Em
dia de eleições de 230 deputados à Assembleia da República (AR), cumpri o dever
cívico e exerci o direito de votar. Por isso, considero que o meu voto foi útil
à satisfação da minha consciência cívico-política e à realização da democracia
numa sociedade plural.
Pode
a minha postura eleitoral não ter sido útil (ou ter sido) no sentido do que os
apelantes ao voto útil queriam dizer, mas não é isso que me interessa. O que me
interessa é ter a certeza de que votei em consciência, tendo em conta os
projetos que se delinearam para o futuro do país e considerando as atuais
circunstâncias dramáticas na Europa e no Mundo. Por mais eclipsada que
esteja a covid-19, ela continua a prejudicar a saúde e a matar; as viroses e as
pneumonias continuam; as infeções sexualmente transmissíveis sobem na Europa e
no país; a violência aumenta nas escolas; as guerras continuam e algumas não
têm fim à vista; os poucos muito ricos ficam mais ricos e os muitos pobres
ficam ainda mais pobres; os grandes salários aumentam, mas os salários médios
não descolam.
Também
me interessa a satisfação de ter contribuído, com a minha pedrada no charco,
para a saúde da democracia pluralista, num momento em que se tenta impor o
pensamento único acerca de matérias importantes e alguns pretendem limpar o
país, com a adesão de grandes franjas populacionais, que sentem os seus
problemas adiados para as calendas gregas; e quando a corrupção e crimes afins
enxameiam alguns setores públicos e empresariais, a par da existência de um
escol que se julga impoluto e incorruptível.
Independentemente
da formação partidária que tenha ganho as eleições ou do plantel que forme uma
maioria absoluta ou relativa (pelos vistos só relativa) que possibilite ao Presidente
da República (PR) a formação do novo governo (ouvidos os partidos com assento
parlamentar e tendo em conta os resultados do sufrágio eleitoral), uma coisa é
certa: a AR terá uma nova composição, com outra correlação de forças, com outro
equilíbrio, com outra assimetria e com outra distribuição de mandatos (já não
são distribuídos maioritariamente só por dois partidos), constituindo-se o
espaço, por excelência, da representatividade nacional.
No
momento em que escrevo, tudo aponta para a vitória da Aliança Democrática (AD)
(quiçá sem maioria absoluta), com uma hipotética exclusão parlamentar de um
partido (o que não se confirma), mas com a reinclusão de outro (à boleia da
AD). O Partido Socialista (PS) ficará em segundo lugar, sem a hecatombe prognosticada
por alguns (até fica muito perto da AD), e o Chega sobe exponencialmente, como
alguns previam.
Será,
porventura, o fim de um ciclo de governação do PS e um novo ciclo de
governabilidade difícil ou possível, consoante a vontade e a tolerância políticas
que se afirmarem ou não.
O
secretário-geral do PS fez saber que não criará impasses constitucionais, mas
que não viabilizará, à partida, orçamentos da AD. E o líder da AD, que garantiu
que o “não é não”, a propósito de uma aliança pós-eleitoral com o Chega, poderá
ser levado a voltar atrás ou terá uma governação a prazo. Ora, a governação a
prazo lançará o país numa situação de pântano, pois a Administração Pública,
sem programações autónomas, está sempre muito dependente das oscilações
governamentais. Veja-se, por exemplo, o concurso público para a aquisição de
algumas das novas embarcações, que está pendente do que vier a decidir o novo
governo, quando se pensava que a decisão estava tomada e que era
irreversível.
***
Lamento
que as diversas formações partidárias tenham gastado demasiado tempo a
proclamar que o voto útil era neste ou naquele partido ou coligação, à esquerda
ou à direita e a colar uns partidos aos outros, umas vezes de forma mais
normal, outras vezes de forma bastante anómala.
Perderam
imenso tempo os comentadores, políticos (ou nem tanto), a exigir cenários
pós-eleitorais de governabilidade, como a protagonizar a análise da prestação
dos diversos candidatos e o juízo avaliativo da mesma, ousando dispensar os
eleitores de fazerem a sua própria avaliação e decidir, em consciência, em quem
votar.
Alguns
comentadores políticos conotados com determinadas áreas partidárias e que têm
espaços próprios nos canais televisivos (alguns de sinal aberto) com
determinada opção política, sem possibilidade de contraditório, vergonhosamente
não suspenderam tais prestações durante o período pré-eleitoral e saltaram,
oportunisticamente, para a campanha eleitoral.
Houve
canais de televisão, rádios e jornais que tiveram, explicitamente, uma
determinada orientação partidária e outros ousaram sujeitar alguns candidatos
(provavelmente seriam desconsiderados se o recusassem) a programas de excessiva
intimidade ou de refinado sentido humorístico.
Alguns
candidatos foram surpreendidos por tentativas de interrupção em comícios,
atacados com tinta por climáticos e para uma sede de candidatura (vidraça e
interior) foi arremessada tinta. Também foram produzidas asserções polémicas e
tomadas de posição de algumas personalidades que foram entendidas como ilícitas
em período eleitoral, incluindo publicidade comercial paga, o que não é
inédito. Até, inusitadamente, o STOP (Sindicato de Todos os Profissionais de
Educação) levou a cabo uma greve nas escolas do país.
