A
20 de maio, foi conhecida a declaração de
Karim A.A Khan KC, promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre a apresentação
de pedidos para emissão de mandados de prisão, em relação ao Estado da
Palestina, feita à Câmara de Instrução I do TPI, declaração que atinge os
líderes do Hamas e os líderes e Israel.
No pedido de
mandados de prisão, pela situação no Estado da Palestina, são visados Yahya
Sinwar, Mohammed Diab Ibrahim Al-Masri (Deif), Ismail Haniyeh. Efetivamente,
com base nas provas recolhidas e analisadas pelo respetivo gabinete, o promotor
tem boas razões para acreditar que a responsabilidade criminal de Yahya Sinwar
(líder do Movimento de Resistência Islâmica [Hamas] na Faixa de Gaza), Mohammed
Diab Ibrahim Al-Masri, mais conhecido como DEIF (comandante-chefe do braço
armado do Hamas, conhecido como “brigadas Al-Qassam”) e Ismail Haniyeh (chefe
do braço político do Hamas) resulta da prática de crimes de guerra e de crimes
contra a Humanidade no território de Israel e no Estado da Palestina (na Faixa
de Gaza) desde, pelo menos, 7 de outubro de 2023.
Tais
crimes são: extermínio,
como crime contra a Humanidade; homicídio, como crime contra a Humanidade e como
crime de guerra; tomada de reféns, como crime de guerra; violação e outras formas de violência sexual, como crime contra a
Humanidade e também como crime de guerra, no contexto do cativeiro; tortura, como crime contra a Humanidade e como crime de guerra, no contexto
do cativeiro; outros atos desumanos, como crimes contra a Humanidade,
no contexto do cativeiro;
tratamento cruel, como crime de
guerra, no contexto do cativeiro; e
ultrajes à dignidade pessoal, como
crime de guerra, no contexto do cativeiro.
Os
crimes de guerra referidos nestas petições foram cometidos no contexto de
conflito armado internacional entre Israel e a Palestina e de conflito armado
não internacional entre Israel e o Hamas, que ocorria simultaneamente. E os
crimes contra a Humanidade referidos nas petições foram a continuação do ataque
generalizado e sistemático levado a cabo pelo Hamas e por outros grupos armados
na prossecução da política de uma organização. E alguns destes crimes continuam
a ser cometidos.
Há
motivos razoáveis para acreditar que Sinwar, Deif e a Haniyeh são
criminalmente responsáveis pelo assassinato de centenas de civis israelitas
durante os ataques perpetrados, em 7 de outubro de 2023, pelo Hamas, bem como por
outros grupos armados, e pelo sequestro de, pelo menos, 245 reféns. Na
investigação, foram recolhidos depoimentos de vítimas que sobreviveram aos
ataques, incluindo antigos reféns, e testemunhas diretas dos ataques em seis
locais principais, bem como provas, como imagens de videovigilância, documentos
autenticados sob a forma de gravações sonoras, fotografias e vídeos,
declarações de membros do Hamas, incluindo os alegados autores dos crimes
referidos e testemunhos de peritos. Estas pessoas planearam e patrocinaram a
prática dos crimes perpetrados em 7 de outubro de 2023 e reconheceram a sua
responsabilidade, como evidenciado pela visita que fizeram pessoalmente aos
reféns, após o seu sequestro. Tais crimes não podiam ter sido cometidos sem a
sua intervenção. As pessoas em causa são acusadas de coautores e de superiores,
nos termos dos artigos 25.º e 28.º do Estatuto de Roma.
Paralelamente,
o promotor tem boas razões para acreditar que a responsabilidade criminal de
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, e de Yoav Gallant, Ministro da
Defesa de Israel, resulta dos crimes de guerra e dos crimes contra a Humanidade
cometidos no território do Estado da Palestina (na Faixa de Gaza) desde, pelo
menos, 8 de outubro de 2023. Tais crimes são: morte deliberada de civis, à fome,
como método de guerra (considerada crime de guerra); intencional provocação de grande
sofrimento ou de danos graves à integridade física ou à saúde, ou de tratamento
cruel, como crime de guerra; homicídio doloso ou homicídio, como crime de
guerra; direção intencional de ataques contra a população civil, como crime de
guerra; extermínio e/ou assassinato, como crime contra a Humanidade, inclusive
em relação à fome de civis, resultando em morte, como crime contra a Humanidade;
perseguição, como crime contra a Humanidade; e outros atos desumanos, como crimes
contra a Humanidade.
Os crimes de
guerra referidos nestes pedidos foram cometidos no contexto de conflito armado
internacional entre Israel e a Palestina e de conflito armado não internacional
entre Israel e o Hamas (e outros grupos armados palestinianos), que ocorria
simultaneamente. Os crimes contra a Humanidade referidos nas petições fizeram
parte do ataque generalizado e sistemático dirigido contra a população civil
palestiniana na prossecução da política de uma organização. Alguns destes
crimes continuam a ser cometidos.
