Durante
décadas, fez-se a apologia do vinho, sobretudo do maduro tinto, como bebida
saudável, sobretudo na prevenção de doenças cardiovasculares.
Dizia-se que a bebida alcoólica, em quantidade
moderada, tende a combater os radicais livres nos
humanos, moléculas que produzem o envelhecimento. Isso dizia-se,
porque a uva é rica em polifenóis, um tipo de composto que aparece, em
abundância, na Natureza e em plantas, desempenhando um papel de proteção contra
o sol, contra insetos e contra microrganismos.
O resveratrol é o principal polifenol
encontrado no vinho, mas também existem outros em menor quantidade, como os
taninos, os flavonoides, a antocianina, a quercetina e o ácido elágico.
É importante lembrar que os
benefícios do vinho decorrem do consumo moderado da bebida, pois o consumo em
grandes quantidades produz efeitos contrários. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS), o recomendado é 90ml para mulheres e 180ml para homens,
cerca de uma e duas taças da bebida, respetivamente. A diferença resulta do
facto de o organismo feminino absorver mais rapidamente a bebida, em virtude da
menor produção da enzima álcool desidrogenase (ADH), que é produzida pelo
fígado e metaboliza o álcool.
O alto teor de polifenóis acaba por
se tornar o principal responsável pelos benefícios para a saúde. O resveratrol
é encontrado nas sementes e na casca das uvas e, segundo o site da Harvard
Medical School, pode ajudar a prevenir doenças cardiovasculares, diminuir o
risco de cancro e até retardar o envelhecimento.
Embora os estudos realizados sejam
extremamente promissores, dizia-se, ainda não é possível afirmar, com certeza,
que o consumo diário de vinho tinto seja benéfico para a saúde. Apenas se garante
que o seu consumo em quantidades moderadas traz benefícios para o
organismo.
Por isso, quem não consome vinho
tinto não precisa, necessariamente, de o incluir na sua dieta diária, pois os
outros alimentos também podem fornecer substâncias benéficas para a saúde. No
entanto, quem faz parte do grupo que consome a bebida, de forma moderada, pode
continuar tranquilamente, pois contribuirá para a sua saúde.
Eram elencados 10 benefícios do
consumo de vinho tinto:
- Redução do risco de acidente vascular cerebral (AVC),
uma vez que a bebida atua como um anticoagulante natural, quebrando
coágulos sanguíneos que podem entupir as artérias.
- Fortificação do músculo cardíaco,
pois o vinho
reduz até 50% o risco de doença isquémica do coração. Os polifenóis presentes
causam a vasodilatação das artérias e diminuem a agregação plaquetária,
reduzindo o risco de hipertensão e o risco de morte por outras doenças
cardíacas.
- Combate ao Alzheimer e a outras
doenças neurodegenerativas, uma vez que a bebida deixa compostos antioxidantes
no intestino que são capazes de proteger de danos os neurónios cerebrais.
- Melhoria do sistema
imunológico, visto que o composto antioxidante deixado no intestino
ajuda as bactérias saudáveis a florescer, o que estimula a produção de células
T, aumentando a resposta imunológica. O resveratrol também auxilia a criação de
moléculas anti-inflamatórias.
- Redução de acne, porque o
polifenol encontrado, em abundância, na bebida, também combate algumas
bactérias responsáveis pela aparição de espinhas.
- Aumento da densidade óssea,
pois o vinho tinto é rico em silício, mineral que contribui para a
densidade óssea. O seu consumo reduz o risco de desenvolver osteopenia e
osteoporose. O mineral também estimula a produção de colágeno, o que melhora a
regeneração de tecidos.
- Redução do nível de
colesterol ruim (LDL). Com efeito, os polifenóis
encontrados no vinho reduzem as hipóteses de o LDL oxidar, enquanto aumentam a
concentração de apolipoproteína, principal proteína do colesterol bom (HDL).
- Melhoria na função
cognitiva. Na verdade, o vinho é associado à melhoria cognitiva de
homens e de mulheres, principalmente maiores de 50 anos, influenciando a
criação de novas memórias, de novas aprendizagens, de aumento de vocabulário e
até de maiores emoções.
