terça-feira, 21 de maio de 2024

Líderes do Hamas e de Israel estão a contas com o TPI

 

A 20 de maio, foi conhecida a declaração de Karim A.A Khan KC, promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre a apresentação de pedidos para emissão de mandados de prisão, em relação ao Estado da Palestina, feita à Câmara de Instrução I do TPI, declaração que atinge os líderes do Hamas e os líderes e Israel.

No pedido de mandados de prisão, pela situação no Estado da Palestina, são visados Yahya Sinwar, Mohammed Diab Ibrahim Al-Masri (Deif), Ismail Haniyeh. Efetivamente, com base nas provas recolhidas e analisadas pelo respetivo gabinete, o promotor tem boas razões para acreditar que a responsabilidade criminal de Yahya Sinwar (líder do Movimento de Resistência Islâmica [Hamas] na Faixa de Gaza), Mohammed Diab Ibrahim Al-Masri, mais conhecido como DEIF (comandante-chefe do braço armado do Hamas, conhecido como “brigadas Al-Qassam”) e Ismail Haniyeh (chefe do braço político do Hamas) resulta da prática de crimes de guerra e de crimes contra a Humanidade no território de Israel e no Estado da Palestina (na Faixa de Gaza) desde, pelo menos, 7 de outubro de 2023.

Tais crimes são: extermínio, como crime contra a Humanidade; homicídio, como crime contra a Humanidade e como crime de guerra; tomada de reféns, como crime de guerra; violação e outras formas de violência sexual, como crime contra a Humanidade e também como crime de guerra, no contexto do cativeiro; tortura, como crime contra a Humanidade e como crime de guerra, no contexto do cativeiro; outros atos desumanos, como crimes contra a Humanidade, no contexto do cativeiro; tratamento cruel, como crime de guerra, no contexto do cativeiro; e ultrajes à dignidade pessoal, como crime de guerra, no contexto do cativeiro.

Os crimes de guerra referidos nestas petições foram cometidos no contexto de conflito armado internacional entre Israel e a Palestina e de conflito armado não internacional entre Israel e o Hamas, que ocorria simultaneamente. E os crimes contra a Humanidade referidos nas petições foram a continuação do ataque generalizado e sistemático levado a cabo pelo Hamas e por outros grupos armados na prossecução da política de uma organização. E alguns destes crimes continuam a ser cometidos.

Há motivos razoáveis ​​para acreditar que Sinwar, Deif e a Haniyeh são criminalmente responsáveis ​​pelo assassinato de centenas de civis israelitas durante os ataques perpetrados, em 7 de outubro de 2023, pelo Hamas, bem como por outros grupos armados, e pelo sequestro de, pelo menos, 245 reféns. Na investigação, foram recolhidos depoimentos de vítimas que sobreviveram aos ataques, incluindo antigos reféns, e testemunhas diretas dos ataques em seis locais principais, bem como provas, como imagens de videovigilância, documentos autenticados sob a forma de gravações sonoras, fotografias e vídeos, declarações de membros do Hamas, incluindo os alegados autores dos crimes referidos e testemunhos de peritos. Estas pessoas planearam e patrocinaram a prática dos crimes perpetrados em 7 de outubro de 2023 e reconheceram a sua responsabilidade, como evidenciado pela visita que fizeram pessoalmente aos reféns, após o seu sequestro. Tais crimes não podiam ter sido cometidos sem a sua intervenção. As pessoas em causa são acusadas de coautores e de superiores, nos termos dos artigos 25.º e 28.º do Estatuto de Roma.

Paralelamente, o promotor tem boas razões para acreditar que a responsabilidade criminal de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, e de Yoav Gallant, Ministro da Defesa de Israel, resulta dos crimes de guerra e dos crimes contra a Humanidade cometidos no território do Estado da Palestina (na Faixa de Gaza) desde, pelo menos, 8 de outubro de 2023. Tais crimes são: morte deliberada de civis, à fome, como método de guerra (considerada crime de guerra); intencional provocação de grande sofrimento ou de danos graves à integridade física ou à saúde, ou de tratamento cruel, como crime de guerra; homicídio doloso ou homicídio, como crime de guerra; direção intencional de ataques contra a população civil, como crime de guerra; extermínio e/ou assassinato, como crime contra a Humanidade, inclusive em relação à fome de civis, resultando em morte, como crime contra a Humanidade; perseguição, como crime contra a Humanidade; e outros atos desumanos, como crimes contra a Humanidade.

