O relatório anual do Programa Escola Segura (PES) mostra que o total das
ocorrências criminais – agressões, ameaças, furtos, ofensas sexuais, vandalismo
ou tráfico de droga – aumentou 10%, entre o ano letivo de 2021/2022 e o de
2022/2023. Porém, foram apanhadas menos armas.
Os agentes policiais do PES patrulham as imediações dos estabelecimentos escolares
e intervêm no interior, sempre que são chamados pela respetiva direção a
resolver uma situação de violência grave, roubo ou posse de droga, por exemplo.
Em geral, as ocorrências mais comuns são as agressões entre alunos, dentro da
escola, observam os agentes, sendo que os mais experientes sustentam que, sem o
PES, as “escolas estariam muito piores” em termos de segurança.
Há uma década, o total de ocorrências em meio escolar era
de 5361, sendo 72,5% criminais e 27,5% não criminais. Entretanto, nos anos
letivos de 2018/19, 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023, o total de
ocorrências foi, respetivamente, de 4093 (65,2% criminais e 34,8% não
criminais), 3324 (63% criminais e 37% não criminais), 3067 (58,1% criminais e
41,9% não criminais), 3525 (69,3% criminais e 30,7% não criminais) e 3824 (70,8%
criminais e 29,2% não criminais).
Os números mostram significativa diminuição das ocorrências, face ao que
sucedia há 10 anos. Contudo, os dados mais recentes, relativos a 2022/2023,
mostram um aumento dos crimes de ofensas corporais e de ameaças face ao ano letivo
anterior, mesmo comparativamente com o período imediatamente anterior à
pandemia (2018/2019). E o relatório mostra ainda que o total das ocorrências criminais,
que inclui furtos, ofensas sexuais, vandalismo ou tráfico de droga, aumentou
10%, entre o ano letivo de 2021/2022 e o de 2022/2023.
Desde 2010, foram
registados, em média, 174 casos de ofensas sexuais por ano nas escolas, que
abrangem contactos físicos não desejados, atos exibicionistas, coação sexual, abuso
sexual e violação. Considerando que há 175 dias de aulas por ano letivo, é uma
por dia. E o número real será maior, já que, neste crime, a vítima tem, por norma,
dificuldade ou vergonha em denunciar.
Outro indicador preocupante, para as autoridades, embora não seja crime, é
o crescimento das perturbações escolares, em que o professor se vê obrigado a
chamar a polícia, por não conseguir resolver um determinado conflito em sala de
aula. Registaram-se 417 casos, no último ano letivo, número superior a qualquer
um dos últimos cinco anos (antes de e durante a pandemia).
A subida do total das ocorrências criminais em relação ao ano letivo
anterior (de 2444 para 2708 casos) é, para Hugo Guinote, coordenador nacional
do Policiamento de Proximidade da PSP (Polícia de Segurança Pública), “evolução
esperada”, pois, no início do ano letivo de 2021/2022, as atividades letivas
tiveram restrições, por causa da covid-19, mas, no ano letivo subsequente, com as
escolas a funcionar normalmente, as ameaças e as ofensas aumentaram.
A evolução por tipo de crime mais frequente, no
ano letivo anterior à pandemia e nos dois subsequentes, é como segue: em
2018/2019, registaram-se 1151 ofensas corporais, 721 injúrias e ameaças, 605
casos de furto e roubo, 181 de vandalismo e dano, 86 ofensas sexuais e 42 de
uso e porte de arma; em 2021/2022, registaram-se 1172 ofensas corporais, 753
injúrias e ameaças, 367 casos de furto e roubo, 101 de vandalismo e dano, 88
ofensas sexuais e 77 de uso e porte de arma; e, em 2022/2023, registaram-se
1237 ofensas corporais, 825 injúrias e ameaças, 450 casos de furto e roubo, 137
de vandalismo e dano, 87 ofensas sexuais e 34 de uso e porte de arma.
O dado que mais preocupa a PSP é o do aumento do número de ofensas
corporais (onde se incluem as agressões físicas), que supera o do ano letivo de
2018/2019, o último que não foi afetado pela pandemia. Já se esperava uma
subida das injúrias e ameaças, em linha com o que acontecera nos 10 anos
anteriores, mas não este aumento de denúncias por ofensas corporais, que não
estavam a crescer no referido período. Antes, as queixas eram feitas em fase
precoce, antes de haver prática efetiva de violência. Em reação, a PSP aumentou
as ações de sensibilização junto das escolas.
