A 28 de
fevereiro, na 16.ª Reunião Anual da “Global Alliance for Banking on Values”
(GABV) – também conhecida por Aliança Mundial de Bancos Éticos –, mais de 71
bancos pedem que o setor financeiro pare de investir em guerras. É o apelante
contraponto à postura dos 15 maiores bancos da Europa que investem 87,72 mil milhões
de euros em empresas de armamento.
Com as
guerras na Ucrânia e na Terra Santa, as empresas do setor voltaram ao centro
das atenções, depois de um período em que foram excluídas dos fundos de pensão
ou dos fundos soberanos. E Barbara Setti, do departamento de pesquisa da GABV
sustenta que os gastos globais com defesa cresceram para 9%, em 2023.
Estes dados
emergem do sobredito relatório intitulado “Finance for War. Finance
for Peace” (Finanças para a Guerra. Finanças para a paz) e encomendado pela Fundação Finança
Ética e pela GABV, realizado pela Merian Research e apresentado na reunião
anual da GABV em Pádua e Milão, sobressaindo como, entre 2020 e 2022, as
instituições financeiras – incluindo grandes bancos, grandes seguradoras,
fundos de investimento, fundos soberanos e fundos de pensão – apoiaram o setor
da Defesa com, pelo menos, um milhão de biliões de dólares.
Para
ilustrar a importância e a dimensão dos dados publicados pela Fundação Finança
Ética à Rádio Vaticano – Vatican News, Barbara Setti , referiu que os gastos globais com a Defesa
em 2023 cresceram 9%, o que significa mais de dois milhões de biliões e 200 mil
milhões de dólares – número calculado por padrão, pois obter dados neste campo
é trabalho muito complicado, por a indústria de armas não ser muito
transparente e por não existir um banco de dados oficial que contabilize todos
os investimentos, empréstimos e serviços de todas as instituições bancárias e
financeiras do Mundo, no setor das armas.
Segundo a especialista, o mercado de ações do setor nos Estados Unidos
da América (EUA) aumentou 25%, no último ano e meio, enquanto o índice de ações
do setor aeroespacial europeu aumentou mais de 50%, no mesmo período.
Os bancos e outras instituições financeiras são participantes ativos
nesse contexto, de modo que os principais bancos, as grandes seguradoras, os
fundos de investimento, os fundos de pensão e os fundos soberanos, juntos,
apoiaram o setor da Defesa com, pelo menos, um milhão de biliões de dólares e,
em 99,9% dos casos, de forma totalmente consciente. O setor do armamento é um
setor lucrativo, pelo que vale a pena apoiá-lo e, assim, os conflitos militares
são facilitados.
Para onde vão os dinheiros com que engrossamos as companhias de
seguros, tão avaras em satisfazer os compromissos com os seus tutelandos, que
são pagadores, tal como os fundos de pensão que vão empobrecendo os seus
beneficiários, pois para isso contribuíram e não pouco! O mesmo se dirá dos
fundos soberanos, que deviam sustentar o zelo governativo pela causa pública e
pela promoção do Estado social (com acesso de todos à Saúde, à Educação, à
Proteção Social, à Cultura, à Habitação). Não há dinheiro para nada, exceto
para a guerra e para salvar a banca!
A guerra na Ucrânia e a escalada do conflito israelo-palestiniano
levaram as empresas de Defesa a regressar ao centro das atenções. E não só: em
novembro de 2023, os ministros da Defesa da União Europeia (UE) assinaram uma
declaração conjunta para facilitar o acesso do setor da Defesa ao
financiamento.
O relatório da GABV também analisa comparativamente entre o investido
em armamento e o que poderia ser feito noutras áreas com os mesmos valores. Tal análise foi realizada pelo International Peace Bureau, um
instituto internacional independente, que demonstrou que, com os recursos
financeiros necessários para operar a fragata europeia da classe FREMM – um
enorme navio militar – seria possível pagar os salários de quase 11 mil médicos
num ano; que um avião de combate F-35 equivale a mais de três mil leitos numa
unidade de terapia intensiva; e que um submarino nuclear vale quase 10 mil
ambulâncias.
Isto não é um ingénuo exercício de cálculo, mas um sinal de que a
política decide direcionar o investimento para um determinado setor, em vez de o
fazer para outro.
