Colisão de navio de carga com a ponte Francis Scott Key de
Baltimore, nos Estados Unidos da América (EUA), provocou a queda de vários
veículos na água. A Guarda Costeira recebeu um aviso sobre o impacto às 01h27 (ou
seja, 5h27 de Portugal Continental), no dia 26 de março.
De madrugada, o navio, de cerca de 289 metros e com bandeira
de Singapura, incendiou-se, afundou-se e provocou a queda de vários veículos na
água. Há, pelo menos, 20 pessoas desaparecidas, que as equipas de emergência
acreditam terem caído no rio Patapsco, avançou a agência noticiosa ‘Associated
Press’ (AP).
“Sabemos
que há até 20 pessoas no rio Patapsco neste momento, bem como vários veículos”,
declarou Kevin Cartwright, do Corpo de Bombeiros de Baltimore, à televisão CNN.
Duas pessoas
foram resgatadas com vida das águas do rio. Segundo o chefe dos bombeiros da
cidade, James Wallace, uma das pessoas resgatadas saiu ilesa e recusou
tratamento, enquanto a outra foi levada para um hospital em estado grave. Os
desaparecidos são supostamente passageiros de veículos que atravessavam a ponte,
quando o cargueiro colidiu com um dos pilares centrais, destruindo-o
completamente.
As baixas temperaturas, na ordem dos nove graus centígrados (9ºC), estão a fazer as autoridades temerem pela vida das pessoas que caíram, devido ao risco de hipotermia.
“Todas as faixas de rodagem de acesso estão fechadas em ambas as direções,
devido a um acidente na ponte Francis Scott Key. O tráfego está a ser desviado”,
publicou a Autoridade de Transportes do estado de Maryland, na rede social X.
O presidente da
Câmara, Brandon M. Scott, e o responsável da região de Baltimore, Johnny
Olszewski Jr., disseram que o pessoal de emergência estava a responder e que os
esforços de socorro estavam em curso.
O navio de carga
possuía uma bandeira da Singapura e tinha cerca de 289 metros, segundo um
suboficial da Guarda Costeira, Matthew West, em declarações ao jornal “The
New York Times” (NYT). O navio
tinha como destino Colombo, no Sri Lanka.
Nenhum membro da
tripulação ficou ferido, segundo o comunicado da empresa Grace Ocean, que é
proprietária da embarcação, citado pelo NYT.
A colisão foi
classificada como um acidente – “evento de vítimas em massa em desenvolvimento”
–, tendo Richard Worley, comissário da polícia de Baltimore, adiantado não
haver indícios de terrorismo ou de ataque propositado à ponte. Porém, as
autoridades estaduais e federais estão a investigar as causas do acidente em
conjunto com a empresa dona do navio.
Na altura, estavam vários veículos na ponte, incluindo um do tamanho de um
trator-reboque.
“O nosso objetivo,
neste momento, é tentar resgatar e recuperar estas pessoas”, disse Kevin Cartwright,
antecipando que é muito cedo para se saber quantas pessoas foram afetadas, mas
referindo que parecia haver “alguma carga ou retentores pendurados na ponte”,
que geraram condições inseguras e instáveis, pelo que as equipas de emergência
estavam a operar com prudência. “Esta é uma emergência terrível”, considerou.
A
ponte, com 1,6 quilómetros de comprimento, foi inaugurada em 1977.
***
João Frade, vice-presidente da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique
e professor de segurança marítima e manobra e governo de navio, e Pedro Pacheco,
professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e Presidente da
BERD – Projeto, Investigação e Engenharia de Pontes, apontam as causas
prováveis do acidente.
“Tudo indica que será uma falha técnica”, sustenta João Frade. Instantes
antes de embater na ponte, vários vídeos publicados nas redes socias mostravam
uma falha de energia no navio, batizado de ‘Dali’. Ora, sem energia é
impossível controlar o rumo da embarcação. Mesmo assim, “existem algumas
manobras que podem ser realizadas de emergência, como o fundear, que é largar a
amarra para tentar imobilizar o navio, sem causar ali qualquer estrago”,
observa o especialista.