A maioria dos casos de violência registados pelo PES deu-se nas regiões de
Lisboa e do Porto, mas os problemas maiores não se confinam aos arredores das
duas grandes cidades. Por outro lado, regista-se que a criminalidade mais grave
nas escolas não ocorre só nos subúrbios.
Hugo Guinote sublinha o facto de haver mais estudantes apanhados com droga
pelas autoridades, vincando que a subida dos casos é resultado do aumento da
fiscalização. Entre os alunos, havia a ideia de que o consumo e a posse de
droga não eram ilegais. Todavia, é de acentuar que o facto de isso não ser
crime não quer dizer que não seja ilegal.
Entretanto, segundo a polícia, há um dado relevante: o número de casos de
posse e uso de armas nas escolas desceu abruptamente, em 2022/2023, sendo o
mais baixo dos últimos anos, o que leva a concluir que “as armas não são um
problema nas nossas escolas”. E eu discordo, pois, uma escola não devia ter uma
única arma no seu meio. Já basta o perigo inerente ao uso necessário dos objetos
cortantes existentes de cozinha, de refeitório e de tarefas de manutenção e funcionamento
do estabelecimento escolar
De acordo com várias fontes policiais, estão a subir os casos de
perturbação causada nas escolas pelo uso de telemóveis, mas ainda não se
encontram tipificados nas estatísticas, pelo que não é possível a sua
contabilização. Poderão vir a ser registados nestes relatórios policiais da
Escola Segura, no próximo ano letivo, caso haja acordo entre os Ministérios da
Administração Interna e da Educação. Entretanto, os telemóveis estão na origem
de muitos conflitos, pelo que publicam nas redes sociais, pelo que fazem ver e
pelo uso que se faz deles, para marcar encontros e conflitos.
Além disso, são usados em idade precoce e viciam os alunos, prejudicando as
aulas e os recreios.
Também os casos de bullying e ciberbullying, não tipificados como crime
pelo Código Penal, estão diluídos nos números das ameaças e das ofensas
corporais, consoante a sua gravidade. “Acreditamos que o bullying e o
ciberbullying são as infrações que mais ocorrem nas nossas escolas, e este
último está em grande crescimento”, destaca Miguel Rodrigues, chefe da PSP,
professor e investigador do ICPOL-ISCPSI (Centro de investigação do Instituto
Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna) e autor do livro “Violência
nas Escolas – Caracterização, Análise e Intervenção”. Não é, pois, de estranhar
que este tipo de violência seja um dos temas mais presentes nas ações de
sensibilização feitas nas escolas pelos agentes do PES, tal como a violência no
namoro, que muitos jovens desvalorizam, não vendo que certos comportamentos são
inadmissíveis.
A evolução de ocorrências não criminais nos três anos
letivos acima referenciados foi como segue: em 2018/2019, houve 389 casos de perturbação
escolar e 182 de posse/consumo de estupefacientes; em 2021/2022, houve 372 casos
de perturbação escolar e 68 de posse/consumo de estupefacientes; e, em
2022/2023, houve 417 casos de perturbação escolar e 88 de posse/consumo de
estupefacientes.
Os agentes
policiais reforçam a importância das conversas que têm com os alunos e que,
muitas vezes, funcionam como dissuasoras de comportamentos incorretos. Porém, o
investigador Miguel Rodrigues salienta o desinvestimento de que tem sido alvo o
PES, nos últimos anos. O número de efetivos da PSP e da Guarda Nacional
Republicana (GNR) desceu de 714 para 650, nos últimos seis anos, e os
carros-patrulha passaram de 452 para 284, de 2010 até 2022. “Eram os governos civis
que cediam as viaturas às polícias. Com a sua extinção, as autoridades passaram
a ter direito e menos carros”, considera o investigador.
Confrontado com este cenário, Hugo Guinote contrapõe que houve um aumento
de 4% nos recursos humanos, face ao ano letivo anterior. Quanto às viaturas, o
número tem sido “estável”, nos últimos cinco anos. E justifica: “Os recursos
são finitos. O que a PSP faz no PES, como qualquer organização, é adaptar os
seus objetivos aos meios de que dispõe, equilibrando os princípios da
prioridade, adequabilidade e exequibilidade.”