- Maior longevidade, já que os
polifenóis do vinho atuam na ativação de uma proteína que combate o
envelhecimento. No entanto, o consumo da bebida não basta, é necessário seguir
a dieta mediterrânea, que consiste no consumo de alimentos frescos e naturais.
- Redução o risco de diabetes
tipo 2, uma vez que o consumo de vinho melhora a sensibilidade à
insulina, hormona que ajuda o corpo a reduzir os níveis de açúcar no sangue.
***
Entretanto, a 2 de março, o Diário de Notícias (DN) online publicou um artigo sob o título “Como o vinho tinto deixou de ser
considerado saudável”, de
Alice Callahan – repórter
do Times que cobre a secção “Nutrição
e Saúde”, que tem um Ph.D. em Nutrição pela Universidade da Califórnia,
Davis – que leva à inversão das indicações do consumo do vinho como úteis à
saúde.
Segundo o que a própria refere, escreve
principalmente sobre como os alimentos que comemos afetam o nosso bem-estar,
incluindo histórias sobre a saúde intestinal, o microbioma, ingredientes e
contaminantes alimentares, suplementos e como comer bem para ter prazer e
saúde.
Esse artigo foi publicado, originalmente, a 17 de
fevereiro, pelo New York Times, sob o título “How Red Wine Lost Its Health Halo” (“Como o vinho tinto perdeu seu
halo de saúde”). Dele se respigam os dados tidos por mais relevantes
Num episódio
de 1991 do programa 60 Minutes, o jornalista Morley Safer, da CBS, questionou o facto de os Franceses,
apreciando alimentos com elevado teor de gordura, como paté, manteiga e queijo
brie, apresentarem taxas de doenças cardíacas mais baixas do que os americanos.
E viu a resposta na força apelativa do copo de vinho e – digo eu – na
propaganda favorável. Quem não se lembra do desígnio português de dar vinho a
milhões de Portugueses, proclamado em tempos?
Os médicos
sustentavam que o vinho tinha “um efeito de limpeza” que impedia as células
formadoras de coágulos sanguíneos de se agarrarem às paredes das artérias. De
acordo com um investigador francês, apresentado no referido episódio, este
hábito poderia reduzir o risco de obstruções arteriais e, consequentemente, de
ataques cardíacos.
Vários
estudos apoiaram a ideia, como vincou Tim Stockwell, epidemiologista do
Canadian Institute for Substance Use Research, e os investigadores
consensualizaram que a dieta mediterrânica, que incentiva o consumo de um ou
dois copos de vinho tinto às refeições, comporta benefícios cardíacos. Porém,
só após o episódio do programa 60 Minutes, se tornou viral a
noção de que o vinho tinto é uma bebida virtuosa saudável. E, um ano depois, as
vendas de vinho tinto nos Estados Unidos da América (EUA) aumentaram 40%.
A
possibilidade de um copo ou dois de vinho tinto poderem ser benéficos para o
coração foi “uma ideia agradável” que os investigadores “adotaram”, considerou
Stockwell, pois ia ao encontro de um conjunto de provas, reunidas nos anos 90,
que associavam o álcool à saúde.
Um estudo de
1997 que acompanhou 490 mil adultos nos EUA, durante nove anos, concluiu que os
que afirmaram consumir, pelo menos, uma bebida alcoólica por dia apresentavam
uma probabilidade 30% a 40% menor de morte por doença cardiovascular do que os
outros. Este grupo também apresentava uma probabilidade cerca de 20% inferior
de morte por qualquer outra causa.
Até ao ano
2000, centenas de estudos chegaram a conclusões semelhantes, o que levou a crer
que a teoria “estava consolidada”. Todavia, desde os anos 80, alguns
investigadores vêm apontando problemas a este tipo de estudos e a questionar se
o álcool seria responsável pelos benefícios observados. Provavelmente os
consumidores de bebidas alcoólicas de forma moderada eram mais saudáveis do que
os não consumidores de álcool, por serem pessoas instruídas, abastadas e
fisicamente ativas e por comerem mais legumes. Talvez muitos dos abrangidas que
não consumiam álcool fossem pessoas que deixaram de beber, graças a problemas
de saúde.