Discutiu-se
à exaustão a inépcia governativa de um candidato e a inexperiência governativa
de outro, quando uma é emendável e a outra é facilmente revertida.
A
campanha eleitoral decorreu em ambiente de festa, para cada formação
partidária, com acusações mútuas. O cansaço e a rouquidão dos diversos
oradores, que marcaram as ações de rua, em prol do respeito pelo eleitorado e
como incremento do elã dos respetivos militantes e demais apaniguados, poderão
ter convertido os muitos indecisos que se mantiveram nessa condição até à
última hora.
Tal
cansaço e rouquidão podem ter como efeito o propósito de não voltar a alguns
lugares, a curiosidade e a necessidade de voltar a fazer trabalho político nos
lugares agora visitados ou a obrigação de voltar, por parte daqueles que vierem
a assumir funções governativas e daqueles que pretenderem fazer uma oposição
responsável, aguerrida e sustentada.
As
diversas candidaturas apresentaram os seus programas eleitorais, no geral, com
opções claras, algumas inovadoras, outras nos cânones habituais. Porém, como a
maior parte do eleitorado não lê os programas, caberia às respetivas
candidaturas, a nível nacional e em cada círculo eleitoral, explicar as suas
opções políticas e os seus projetos para o país. Ora, isso foi realizado de
forma excessivamente superficial. Insistiu-se nas mesmas ideias, algumas sob a
fórmula de leilão de promessas, com pequena ou nula sustentabilidade económica
ou logística. Acusavam-se uns aos outros de mentirem, de não terem em conta os
recursos disponíveis, de não saberem aonde ir buscar o dinheiro ou de quererem
favorecer os mais ricos.
Ficaram
praticamente no olvido as grandes questões internacionais que podem continuar a
condicionar a vida dos nossos cidadãos e das nossas empresas. No entanto, ao
invés do que sucedeu nas eleições 2022, em que intervieram animais como
figurantes de tipo mascote, agora foram privilegiados familiares da área de
alguns candidatos.
***
Com
o cenário de difícil governabilidade, cumpre interrogar os novos governantes –
não se sabe ainda quem serão – sobre a revolução da “saúde pública” nos
primeiros 60 dias, sobre a valorização da escola pública, sobre a contagem de todo o tempo de serviço dos professores
e de todos os funcionários da Administração Pública e sobre a
resolução-relâmpago do problema da habitação. É de questionar para quando a
pacificação das escolas, da classe médica, das forças de segurança e das forças
armadas, o estancamento do surto migratório porque o estrangeiro paga mais e
vocaciona para atividades de maior calibre e autonomia ou uma eficaz política
de natalidade Será de esperar uma efetiva descida da carga fiscal, a par da
melhoria dos serviços públicos, o que postula que todos os detentores de uma parcela significativa de património de um posto de trabalho sólido ou de uma outra
estável fonte de rendimento paguem os seus impostos e contribuições? Será de esperar
a prometida compaixão efetiva pelos pensionistas da classe média e, sobretudo,
pelos pensionistas mais pobres?
O
TGV avançará, sob pena de desperdiçarmos os fundos europeus e isolados do resto
da Europa; o novo aeroporto será construído onde o poder político o decidir,
após a recomendação conclusiva da Comissão Técnica Independente (CTI); a
imigração continuará a engrossar a magreza da nossa população; e o país
continuará igual e diferente.
Resta-me
saber se o chefe de Estado, com a ideia fixa de colar o resultado de umas
eleições à figura do líder da formação partidária que as ganhara, preferiu o
cenário atual, à nomeação de um governo sustentado na maioria parlamentar
existente, optando por devolver à palavra ao eleitorado (eufemismo para indicar
dissolução da AR). Se preferiu um cenário destes, altamente provável,
interrompendo uma governação, às vezes, incompetente, mas politicamente
sustentada, é porque não mediu bem as consequências: uma formação política ora
ganhadora não dispôs de tempo suficiente para se consolidar como alternativa (o
resultado está à vista, com vários comentadores a preverem eleições para daqui
a seis meses). Ou então, coisa em que não acredito, quis mostrar que era capaz
de liderar a mudança através de um governo fraco emanado de uma AR fragmentada
(o bipartidarismo acabou ou está suspenso por décadas). Não esqueço que o PR
dissolveu uma AR com poderes constituintes, o que não é proibido
constitucionalmente, mas é arriscado, pois os projetos de revisão caducaram e
algumas matérias eram pertinentes. É o perigo de a decisão de uma medida de
impacto constitucional ficar ao critério da avaliação pessoal de uma só
entidade.
***
Enfim,
desta feita, cumpri o meu dever cívico e exerci o meu direito de voto.
Doravante, continuarei com o cumprimento do dever cívico de crítica.
2024.03.10 – Louro de Carvalho
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