***
Os
dados em referência estão em linha, com os do levantamento feito pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
(DGRSP), tornado público em fevereiro, segundo o qual 31% dos crimes graves
cometidos por menores foram
cometidos no interior da escola.
Em 2022 (últimos dados disponíveis), 243 menores,
entre os 12 e os 16 anos, estavam obrigados pelos tribunais a cumprir medidas
de acompanhamento ou de internamento em centros educativos, pela prática de
crimes violentos, como homicídio, ofensas à integridade física, roubo, extorsão
ou violação. No total, os jovens cometeram 292 crimes violentos, mas só foi
possível recolher informação sobre o local onde foram perpetrados em 195 casos.
Desses, 76 ocorreram na via pública (40%), 60 no interior das escolas (31%) e
27 em instituições de acolhimento (14%).
A DGRSP realça que, apesar da sua gravidade, “os
crimes violentos praticados em espaço escolar dão lugar, na sua grande maioria
(42%), à medida de Acompanhamento Educativo”, que obriga os jovens a cumprir
determinadas regras de conduta e a frequentar programas de formação nas áreas
definidas pelo tribunal, mas não é privativa de liberdade, ao invés do internamento
em centro educativo, a ‘pena’ mais grave prevista na justiça juvenil. Só 15%
dos crimes violentos ocorridos nas escolas dão origem a esta medida, o que, mesmo
assim, “não deixa, de ser significativo”.
No final de 2023, a 31 de dezembro, encontravam-se
internados em centros educativos 128 jovens, mais 9% do que no período
homólogo. No total, praticaram 410 tipos de crimes, a maior parte perpetrados
na via pública, com realce para as ofensas à integridade física, para a ameaça
e coação e para a difamação. Registaram-se ainda três crimes de violação e nove
de abuso sexual de crianças, adolescentes e menores dependentes.
A esmagadora maioria dos jovens é do sexo masculino
(88%), com idades entre os 16 e os 20 anos (68%) eram menores, à data do crime.
Os mais novos, quatro rapazes e uma rapariga, tinham 13 anos. Cerca de 70%
apenas completaram o 2.º ciclo (6.º ano) e uma minoria de 8% terminou o 9.º
ano. Quase 60% dos processos judiciais ocorreram na Grande Lisboa.
Desde 2020, as solicitações judiciais para a execução
de medidas de internamento em centros educativos estão a aumentar. Em 2023,
foram recebidas 179, mais 27% do que em 2022. Representam 9% de todos os
pedidos relativos a menores, isto é, de todos os que cometem crimes, só estes
são punidos com privação de liberdade.
Segundo dados da DGRSP, há sete centros educativos com
um total de 134 vagas: três estão em sobrelotação (principalmente femininos),
dois lotados e os restantes perto dos 80%. No fim de 2023, a taxa de ocupação
era de 95,52%.
De acordo com o último “Relatório Anual de Segurança
Interna”, relativo a 2022, a delinquência juvenil, que compreende a prática de
crimes por menores, entre os 12 e os 16 anos, atingiu o valor mais alto desde
2016. Só entre 2021 e 2022, o número de participações deu o salto de 50,6%,
embora se deva ter em conta que praticamente toda a criminalidade baixou
durante a pandemia, sendo expectável que voltasse a subir depois. Todavia, no
pós-covid, cresceu o número de ocorrências e aumentou a gravidade e intensidade
da violência, sobretudo no interior das escolas.
O “2.º Relatório” da Comissão de Análise Integrada da
Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV), publicado no final
de 2023, refere “a existência de sinais de agravamento da realidade em termos
pós-pandémicos, com maior agitação, menor tolerância, maiores níveis de
agressividade, nomeadamente por parte de crianças/jovens no contexto escolar”.
Para Miguel Rodrigues, a falta de meios dos
estabelecimentos de ensino para fazer face a este tipo de ocorrências e o
“grande desinvestimento” feito na última década nas políticas de prevenção,
nomeadamente no PES, não são alheios ao agravamento da situação.
***
É pena que a escola, em vez de ser um centro privilegiado
de educação, se mostre também palco de crescente delinquência e de outros ilícitos
não criminais, funcionando como um miniespelho da sociedade envolvente e não
como propulsora de uma sociedade mais sã. Não estará aqui também o efeito da
perda de autoridade do Estado e do facilitismo generalizado?
2024.03.09 – Louro de Carvalho
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