Os crimes de guerra referidos nestes pedidos foram cometidos no contexto de conflito armado internacional entre Israel e a Palestina e de conflito armado não internacional entre Israel e o Hamas (e outros grupos armados palestinianos), que ocorria simultaneamente. Os crimes contra a Humanidade referidos nas petições fizeram parte do ataque generalizado e sistemático dirigido contra a população civil palestiniana na prossecução da política de uma organização. Alguns destes crimes continuam a ser cometidos.

Há provas recolhidas, como entrevistas com vítimas e com testemunhas diretas e documentos de áudio e vídeo autenticados, imagens de satélite e declarações de membros do grupo que, alegadamente, cometeu tais crimes, que demonstram que Israel, deliberada e sistematicamente, privou continuamente a população civil de todo o território de Gaza dos meios de subsistência essenciais à sua sobrevivência. Isto resultou na imposição de cerco completo a Gaza, proibindo, completamente, o acesso às três passagens fronteiriças de Rafah, Kerem Shalom e Erez, a partir de 8 de outubro de 2023 por períodos prolongados e limitando, arbitrariamente, a entrega de bens essenciais (como alimentos e medicamentos), através de pontos de passagem após a reabertura. O encerramento das condutas de água que ligam Israel a Gaza, a principal fonte de água potável para a população de Gaza, por um período prolongado a partir de 9 de outubro de 2023 e os cortes no fornecimento de eletricidade e obstrução deste fornecimento a partir de 8 de outubro de 2023, pelo menos, até hoje, fazem parte da ampliação da sede. Isto ocorreu paralelamente a ataques a pessoas em filas, para obterem alimentos, à obstrução da distribuição de ajuda por parte de agências humanitárias e a ataques a trabalhadores humanitários, deixando alguns mortos e forçando muitas organizações humanitárias a cessar as suas atividades em Gaza ou a restringir o seu perímetro.

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O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reagiu, com raiva e com incredulidade, ao anúncio do pedido, por parte do TPI, de um mandado de captura contra ele, até por ter feito paralelo entre o governo de Israel e do Hamas.

Disse Netanyahu: “Como primeiro-ministro de Israel, rejeito, com repugnância, a comparação feita pelo procurador de Haia entre o Israel democrático e os assassinos em massa do Hamas. Trata-se de uma completa distorção da realidade.”

Mais declarou que Khan ganhou o seu lugar “entre os grandes antissemitas da História” e que não fez mais do que “deitar gasolina na fogueira do antissemitismo”.

Numa declaração escrita, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden, considerou a decisão “ultrajante”, sustentando que “não há equivalência entre Israel e o Hamas”.

O Departamento de Estado afirmou que o TPI não tem jurisdição para investigar o caso, visto que Israel não é signatário do Estatuto de Roma, que fundou o tribunal.

Disse Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado: “Esta decisão não ajuda em nada e pode pôr em risco os esforços em curso para chegar a um acordo de cessar-fogo que permita retirar os reféns de Gaza e fazer entrar a assistência humanitária.”

A reação foi mista nas ruas, em Telavive. A cidade tem assistido a protestos em massa, exigindo que o governo de Netanyahu faça mais, para garantir a libertação dos reféns ainda detidos em Gaza. Por exemplo, Inbar Goldstein, residente em Telavive, disse: “Não compreendo em que Mundo estamos a viver, onde há simetria entre líderes de uma organização terrorista, que cometeram massacres em massa, e chefes de Estado, que foram democraticamente eleitos.”