“É um navio com uma dimensão já considerável, carregado, e, portanto, tem
ali mais dificuldade” de manobra, em especial considerando que estava próximo
da ponte e tinha acabado de sair do porto. “Um blackout [apagão]
faz com que pare tudo, depois existem alguns geradores de emergência para
garantir alguns equipamentos, mas quando há um blackout ficam
sem capacidade de propulsão, ou seja, sem capacidade de governo”, explica o
professor, rejeitando a hipótese de possível erro na navegação, ao afirmar que
“todos os navios, de acordo com a legislação internacional e as boas práticas,
têm de ter um plano de viagem que é elaborado de cais a cais”, para assegurar
que o navio apenas atravessa zonas seguras. “Parto do princípio de que isso
estava cumprido e não foi por uma falha de planeamento, até porque aparentemente
a visibilidade era boa”, discorre.
O mesmo especialista considera improvável que o acidente se deva a uma corrente do rio que tenha desviado o curso da embarcação, em especial porque as correntes são determinadas antes de se iniciar a viagem e há manobras de navegação específicas para as compensar.
Quando se observa o momento em que o navio embate na ponte, o desabamento ocorre rapidamente. “Normalmente, quando há acidentes nos pilares e há uma rutura de um pilar, há um colapso dos vãos adjacentes. Isto é uma ponte de grande dimensão e os vãos adjacentes são uma parte importantíssima da ponte”. Por isso, “é normal haver um colapso desta dimensão”, explica Pedro Pacheco. E, sobre os possíveis motivos que levaram ao desabamento da ponte, afirma ser “precisa muita prudência a falar de um acidente”. O professor lembra que o possível embate de navios é contemplado nos regulamentos de vários países, mas o nível de carga que se considera para o embate pode ter desempenhado papel crucial. Nas últimas décadas, as pontes são construídas, considerando cargas maiores, como tal, “o navio podia ter uma carga muito superior aquilo que estava previsto”, admite.
A falta de recursos técnicos cada vez mais evidente no Mundo ocidental
também pode ser fator a ter em consideração. “É expectável que ocorram mais
acidentes do que ocorriam em várias áreas que dependem de técnicos
qualificados. Isto pode ser na aviação, na engenharia de pontos, ou na engenharia
de edifícios”, afirma o especialista.
Em março de 2001, a ponte Hintze-Ribeiro, que ligava Castelo de Paiva a
Entre-os-Rios, em Portugal, colapsou, causando a morte de 59 pessoas. Em agosto
de 2018, o desabamento da ponte Morandi, em Génova, no Norte da Itália,
provocou a morte de 43 pessoas. Um ano depois, em 2019, duas pessoas morreram,
quando uma ponte colapsou em Toulouse, na França. Em julho de 2023, uma
ponte desabou parcialmente na cidade de Patras, na região Oeste da Grécia, o
que vitimou duas pessoas.
Para prevenir a rutura de ponte, é preciso prever o embate, possuir larga zona
de navegação, o que é impossível naquela zona em Baltimore, e evitar colocar
pilares na zona de navegação, o que, segundo Pedro Pacheco seria impossível,
devido à extensa dimensão da ponte em Baltimore.
***
Fernando Branco – professor
catedrático do Instituto Superior Técnico (IST), onde dirige a Secção de Construção, e presidente da
IABSE-International Association for Bridge and Structural Engineering
(Zurique), a mais antiga associação científica mundial de engenharia de
estruturas, em que participam 100 países – sustentava, a 19 de agosto de 2018, que
não há nenhuma ponte absolutamente segura.
Dizia que, em Génova, “houve
claramente um problema de corrosão que não foi travado por falta de manutenção”.
E sentenciava: “As pontes são feitas para cair, se não se fizer manutenção.”
O especialista admitia que a queda daquela ponte tenha tido
origem na falta de manutenção e na tecnologia usada na sua construção em 1969,
que a torna muito vulnerável, bastando partir-se um tirante para um dos três
blocos (torres) da ponte desabar.
A ponte Morandi tem três blocos
(torres) que a sustentavam e o maior caiu. Foi construída em 1969 e cada bloco tinha
só um tirante (cabo em tração) para cada lado. Era uma estrutura pouco
redundante: se falha um elemento, cai tudo. Basta que se parta um tirante para
cada bloco se desequilibrar e desabar. Por isso, estas pontes evoluíram para
pontes do tipo da Vasco da Gama, em que há uma série de tirantes. Se rebentar
um, a ponte não cai, os outros aguentam a estrutura.