Kaye
Middleton Fillmore, investigadora na Universidade da Califórnia, em São
Francisco, foi uma das pessoas que apelou a um maior escrutínio da
investigação. “É da responsabilidade da comunidade científica avaliar
cuidadosamente estas provas”, escreveu em 2000.
Em 2001,
Fillmore persuadiu Stockwell e outros cientistas a ajudarem a reanalisar os
estudos precedentes sobre o tema, de forma a averiguar algumas destas
tendenciosidades. Stockwell prometeu colaboração à investigadora (esta faleceu
em 2013), mas “estava bastante cético em relação a toda a ideia”.
Na nova
análise, os benefícios do consumo moderado de álcool tinham-se esfumado. As
descobertas Stockwell, publicadas em 2006, fizeram manchetes a contradizer a
teoria dominante: “Study Puts a Cork in Belief That a Little Wine Helps the
Heart” (Estudo põe fim à crença de que um pouco de vinho beneficia o coração),
publicou o Los Angeles Times.
A notícia que
perturbou muitas pessoas e levou a indústria do álcool a tomar grandes medidas
e a gastar imenso dinheiro, para contrapor a mensagem inoportuna que estava a
ser divulgada. No espaço de meses, um grupo financiado pela indústria organizou
um simpósio para debater a investigação e convidou Fillmore. E a investigadora referiu
que o debate foi “intenso e pesado, de tal forma que sentiu que “tinha de
descalçar o sapato e bater com ele na mesa”.
Quando dois
dos organizadores do simpósio publicaram um resumo que afirmava que “o consenso
a que se chegou” era de que o consumo moderado de álcool estava associado a uma
melhoria da saúde, Fillmore ficou furiosa por as suas convicções não terem sido
representadas.
Desde então,
muitos estudos, incluindo o publicado por Stockwell e colegas, em 2023,
confirmam que o álcool não é a bebida saudável que se acreditou ser.
Em 2022, os
investigadores deram notícias mais preocupantes: o consumo de álcool não tinha
benefícios cardiovasculares e podia inclusive aumentar o risco de problemas
cardíacos, afirmou a Dra. Leslie Cho, cardiologista da Cleveland Clinic.
Agora, os
estudos demonstram que mesmo uma única bebida alcoólica por dia pode aumentar
as probabilidades de desenvolver doenças como a hipertensão arterial e a
arritmia que podem levar a acidente vascular cerebral, a insuficiência cardíaca
congestiva ou a outras consequências para a saúde. A relação entre o álcool e o
cancro é evidente – algo que a OMS tem vindo a afirmar desde 1988. Além disso,
a OMS (assinale-se a ambiguidade desta) e outras agências de saúde afirmam que
nenhuma quantidade de álcool é saudável, seja vinho, seja cerveja ou
destilados.
Jennifer L.
Hay, cientista comportamental e psicóloga da saúde no Memorial Sloan Kettering
Cancer Center, em Nova Iorque, afirmou que, nas consultas de aconselhamento com
pacientes oncológicos, muitos ficam “completamente chocados”, ao saberem que o
álcool é cancerígeno.
Num estudo
realizado em 2023, os investigadores inquiriram cerca de quatro mil adultos
norte-americanos e descobriram que só 20% conheciam os efeitos cancerígenos do
vinho, em comparação com os 25% que conheciam os efeitos cancerígenos da
cerveja e os 31% que conheciam os efeitos cancerígenos dos destilados.
O vinho tinto
contém, de facto, componentes chamados polifenóis, podendo alguns destes
apresentar propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Contudo, nenhum
estudo, apesar das décadas de investigação sobre o polifenol chamado
resveratrol, estabeleceu relação definitiva entre a quantidade de polifenóis
obtidos a partir do vinho tinto e a boa saúde.
Hay e outros
investigadores propõem a proibição do álcool. Apenas pretendem que as pessoas
estejam informadas sobre os riscos associados ao seu consumo.
Para a
maioria, não há problema em desfrutar de um copo de vinho, de vez em quando.
Todavia, não é benéfico para o coração, nem para outros órgãos. Há que
abandonar essa pseudocerteza.
2024.03.04 – Louro de Carvalho
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