Há sempre uma opção para onde alocar os recursos financeiros, se não olharmos
exclusivamente para o lucro. Essa é a questão crucial das finanças éticas. O lucro é uma componente,
mas não a única, do que as instituições financeiras fazem com o dinheiro dos
poupadores. “Para criar um sistema financeiro que não atenda apenas a retornos
de curtíssimo prazo, mas que seja um sistema financeiro voltado para a
sociedade e para o bem comum, é preciso analisar os impactos de médio prazo, os
impactos sociais, os impactos ambientais e os pactos de boa governança”,
sustenta a especialista.
***
Já o
historiador romano Tito Lívio sentenciava: “A guerra alimentar-se-á a si
mesma.” A frase é particularmente relevante hoje, quando a proliferação de
guerras no Mundo desencadeia uma espiral aparentemente inescapável de aumento
dos gastos militares, tendência preocupante, que atingiu, em 2023, novos
recordes, como ficou explicitado, e que diz respeito de perto ao setor das finanças,
que apoia a produção e o comércio de armas, em vez de contribuir para a
vitalidade da economia, de garantir a sustentabilidade dos Estados e de promover
o bem-estar das populações (devo estar a sonhar). O facto foi denunciado pelo
relatório da GABV, a aliança mundial de 71 bancos éticos reunida, pela primeira
vez, na Itália, entre Milão e Pádua, de 26 a 29 de fevereiro.
“Os bancos e
o setor financeiro não são apenas corretores de dinheiro, mas agentes críticos
de mudança”, refere o prefácio do relatório de 32 páginas. Mais de metade do
investimento total no setor de armas, mais de 500 mil milhões, vem dos EUA. E
as 12 instituições financeiras que mais investem na produção de armas são todas
estadunidenses: uma classificação liderada, com 92 mil milhões de dólares, pelo
grupo Vanguard. Os 15 maiores bancos europeus investiram 87,72 mil milhões de
euros em indústrias produtoras de armas – tendência semelhante à da Ásia, enquanto,
entre as 100 principais instituições financeiras que investem no setor de armas,
não há investidores da África ou da América Latina.
O ano
passado marcou um novo recorde de gastos com a Defesa: globalmente, foram
gastos cerca de dois mil biliões de dólares e 240 mil milhões, ou 2,2% do produto
interno brito (PIB) mundial, um aumento de 9%, face ao ano anterior. Nesse
cenário, o setor financeiro é muito ativo: entre 2020 e 2022, apoiou o setor da
Defesa com, pelo menos, mil biliões de dólares. E a tendência intensificou-se
com a eclosão de guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, somando-se aos muitos
conflitos, quase esquecidos, que se arrastam do Sudão a Mianmar, por exemplo.
A eclosão da
guerra na Ucrânia, a 24 fevereiro de 2022, fez com que o valor das ações das
empresas de armamentos disparasse. Uma análise do Financial Times revela
que a carteira de pedidos de novos armamentos atingiu níveis recordes, em 2022
e no primeiro semestre de 2023 – tendência que aumentará a curto prazo, devido
à eclosão do conflito entre Israel e o Hamas, em outubro de 2023. Entre os dez
stocks globais que mais progrediram, desde o início de 2024, estão o fabricante
alemão de munições Rheinmetall e a norueguesa Kongsberg.
Os bancos éticos
estão a remar contra a maré. Em Milão, foi adotado um Manifesto que condena
todas as guerras e pede às instituições que revertam a tendência e invistam no
financiamento da paz. É um apelo urgente, visto que os gastos militares estão a
crescer exponencialmente, enquanto os recursos para serviços essenciais, como
escolas e assistência médica, são difíceis de encontrar. Uma análise do
International Peace Bureau traduziu o custo de armamentos específicos em bens e
serviços de saúde: uma fragata multifuncional europeia (Fremm) vale o salário
de 10662 médicos por ano – média dos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE); um
caça F-35 equivale a 3244 leitos de terapia intensiva e um submarino nuclear da
Virgínia custa o mesmo que 9180 ambulâncias. Metade dos recursos alocados pelos
governos, em todo o Mundo, para as forças armadas bastaria para dar assistência
médica básica a todos, no planeta, e para reduzir consideravelmente as emissões
de gases de efeito estufa.
***
Entretanto, Israel atacou uma multidão, a 29 de
fevereiro, a oeste da cidade de Gaza: mais de 100 mortos e mais de 700 feridos.
