Ao invés da hipótese
levantada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, do possível envio de
militares para a Ucrânia, o que lhe parecia necessário, o chanceler alemão
afirmou, a 1 de março, que a União Europeia (UE) não vai enviar militares para
a Ucrânia, pois ninguém quer uma guerra entre a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (NATO) e a Rússia.
“Na reunião
de segunda-feira [26 de fevereiro], em Paris, deixámos bem claro: a NATO, ou
qualquer um dos nossos países, não participará nesta guerra. Não vamos enviar
soldados europeus para a Ucrânia, não queremos uma guerra entre a NATO e a Rússia”,
garantiu Olaf Scholz, no encerramento do congresso do Partido Socialista
Europeu (PSE), em Roma, vincando que é necessário “fazer de tudo para evitar”
uma guerra entre os dois blocos.
Esta foi
também uma garantia do primeiro-ministro de Portugal, que também participou no encontro
de Paris e no de Roma.
No entanto,
o chefe do executivo alemão considerou que a paz hoje só é possível, se a
Rússia retirar as suas tropas do território ucraniano ocupado, possibilidade
que reputa praticamente impossível enquanto Vladimir Putin pensar que “consegue
ganhar alguma coisa” no campo de batalha. Por isso, na ótica de Olaf Scholz, é
preciso assegurar que “a Ucrânia não fique sem dinheiro, sem armamento ou sem
munições”, para continuar a tentar repelir as forças russas.
De Paris
veio, também, a garantia do chefe da diplomacia francesa de que não há qualquer
fratura entre a França e a Alemanha, apesar das divergências entre Macron e
Scholz sobre a Ucrânia. “Não há qualquer conflito franco-alemão, estamos de
acordo em 80% das questões”, garantiu ao Le Monde Stéphane Séjourné,
ministro
da Europa e dos Negócios Estrangeiros no no governo liderado por Gabriel
Attal.
Na
conferência de apoio a Kiev, organizada por Paris, a 26 de fevereiro, o chefe
de Estado francês pareceu apontar implicitamente a mira a países como a
Alemanha, que hesitou, durante muito tempo, em entregar certas armas pesadas a
Kiev. “Falei com a minha homóloga alemã, Annalena Baerbock, e vamos
encontrar-nos na próxima terça-feira [4 de março], em Paris. Há vontade de
dialogar. Não há qualquer drama, uma vez que temos o mesmo objetivo de apoiar a
Ucrânia”, continuou Séjourné.
A asserção do presidente francês de que não pode ser descartada a possibilidade de
envio de tropas para a Ucrânia é um passo extremo que a NATO sublinhou, em
diversas ocasiões, nem sequer ser discutido como uma hipótese.
Reagindo às declarações de Emmanuel Macron, o principal
conselheiro da Presidência ucraniana, Mikhailo Podolyak, elogiou qualquer
proposta para “aumentar, expandir ou alterar” a forma como a Ucrânia é ajudada.
Com efeito, o facto de novas formas de apoiar a Ucrânia, face à invasão russa,
estarem a ser consideradas entre os parceiros de Kiev é um “sinal direto” dos
riscos que a Rússia está a correr e de que tanto a Ucrânia como a Europa
responderão de “forma consistente”.
Porém, vários países da NATO, incluindo Portugal, descartaram
a presença das suas tropas no terreno e
atribuíram as palavras de Macron ao seu desejo de ajudar a
Ucrânia, concordando, por outro lado, na necessidade de continuar a enviar
armas e munições.
***
Entretanto, um possível fornecimento de mísseis Taurus, de
longo alcance, há muito pedido por Kiev poderá ter sido um dos temas discutido
por oficiais alemães, numa suposta gravação revelada por uma jornalista russa
nas redes sociais. Durante 38 minutos, os militares alemães terão falado, ainda,
sobre o modo como atacar a ponte da Crimeia, sobre treino de soldados
ucranianos e sobre possíveis alvos militares.
Apesar de ainda não ter sido confirmada como verídica, o
ministro dos negócios estrangeiros russo apelidou esta possível gravação de uma
“autoexposição flagrante”.