Em Gaza, os Palestinianos pedem ações decisivas que ponham fim à guerra: “Queremos resoluções internacionais que sejam decisivas. Decisivas para que resolvam os problemas. Nós somos as vítimas, embora não tenhamos nada a ver com Israel ou com o Hamas. Não somos o Hamas nem a Jihad Islâmica”, aponta Sami Abu Zeid, deslocado da cidade de Gaza.

O Hamas também denunciou as ações do procurador do TPI, afirmando que o pedido de detenção dos seus líderes “equipara a vítima ao carrasco”, ao emitir mandados de captura contra uma série de líderes da resistência palestiniana”.

O chanceler austríaco Karl Nehammer afirmou que, embora respeite a independência do TPI, é “incompreensível” que os líderes do Hamas sejam mencionados em pé de igualdade com os “representantes democraticamente eleitos” de Israel.

O porta-voz do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, declarou: “Esta ação não ajuda a conseguir uma pausa nos combates, a libertar os reféns ou a fazer chegar a ajuda humanitária.”

O Reino Unido, tal como outros países, ainda não reconhece a Palestina como um Estado e Israel não é um Estado parte do Estatuto de Roma.

O ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da Irlanda, Micheál Martin, defendeu o TPI e condenou as ameaças contra o tribunal.

A África do Sul também se congratulou com a notícia e apoiou o procurador-geral do TPI.

“A lei deve ser aplicada de forma igual a todos, a fim de defender o Estado de direito internacional, garantir a responsabilização daqueles que cometem crimes hediondos e proteger os direitos das vítimas”, lê-se numa declaração do gabinete do presidente Cyril Ramaphosa.

Aliás, é de recordar que a África do Sul Israel acusou Israel de genocídio, no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), crime que Israel nega. 

Falando sobre as ações israelitas, Khan afirmou, em comunicado, que “os efeitos da utilização da fome como método de guerra, juntamente com os de outros ataques e punições coletivas contra a população civil de Gaza, são agudos, visíveis e amplamente conhecidos” e incluem “desnutrição, desidratação, sofrimento profundo e um número crescente de mortes entre a população palestiniana, incluindo bebés, outras crianças e mulheres”. 

A Organização das Nações Unidas (ONU) e outras agências de ajuda humanitária têm acusado Israel de impedir a entrega de ajuda, desde o início da guerra. Israel nega, garantindo que não há restrições à entrada de ajuda em Gaza e acusando a ONU de não conseguir distribuir a ajuda. E a ONU denuncia que os trabalhadores humanitários têm sido constantemente alvos de Israel, embora as forças israelitas sejam sempre informadas das movimentações das organizações.

Sobre as ações do Hamas, a 7 de outubro, Khan, que visitou a região, em dezembro, disse que viu, com os próprios olhos, “as cenas devastadoras destes ataques e o profundo impacto dos crimes sem escrúpulos”. E revelou que, “ao falar com os sobreviventes, soube como o amor no seio de uma família, os laços mais profundos entre um pai e um filho, foram distorcidos, para infligir uma dor insondável através de uma crueldade calculada e de uma insensibilidade extrema”, referiu Khan. “Estes atos exigem responsabilidade”, acrescentou.

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Crimes de guerra e/ou contra a Humanidade devem ser analisados e punidos independentemente do estatuto político de quem os pratica, seja o Hamas, seja Israel. Por outro lado, nem o Hamas pode desculpar-se com a condição de vítima, porque espoletou o conflito, nem Israel pode alegar legítima defesa, pois a reação é desproporcionada e tendente à eliminação do inimigo, valendo, para o efeito, quaisquer meios. Pode o caso no TPI não contribuir para a obtenção da paz, mas é ilícito calar as vozes que denunciam genocídios, crimes de guerra e crises contra a Humanidade.  

Pode o acórdão do TPI não ter efeitos práticos sobre Israel, que não aderiu ao Estatuto de Roma (mas tem infernizado a vida dos Palestinianos), e sobre o Hamas, que não é tido como um estado, mas tem efeito sobre a opinião pública, pela denúncia e pela exposição pública da hipocrisia dos EUA e de outros países, que se dizem paladins dos direitos humanos no papel e na boca.

2024.05.20 – Louro de Carvalho

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