As vítimas foram palestinianos que
esperavam por ajuda humanitária e estavam perto da rotatória de Nabulsi, na
Al-Rashid Street. Testemunhas e o correspondente da TV do Catar relataram que a multidão foi atacada com projéteis de
artilharia, mísseis de drones e tiros. Outros ataques aéreos israelitas
ocorreram contra os campos de refugiados de Nuseirat, Bureij e Khan Yunis e
causaram, pelo menos, 30 mortes, elevando o número de vítimas fatais desde o
início do conflito para mais de 30 mil.
A situação
das crianças também é dramática: de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), um
milhão de crianças em Gaza sofre de insegurança alimentar e seis crianças
morreram no hospital, devido à desnutrição e à desidratação. “Pedimos às
instituições internacionais – diz o chefe da saúde em Gaza – que tomem medidas
imediatas para evitar uma catástrofe humanitária no norte da Faixa”. É um apelo
que os EUA parecem ter aceitado, pois, de acordo com o jornal Axios, a Casa Branca está a considerar
lançar ajuda humanitária sobre Gaza a partir de aviões militares, já que as
entregas por terra estão a tornar-se cada vez mais complexas. Enquanto isso, as
negociações entre as partes continuam no Catar, embora as posições ainda
estejam distantes. O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, deixa claro que o
movimento demonstra flexibilidade nas negociações, para chegar a um acordo para
a libertação dos reféns israelitas e a um cessar-fogo temporário. Porém, ao
mesmo tempo, diz que está pronto para continuar a luta.
A chegada de
março torna tudo mais crucial: na noite do dia 10, começa o mês do Ramadão e a
questão da segurança será ainda mais urgente. Por um lado, Israel anunciou
medidas restritivas à entrada na Esplanada das Mesquitas – Monte do Templo, em
Jerusalém; por outro, o Hamas apelou aos Palestinianos a que se dirigissem em
massa ao local no primeiro dia do Ramadão. Os EUA intervieram, pedindo a Israel
que “facilite o acesso” ao local “para os fiéis pacíficos”.
Novo apelo à
deposição das armas vem da declaração conjunta da França e do Catar, após reunião,
a 28 de fevereiro, no Palácio do Eliseu entre o presidente francês, Emmanuel
Macron, e o emir do Catar, Tamim ben Hamad Al-Thani. “Opomo-nos a um ataque a
Rafah e pedimos a abertura de todas as passagens, incluindo o norte da Faixa de
Gaza”, diz a declaração, que reitera a necessidade de um “cessar-fogo imediato
para permitir a entrada de ajuda humanitária em Gaza”.
Também ocorreu
uma conversa telefónica, na noite de 28 para 29 de fevereiro, entre o ministro
da Defesa israelita, Yoav Gallant, e o seu homólogo dos EUA, Lloyd Austin,
concentrada nas operações militares contra o Hamas realizadas por Israel.
Segundo o jornal The Times of Israel,
os dois discutiram os acontecimentos ao longo da fronteira libanesa, onde
drones e mísseis do Hezbollah são lançados constantemente contra o Norte de
Israel. A esse respeito, Gallant enfatizou a Austin que Israel não “tolerará
ameaças contra os seus cidadãos e violações da sua soberania, e tomará as
medidas necessárias para garantir sua segurança".
Também no
dia 28 de fevereiro, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu
reuniu-se, em Jerusalém, com Sigrid Kaag, coordenadora humanitária da Organização
das Nações Unidas (ONU). Uma reunião que Netanyahu considerou como “produtiva”
e focada nos “desafios atuais da região e nas possíveis maneiras de os
enfrentar. E, na frente palestina, o presidente Mahmoud Abbas recebeu, em
Ramallah Philippe Lazzarini, comissário geral da UNRWA, a agência da ONU para
os refugiados palestinianos. Abbas lembrou, segundo o jornal palestiniano Wafa, que a UNRWA fornece serviços
fundamentais aos refugiados, de acordo com as resoluções da ONU e pediu à comunidade
internacional que apoiasse a agência com os fundos necessários.
Por fim, é
de referir a reunião que ocorreu entre 29 de fevereiro e 1 de março, em
Moscovo, sob a égide da Rússia, com a participação dos representantes do Hamas,
do Fatah e de outras forças políticas pertencentes à Organização para
a Libertação da Palestina (OLP), para
acordar um governo de unidade nacional, com tecnocratas. Para já, sabe-se que
proclamaram: “Unidade!”
2024.03.01 – Louro de Carvalho
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