O novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM),
uma agência das Organização da Nações Unidas (ONU), publicado a 19 de março,
mostra que foram batidos recordes e, em alguns casos, “pulverizados”, em termos
de níveis de gases com efeito de estufa, temperaturas à superfície, teor de
calor e acidificação dos oceanos, subida do nível do mar, extensão da camada de
gelo da Antártida e recuo dos glaciares.
O estado do clima global mostra um planeta “à beira do colapso” e “a poluição causada
pelos combustíveis fósseis está a provocar um caos climático sem precedentes”,
alertou o secretário-geral da ONU. “Ainda há tempo de lançar uma boia de salvação
às pessoas e ao planeta” disse António Guterres, afirmando que é preciso agir
agora.
O relatório
confirma que 2023 foi o ano mais quente de que há registo (por margem significativa),
com uma temperatura média da superfície do planeta de 1,45 graus centígrados (1,45°C)
acima da época pré-industrial. Ora, de acordo com os especialistas, “cada
fração de um grau de aquecimento global tem um impacto no futuro da vida na
Terra”.
“A crise climática é o desafio determinante que a Humanidade enfrenta e
está indissociavelmente ligada à crise das desigualdades, como evidenciado pela
crescente insegurança alimentar, deslocação da população e perda de biodiversidade”, acrescentou a nova secretária-geral da OMM, Celeste
Saulo, segundo a qual ondas de calor, inundações, secas, incêndios florestais e
a rápida intensificação dos ciclones tropicais estão a semear “a miséria e o
caos”, perturbando a vida quotidiana de milhões de pessoas e causando perdas
económicas de vários milhares de milhões de dólares, alerta a OMM.
Esta é também
a década mais quente (2014-2023) de que há registo, ultrapassando a média de
1850-1900, em 1,20°C, devendo-se o aumento da temperatura global, a longo prazo,
ao aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, que
atingiu níveis recorde em 2022. E a chegada do “El Niño” (aumento da
temperatura da água no oceano Pacífico), em meados de 2023, também contribuiu
para o rápido aumento das temperaturas. “Nunca estivemos tão perto – ainda que
temporariamente, por enquanto – do limite inferior de 1,5°C, estabelecido no
Acordo de Paris sobre as alterações climáticas”, afirmou Celeste Saulo,
vincando que “a comunidade da OMM está a fazer soar o alerta
vermelho para o Mundo”.
“As alterações climáticas são muito mais do
que as temperaturas”, observa a secretária-geral da OMM, frisando: “O que testemunhámos, em 2023,
especialmente com o aquecimento sem precedentes dos oceanos, o recuo dos
glaciares e a perda de gelo marinho na Antártida, é motivo de particular
preocupação.”
O relatório da OMM sobre o estado do clima mundial faz o
balanço de numerosos indicadores da crise climática, bem como dos seus impactos
desastrosos nas pessoas, sob a forma de ondas de calor, inundações, secas,
incêndios florestais e ciclones tropicais que se intensificam rapidamente. “As
sirenes estão a tocar em todos os principais indicadores”, comenta o secretário-geral
da ONU, sustentando: “Alguns recordes não estão apenas no topo das tabelas,
estão a rebentar com as tabelas. E as mudanças estão a acelerar.”
O nível do mar subiu 3,34 mm por
ano, em média, nos últimos 30 anos. Mais do que duplicou, passando de 2,13 milímetros
(mm)/ano, entre 1993 e 2002, para 4,77 mm/ano, entre 2014 e 2023. Porém, em
2023, o nível médio global do mar atingiu novo máximo no registo de satélite (o
nível mais elevado nos 65 anos de registo observacional), que remonta a 1993. Isto
deve-se ao aquecimento contínuo dos oceanos, que provoca a expansão da água,
bem como ao degelo dos glaciares e dos mantos de gelo. A mudança das condições
de La Niña para El Niño, em meados de 2023, contribuiu para o rápido
aumento da temperatura, tanto em terra como na água.
Porém, os padrões típicos de
aquecimento associados ao fenómeno meteorológico (o aquecimento do Oceano
Pacífico) não explicam outras áreas de aquecimento invulgar, como o Atlântico
Nordeste. Esta massa de oceano sofreu ondas de calor marinhas generalizadas,
a partir da primavera, com o pico em setembro, que persistiram até ao fim do
ano, quando as temperaturas estiveram 3°C acima da média. Num dia médio de
2023, quase um terço do oceano global foi atingido por uma onda de calor
marinha, prejudicando os ecossistemas marinhos e os recifes de coral. No final
do ano, mais de 90% do oceano tinha registado, em algum momento, condições de
onda de calor.