Achou estranho que, na comunicação sobre
os trabalhos de manutenção da ponte, feitos em 2000, apresentada por um
investigador do Departamento de Engenharia de Estruturas do Politécnico de
Milão, numa conferência em 2010, se tenha referido que não foi feita qualquer
intervenção no bloco n.º 9 da ponte – o que caiu –, porque os seus tirantes
estavam menos degradados do que os dos outros blocos. Assim, houve um problema
de corrosão não travado, por falta de manutenção.
Considerando que não
temos a certeza de que uma ponte é segura, Fernando Branco disse: “As pontes são feitas para cair se não
se fizer manutenção. No fundo, não há nenhuma ponte que seja segura.”
Sobre os materiais,
referiu que todos se degradam, pela ação do ambiente. Assim, quando as pontes começaram a ser
feitas em ferro, no século XIX, percebeu-se que o ferro tinha corrosão, ou
seja, oxidava em contacto com o ar. Por isso, surgiram os sistemas de
manutenção.
Quanto ao betão
armado, que surgiu no final do século XIX, enfatizou que é uma pedra artificial com aço
dentro. Os cientistas diziam que era o material ideal, porque o problema da
corrosão do aço ficava resolvido: estando dentro do betão não ficava em
contacto com o ar. Porém, enganaram-se. Os problemas surgiram nos anos 70/80 do
século XX, cerca de 50 anos depois do uso se generalizar. Quando se fez a ponte
de Génova, ainda não se conhecia o fenómeno.
Para a degradação do betão
armado, o especialista aduz dois grandes fenómenos: a carbonatação e o relacionado com os
cloretos. No atinente ao primeiro, revela que o betão, quando é fabricado, tem
um pH básico – o pH uma escala numérica que
determina o grau de acidez de uma solução aquosa, baseado na concentração de
iões hidrónio (H3O+), ou seja, o cologaritmo da atividade de iões
hidrónio – mas, em contacto com o dióxido de carbono (CO2)
ambiental e com a humidade vai-se transformando de básico em ácido, gerando uma
frente que avança pelo betão adentro. E quando esta frente ácida chega aos
ferros, começam a corroer. O outro fenómeno está relacionado com os cloretos,
nomeadamente com o sal marítimo, pelo que as estruturas de betão armado junto
ao mar se degradam mais. O sal vai entrando pelos poros do betão e, ao atingir
o aço, este começa a corroer e pode levar ao colapso das estruturas. Nos anos
70/80 do século XX, surgiram estruturas degradadas por todo o lado. Ora, desde
que o aço esteja corroído, a única solução é “substituí-lo por betão armado
novo”.
Por exemplo, a Ponte da Arrábida, no Porto, construída nos
anos 60, foi toda reabilitada. A partir do desastre de Entre-os-Rios, em 2001,
tudo mudou, em manutenção e em inspeção, ficando com mais rigor. O mais
avançado foi na Ponte Vasco da Gama, em Lisboa (1998). A equipa que lançou o concurso
para a construção impôs uma vida útil de 120 anos. Assim, a frente de
degradação que vai avançando no betão não pode chegar ao aço em 120 anos. Isso
obrigou a estudar betões especiais e medidas para evitar a corrosão, incluindo
obras de manutenção.
As pontes eram projetadas para uma
vida útil de 50 anos, que não tinham a ver com a degradação dos materiais mas
com outra questão. Um projeto de ponte tem de prever, para a sua vida útil, as
ações que podem ocorrer e para as quais tem de estar preparada, por exemplo, sismos
de grande magnitude, ventos muito fortes. Porém, descobertos os problemas do betão,
criou-se nova legislação, uma norma europeia que define as regras para garantir
50 anos de vida útil. Assim, projetar uma ponte para 50 anos é prepará-la para
suportar sismos, ventos, etc., mas também para não ter corrosão durante 50
anos.
***
Como em tudo, a vigilância e a manutenção constituem a alma do
negócio.
2024.03.26 – Louro de Carvalho
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