Por sua vez, Olaf Scholz, face a estes rumores ou certezas,
anunciou que a Alemanha está a investigar uma suposta fuga de informação de
oficiais do exército que terão discutido assuntos confidenciais relacionados
com a guerra na Ucrânia. “Trata-se de um assunto muito sério e é por isso que
está a ser investigado com muito cuidado, muito minuciosamente e muito
rapidamente”, afirmou Scholz em Roma.
O anúncio de
Scholz surgiu depois de um porta-voz do exército alemão ter indicado que as
Forças Armadas germânicas estão a investigar uma suposta escuta de uma conversa
entre vários oficiais de alta patente da Força Aérea, tornada pública, a 1 de março,
pela imprensa russa, temendo-se que possa não ser caso único.
Segundo
o Der Spiegel, o governo está alarmado com a possibilidade de a
conversa gravada ser real e de ter havido outras escutas de conversas internas
nas forças armadas.
Efetivamente,
e emissora estatal russa RT (antiga Russia Today) publicou uma gravação áudio de 38 minutos em que o
chefe da força aérea alemã, Ingo Gerhartz, é alegadamente ouvido a falar com
vários oficiais de alta patente sobre a possibilidade de fornecimento de
mísseis Taurus à Ucrânia. Os interlocutores discutem, entre outras coisas, as
opções técnicas para destruir a ponte de Kerch, que liga a península da Crimeia
ao continente, ou os depósitos de armas russos com este armamento, embora
reconheçam que não há ‘luz verde’ para o fornecer.
A publicação
da conversa surge num momento sensível para o governo de Scholz, que, recentemente,
gerou controvérsia, ao afirmar que Berlim não pode entregar o Taurus à
Ucrânia, sob o risco de se tornar um participante direto no conflito. E Scholz argumentou que a Ucrânia
não poderá operar estes sistemas sem a ajuda de soldados alemães – uma “linha
vermelha” para Berlim –, mas o áudio divulgado pela RT parece contradizer esta afirmação.
De acordo com as fontes do Der Spiegel, o Ministério da Defesa alemão assume que o
áudio é real e não foi manipulado com ferramentas de inteligência artificial.
Aparentemente,
a conversa – que, de acordo com a RT,
decorreu em 19 de janeiro – não foi
feita através de uma linha segura, mas via plataforma de videoconferência WebEx, enquanto um dos participantes se
ligava por telemóvel.
“Se esta história se confirmar,
será um acontecimento muito problemático”, afirmou à RN o presidente do
grupo de controlo parlamentar do Bundestag (câmara baixa do parlamento), o
verde Konstantin von Notz, vincando: “A questão que se coloca é se se trata de
acontecimento isolado ou de um problema estrutural de segurança. Espero que a
questão seja esclarecida com urgência.”
Em Moscovo, a porta-voz do Ministério
dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, pediu publicamente à sua homóloga
alemã, Annalena Baerbock, explicações para o conteúdo do áudio.
***
Apesar de o contexto
estar a ficar pesado, o presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, insiste em pedir
mais defesas antiaéreas aos aliados ocidentais, após uma noite de ataques russos
com drones kamikaze em várias partes do país, que mataram, pelo menos, dois
civis em Odessa, no Sul do país. “O escudo aéreo ucraniano deve ser reforçado
para proteger eficazmente o nosso povo do terror russo. Mais defesas aéreas e mísseis
antiaéreos são o que salva vidas”, escreveu Zelensky no Facebook, juntando um vídeo que mostra as consequências do ataque a
Odessa.
É de vincar
que as forças ucranianas registaram 17 ataques com drones kamikaze de fabrico
iraniano, 14 dos quais foram abatidos pelas defesas antiaéreas em Odessa, em Mikolayev,
em Zaporiyia, em Kharkov, em Sumi e em Dnipropetrovsk. A Rússia lançou também
três mísseis X-59 e X-35 a partir das zonas que controla em Kherson e em Donetsk.
***
Também, como indicou a Casa Branca, em reação à
possibilidade, levantada pelo presidente francês, do destacamento de militares
de países aliados de Kiev os Estados Unidos da América (EUA) não enviarão soldados
para lutar na Ucrânia.