A partir de abril, as temperaturas
médias globais da superfície do mar (SST) atingiram um nível recorde. E os
peritos da OMM preveem que o aquecimento continue em 2024 – uma mudança
irreversível numa escala de centenas a milhares de anos.
A extensão do gelo marinho antártico
(a área total coberta por, pelo menos, 15% de concentração de gelo) foi de
longe a mais baixa de que há registo. No final do inverno, estava 1 milhão de
quilómetros quadrados abaixo do recorde do ano anterior – área equivalente à
França e à Alemanha juntas.
Os glaciares de “referência” global –
os que foram monitorizados durante tempo suficiente para medir as alterações
relacionadas com o clima – também sofreram a maior perda de gelo de que há
registo (desde 1950), graças a degelo extremo na América do Norte e na Europa. Os
glaciares dos Alpes europeus sofreram uma estação de fusão extrema. E, na
Suíça, os glaciares perderam cerca de 10% do seu volume remanescente nos
últimos dois anos.
“A cobertura de gelo do Mundo, em
terra e flutuando no mar, presta importante serviço ao nosso clima, refletindo
a energia solar de volta para o espaço e armazenando a água que, de outra forma,
inundaria as nossas costas”, considera Martin Siegert, especialista em clima polar
da Universidade de Exeter, sustentando que “o Mundo sentirá os efeitos nocivos
agora e no futuro, porque as alterações observadas conduzirão a processos de
retroação que incentivarão novas alterações”.
“A nossa única reação deve ser parar
de queimar combustíveis fósseis para que os danos possam ser limitados. Essa é
a nossa melhor e única opção”, afirma o especialista. Na verdade, o aumento a
longo prazo da temperatura global deve-se ao aumento das concentrações de gases
com efeito de estufa na atmosfera, grande parte devido à queima de combustíveis
fósseis.
As concentrações dos três principais
gases com efeito de estufa – dióxido de carbono, metano e óxido
nitroso – atingiram níveis recorde, em 2022. Os dados em tempo real de locais
específicos mostram um aumento contínuo em 2023. Os níveis de CO2 são 50% mais
elevados do que na era pré-industrial, retendo o calor na atmosfera.
O relatório da OMM apresenta em
pormenor os fenómenos meteorológicos extremos que assolaram o Mundo, no ano passado.
Em julho, o Sul da Europa foi assolado por calor extremo, tendo as
temperaturas, em Itália, atingido 48,2ºC. Em setembro, as inundações provocadas
pela precipitação extrema do ciclone mediterrânico Daniel afetaram a Grécia, a Bulgária,
a Turquia e a Líbia, tendo morrido milhares de pessoas na Líbia.
Os riscos climáticos e meteorológicos
extremos agravaram os desafios para muitas populações vulneráveis, em todo o Mundo,
continuando a provocar insegurança alimentar e deslocações.
No entanto, o relatório expõe o
grande défice de financiamento climático. Para manter o objetivo de 1,5°C,
os investimentos anuais em financiamento climático têm de aumentar mais de seis
vezes, atingindo quase 9 mil milhões de dólares (8,3 mil milhões de euros), até
2030, e mais 10 mil milhões de dólares (9,2 mil milhões de euros), até 2050.
Porém, o custo da inação é muito mais elevado. Mantendo-se o status quo, as alterações climáticas
podem causar danos de, pelo menos, 1266 mil milhões de dólares (1166 mil
milhões de euros), entre 2025 e 2100.
A OMM sugere que isto deve incitar o
mundo a agir. E os peritos encontram “um vislumbre de esperança” na velocidade
da transição para as energias renováveis. Com efeito, em 2023, as adições
de capacidade renovável aumentaram quase 50% em relação a 2022, para um total
de 510 gigawatts (GW) – a taxa mais elevada observada nas últimas duas décadas.
***
A tendência
das alterações climáticas é de agravamento. Efetivamente, o mês de fevereiro de
2024 foi o fevereiro mais quente, a nível mundial, desde que há registos, de
acordo com programa europeu Copernicus, que tem, entre os seus vários serviços,
um que monitoriza as alterações climáticas e outro a atmosfera. A média global
da temperatura do ar à superfície, em fevereiro, foi de 13,54°C, afirmou a
instituição sediada em Bona, na Alemanha, no seu boletim mensal.
