, denominada “Dedicatio Sanctae Mariae ad Nives”, em Latim.
A designação tornou-se popular no século XIV, referindo a tradição
lendária que a Enciclopédia Católica (1911) descreve: “No pontificado de Libério, o patrício
romano João e a esposa, que não tinham filhos, fizeram voto de que doariam
todas as suas posses à Virgem Maria. Rezaram para que lhes indicasse como deveriam
desfazer-se das suas posses para homenageá-La. A 5 de agosto, numa noite, no
auge do verão romano, nevou no alto do monte Esquilino. Obedecendo a
uma visão na mesma noite, o casal construiu a basílica em homenagem a Ela,
no local exato que estava coberto de neve. Baseado no facto de não haver menção
alguma a este milagre até séculos depois, nem mesmo por Sisto IIII em
sua inscrição dedicatória de oito linhas, é provável que esta lenda não tenha
nenhuma base histórica.”
A lenda só
foi mencionada depois do ano 1000. O nome continuava a ser utilizado
no século XV, como demonstra a pintura do “Milagre da Neve”, de Masolino
da Panicale.
A festa da dedicação da igreja era celebrada apenas em Roma, até ser incluída,
pela primeira vez no Calendário
Geral Romano, já com o título “ad
Nives”. Uma congregação nomeada pelo Papa Bento XIV, em
1741, propôs a remoção do título lendário e que voltasse a ser conhecida pelo nome
original, mas nada foi feito até 1969, quando foi removido e a festa
passou a ser chamada de “In
dedicatione Basilicae S. Mariae”. Porém, a lenda ainda é evocada
com o lançamento, do alto da cúpula, de pétalas de rosas
brancas, durante a celebração da missa e nas Vésperas II da
festa.
A primitiva
igreja construída no local era conhecida como Basílica Liberiana ou Santa Maria Liberiana, em homenagem ao Papa Libério (r. 352-366).
O nome ter-se-á originado na lenda do “Milagre da Neve”, só que foi o papa e,
não João e a esposa, que teria sido avisado em sonho sobre a vindoura queda de
neve. Foi para o local em procissão e marcou o local onde a igreja
seria construída. É possível inferir o nome implícito na descrição
do “Liber Pontificalis” (século XIII) sobre o papa Libério: “Ele construiu a basílica que leva seu nome [“Basílica
Liberiana”] perto do Macelo de Lívia.” O título “Liberiana” aparece
em algumas versões do nome da basílica e “Basílica Liberiana” pode ser
utilizado tanto como o nome atual como o histórico da basílica.
Contudo, pode
o nome “Basílica Liberiana” não ter relação alguma com a lenda, pois, segundo Pius
Parsch, o Papa Libério transformou um palácio da família Sicinini numa igreja
que passou a ser conhecida como “Basílica Sicinini”. Este edifício foi, depois,
substituído, por Sisto III (r. 432-440), pelo edifício atual. Alguns
afirmam que esta transformação se fez na década de 420 com o Papa Celestino I,
antecessor de Sisto III.
Muito antes
dos mais antigos vestígios da história do “Milagre da Neve”, a basílica era
conhecida como Santa Maria do
Presépio (em Latim: Sancta Maria ad Praesepe),
referência às relíquias da manjedoura de Jesus abrigadas ali, quatro
tábuas de sicómoro que, juntamente com uma quinta tábua, teriam sido
levadas para lá, no tempo do Papa Teodoro I (r. 640-649). O nome
aparece nas edições tridentinas do Missal Romano como o local (“estação”) da missa do
papa na noite do Natal, enquanto que o nome “Maria Maior” aparece como o
nome da igreja onde está a estação da missa do Natal.
A igreja
atual foi construída no pontificado de Sisto III (r. 432-440), como atesta
a inscrição dedicatória no arco triunfal: “Sixtus Episcopus plebi Dei” (“Sisto bispo ao povo
de Deus”). Além desta igreja, no topo do monte Esquilino, Sisto III
realizou diversas obras por toda cidade, que foram continuadas por S. Leão
Magno, seu sucessor. O edifício atual preserva a parte central da estrutura
original, após diversas as reformas e reconstruções e os danos do sismo de
1348.
A construção
de igrejas, em Roma, neste período, inspirava-se na ideia de que Roma não era
apenas o centro do Mundo romano, mas o centro do novo Mundo cristão. E Santa Maria Maior, uma das primeiras
igrejas dedicadas à Virgem Maria, foi erigida logo depois do Primeiro Concílio
de Éfeso (431), que proclamou Maria como “Mãe de Deus”. E a atmosfera
gerada pelo concílio inspirou os mosaicos que adornam o interior da
inscrição dedicatória: “… seja
qual for a conexão precisa entre o concílio e a igreja, é claro que os que
projetaram a decoração pertencem a um período de concentrados debates sobre a
natureza e o status da Virgem frente ao Cristo encarnado.”
A
magnificência dos mosaicos da nave e do arco triunfal, vistos
como “pedras angulares na
representação da Virgem”, mostram cenas da “Vida de Maria” e da “Vida
de Cristo”, além de cenas do Antigo Testamento, como Moisés a abril o
mar Vermelho e os Egípcios a afogarem-se.
Richard
Krautheimer atribuiu este esplendor às abundantes receitas disponíveis para o
papa, ao tempo, oriundas de diversas propriedades adquiridas pela Igreja, nos
séculos IV e V, na Península Itálica. Algumas destas propriedades eram
controladas localmente; a maioria, no início do século V, eram
administradas diretamente de Roma, com grande eficiência: foi desenvolvido um
sistema de contabilidade centralizado na chancelaria papal, foi preparado rigoroso
orçamento, indo uma parte da receita para a administração papal, outra para
sustentação das necessidades do clero, a terceira para a manutenção das igrejas
e a quarta para a caridade. Estas taxas deram condições ao papado para realizar,
no século V, ambicioso programa de obras, incluindo Santa Maria Maior.
Miri Rubin
defende que a basílica foi influenciada pela crença de que Maria representaria
os ideais imperiais da Roma clássica, fundindo a velha Roma, pagã, com a nova,
cristã.
***
Enfim, uma
obra carregada de História, permeada pela lenda, imbuída de espiritualidade e servida
por notável complexo artístico rico e diversificado.
2024.03.22 – Louro de Carvalho
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