“O presidente
[norte-americano, Joe] Biden deixou claro que os Estados Unidos não enviarão
tropas para lutar na Ucrânia”, declarou a porta-voz do Conselho de Segurança
Nacional, Adrienne Watson citada pela Agência France Presse (AFP).
Não obstante, a
porta-voz adiantou, por outro lado, que Biden acredita que “o caminho da vitória” exigirá ajuda militar.
Aludia ao apoio dos EUA que se encontra bloqueado, há meses, pela ala radical
do Partido Republicano na Câmara dos Representantes (câmara baixa do
Congresso).
Em causa está
um pacote de 60 mil milhões de dólares (55,2 mil
milhões de euros) de ajuda às autoridades de Kiev, que se
deparam com escassez de armamento e de munições, para fazer face à invasão
russa, e que têm por vital este financiamento.
Também a NATO já descartou a possibilidade do
envolvimento de militares da Aliança e a UE, sustentando que essa é uma decisão
que cabe a cada Estado-membro, enquanto vários países aliados de Kiev, como
Reino Unido, a Suécia, a Polónia, a Chéquia, a Espanha, Portugal e a Itália,
também rejeitaram a iniciativa levantada por Macron.
“Quando falamos em enviar
tropas, devemos ter cuidado, porque as pessoas podem pensar que estamos em
guerra com a Rússia”, alertou o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano,
Antonio Tajani.
Por sua vez, o porta-voz da presidência do Kremlin,
Dmitri Peskov, advertiu que o envio de tropas para a Ucrânia “não
seria do interesse do Ocidente”, referindo que a simples menção desta
possibilidade constitui “um novo elemento muito importante” no conflito.
Após as declarações de Emmanuel Macron, a diplomacia
francesa voltou ao assunto, alegando que a presença de tropas ocidentais
na Ucrânia não ultrapassaria “o limiar da beligerância”.
Perante a agressividade da Rússia, o Ocidente deve “considerar
novas ações de apoio à Ucrânia”, disse Stéphane Séjourné, referindo-se à
desminagem, operações cibernéticas ou a produção de armas em território
ucraniano. “Algumas destas ações podem
requerer uma presença em território ucraniano, sem ultrapassar o limiar da
beligerância”, afirmou Séjourné, citado pela AFP.
***
Todos os países que se têm
por arautos dos valores do dito Ocidente dizem apoiar a Ucrânia ante a invasão
russa, a pretexto do objetivo descabelado de desnazificação e de
desmilitarização do país. Transferem dinheiro, enviam armas, munições e
equipamentos – tudo do mais sofisticado que há –, decretam sanções económicas e
vetam formas de expressão russas nos seus países, assim como a participação russa
não política em alguns fóruns. Todavia, não ultrapassam as linhas da não-beligerância.
É ironia, não?!
Resta saber como explica a
França que o envio de tropas para a Ucrânia não ultrapassa as linhas da não-beligerância
e como a Alemanha admite o envio de armas com as quais os Ucranianos podem não
saber operar, mas não os misseis Taurus, porque precisariam de que fossem
militares alemães para os fazerem funcionar.
Ora, podem vir militares
ucranianos à Alemanha aprender e já não será preciso enviar tropas, bastando
enviar armas, munições e equipamento. Por outro lado, se forem militares
estrangeiros, não para combater, mas para dar instrução, serão ultrapassadas as
raias da não-beligerância?
Por fim, é de registar a
hipocrisia: a NATO é uma aliança, mas deixa, no caso, a responsabilidade da
entrada na guerra a cada um dos países-membros, deixando de ser um bloco de
defesa do seu Ocidente. E, se os países deixarem aos cidadãos a responsabilidade
de entrarem na guerra? Não é inédito: Portugal e a Espanha enão entraram na II Guerra
Mundial, mas houve portugueses e espanhóis a combater do lado da Alemanha,
contra o bolchevismo!
A guerra Rússia-Ucrânia é guerra
“por procuração”. O mandante não entra na guerra, só prepara a estratégia envolvente
e afina o telecomando.
2024.03.03
– Louro de Carvalho
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