Esta
temperatura está 0,81°C acima da média de fevereiro, para o período de 1991 a
2020, e 0,12°C acima do anterior recorde de fevereiro mais quente, registado em
2016.
Desde junho
de 2023, todos os meses têm batido o recorde histórico mensal de temperatura. “O
clima responde às concentrações atuais de gases com efeito de estufa na
atmosfera, pelo que, a menos que consigamos estabilizá-las, enfrentaremos
inevitavelmente novos recordes de temperatura global e as suas consequências”,
alertou o diretor do Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas, Carlo
Buontempo.
Fevereiro
foi 1,77°C mais quente do que a média estimada para o período de referência
pré-industrial (1850-1900). A temperatura média global dos últimos 12 meses
(março de 2023 a fevereiro de 2024) é a mais elevada de que há registo, 0,68°C
acima da média de 1991-2020 e 1,56°C acima da média pré-industrial de
1850-1900.
As
temperaturas europeias, em fevereiro, foram 3,30°C superiores à média de
fevereiro de 1991-2020. E, fora da Europa, as temperaturas estiveram acima da
média no Norte da Sibéria, no Centro e no Noroeste da América do Norte, na
maior parte da América do Sul, em África e no Oeste da Austrália. O fenómeno El
Niño continuou a enfraquecer no Pacífico equatorial, mas as temperaturas
globais do ar marítimo mantiveram-se invulgarmente elevadas.
A
temperatura média global da superfície do mar, para fevereiro, foi de 21,06°C,
a mais elevada para qualquer mês e acima do anterior recorde de agosto de 2023
(20,98°C).
O tempo foi
mais húmido do que a média na Europa, numa vasta faixa desde a Península Ibérica
até à Rússia ocidental, no Reino Unido e na Irlanda, no Sul da Escandinávia e
nos Alpes. Em contrapartida, observaram-se condições mais secas do que a média,
na maioria dos países mediterrânicos, em partes dos Balcãs, em grande parte da
Turquia, nas regiões da Islândia e do Norte da Escandinávia, bem como em grande
parte da Rússia ocidental.
Além da
Europa, fevereiro foi mais húmido do que a média na parte ocidental e no Nordeste
da América do Norte, numa vasta região da Eurásia até à Ásia Central, em partes
da China e do Japão, no Sudeste do Brasil, em partes da África Austral e no Norte
da Austrália. E registaram-se condições mais secas do que a média em partes da
América do Norte, no Corno de África, na Península Arábica, no Centro Sul da
Ásia, na maior parte do Sul de África, na América do Sul e na Austrália.
Quanto à
extensão do gelo do Ártico, esta foi 2% inferior à média, em fevereiro, embora
não tão baixa como nos anos mais recentes, particularmente em comparação com a
extensão mínima registada em igual mês de 2018 (6% inferior à média). Contudo,
a extensão do gelo do Ártico, em fevereiro, está muito abaixo dos valores
observados nas décadas de 1980 e 1990.
Segundo o Copernicus,
2023 teve temperatura média global de 14,98ºC, mais 0,17ºC do que 2016, que
detinha o título de ano mais quente desde que há registos, que remontam a 1850,
e foi 0,60ºC mais quente do que a média
de 1991-2020 e 1,48ºC mais quente, face ao período pré-industrial (1850-1900).
Pela primeira vez, todos os dias do ano
tiveram temperaturas, pelo menos, 1ºC acima do nível pré-industrial, estimando-se
que a temperatura média global exceda 1,5ºC a da era pré-industrial, num
período de 12 meses a acabar em janeiro ou fevereiro de 2024. A
confirmar-se tal estimativa, fica
gorada a meta do acordo de Paris, que fixou o limite do aumento da temperatura
média mundial em 1,5ºC, em relação ao nível pré-industrial. A extensão
de gelo marinho na Antártida atingiu níveis mínimos históricos em fevereiro, com
concentrações baixas recorde durante oito meses. E um dos mais importantes sistemas de correntes marítimas dá sinais de
atingir o ponto de rutura. Se tal suceder, terá impacto no clima, nas espécies e
na vida.
Há que parar, pensar e agir em conjunto.
2024.03.19 – Louro de
Carvalho
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