Há provas
recolhidas, como entrevistas com vítimas e com testemunhas diretas e documentos
de áudio e vídeo autenticados, imagens de satélite e declarações de membros do
grupo que, alegadamente, cometeu tais crimes, que demonstram que Israel, deliberada
e sistematicamente, privou continuamente a população civil de todo o território
de Gaza dos meios de subsistência essenciais à sua sobrevivência. Isto resultou
na imposição de cerco completo a Gaza, proibindo, completamente, o acesso às
três passagens fronteiriças de Rafah, Kerem Shalom e Erez, a partir de 8 de outubro
de 2023 por períodos prolongados e limitando, arbitrariamente, a entrega de bens
essenciais (como alimentos e medicamentos), através de pontos de passagem após
a reabertura. O encerramento das condutas de água que ligam Israel a Gaza, a
principal fonte de água potável para a população de Gaza, por um período
prolongado a partir de 9 de outubro de 2023 e os cortes no fornecimento de
eletricidade e obstrução deste fornecimento a partir de 8 de outubro de 2023,
pelo menos, até hoje, fazem parte da ampliação da sede. Isto ocorreu paralelamente
a ataques a pessoas em filas, para obterem alimentos, à obstrução da
distribuição de ajuda por parte de agências humanitárias e a ataques a
trabalhadores humanitários, deixando alguns mortos e forçando muitas
organizações humanitárias a cessar as suas atividades em Gaza ou a restringir o
seu perímetro.
***
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reagiu, com raiva e com
incredulidade, ao anúncio do pedido, por parte do TPI, de um mandado de captura contra ele, até
por ter feito paralelo entre o governo de Israel e do Hamas.
Disse Netanyahu: “Como
primeiro-ministro de Israel, rejeito, com repugnância, a comparação feita pelo
procurador de Haia entre o Israel democrático e os assassinos em massa do
Hamas. Trata-se de uma completa distorção da realidade.”
Mais declarou que Khan ganhou o seu
lugar “entre os grandes antissemitas da História” e que não fez mais do que
“deitar gasolina na fogueira do antissemitismo”.
Numa declaração escrita, o
presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden, considerou a decisão “ultrajante”, sustentando
que “não há equivalência entre Israel e o Hamas”.
O Departamento de Estado afirmou que
o TPI não tem jurisdição para investigar o caso, visto que Israel não é
signatário do Estatuto de Roma, que fundou o tribunal.
Disse Matthew Miller, porta-voz do Departamento de
Estado: “Esta decisão não ajuda em nada e pode pôr em risco os esforços em
curso para chegar a um acordo de cessar-fogo que permita retirar os reféns de
Gaza e fazer entrar a assistência humanitária.”
A reação foi mista nas ruas, em Telavive.
A cidade tem assistido a protestos em massa, exigindo que o governo de
Netanyahu faça mais, para garantir a libertação dos reféns ainda detidos em
Gaza. Por exemplo, Inbar Goldstein, residente em Telavive, disse: “Não
compreendo em que Mundo estamos a viver, onde há simetria entre líderes de uma
organização terrorista, que cometeram massacres em massa, e chefes de Estado,
que foram democraticamente eleitos.”
Em Gaza, os Palestinianos pedem ações
decisivas que ponham fim à guerra: “Queremos resoluções internacionais que
sejam decisivas. Decisivas para que resolvam os problemas. Nós somos as
vítimas, embora não tenhamos nada a ver com Israel ou com o Hamas. Não somos o
Hamas nem a Jihad Islâmica”, aponta Sami Abu Zeid, deslocado da cidade de
Gaza.
O Hamas
também denunciou as ações do procurador do TPI, afirmando que o pedido de
detenção dos seus líderes “equipara a vítima ao carrasco”, ao emitir mandados
de captura contra uma série de líderes da resistência palestiniana”.
O chanceler
austríaco Karl Nehammer afirmou que, embora respeite a independência do TPI, é
“incompreensível” que os líderes do Hamas sejam mencionados em pé de igualdade
com os “representantes democraticamente eleitos” de Israel.
O porta-voz
do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, declarou: “Esta ação não ajuda a
conseguir uma pausa nos combates, a libertar os reféns ou a fazer chegar a
ajuda humanitária.”
O Reino
Unido, tal como outros países, ainda não reconhece a Palestina como um Estado e
Israel não é um Estado parte do Estatuto de Roma.
O ministro
dos Negócios Estrangeiros e da Defesa da Irlanda, Micheál Martin, defendeu o
TPI e condenou as ameaças contra o tribunal.
A África do
Sul também se congratulou com a notícia e apoiou o procurador-geral do TPI.
“A lei deve
ser aplicada de forma igual a todos, a fim de defender o Estado de direito
internacional, garantir a responsabilização daqueles que cometem crimes
hediondos e proteger os direitos das vítimas”, lê-se numa declaração do
gabinete do presidente Cyril Ramaphosa.
Aliás, é de
recordar que a África do Sul Israel acusou Israel de genocídio, no Tribunal
Internacional de Justiça (TIJ), crime que Israel nega.
Falando
sobre as ações israelitas, Khan afirmou, em comunicado, que “os efeitos da
utilização da fome como método de guerra, juntamente com os de outros ataques e
punições coletivas contra a população civil de Gaza, são agudos, visíveis e
amplamente conhecidos” e incluem “desnutrição, desidratação, sofrimento
profundo e um número crescente de mortes entre a população palestiniana,
incluindo bebés, outras crianças e mulheres”.
A
Organização das Nações Unidas (ONU) e outras agências de ajuda humanitária têm
acusado Israel de impedir a entrega de ajuda, desde o início da guerra. Israel
nega, garantindo que não há restrições à entrada de ajuda em Gaza e acusando a
ONU de não conseguir distribuir a ajuda. E a ONU denuncia que os trabalhadores
humanitários têm sido constantemente alvos de Israel, embora as forças
israelitas sejam sempre informadas das movimentações das organizações.
Sobre as
ações do Hamas, a 7 de outubro, Khan, que visitou a região, em dezembro, disse
que viu, com os próprios olhos, “as cenas devastadoras destes ataques e o
profundo impacto dos crimes sem escrúpulos”. E revelou que, “ao falar com
os sobreviventes, soube como o amor no seio de uma família, os laços mais
profundos entre um pai e um filho, foram distorcidos, para infligir uma dor
insondável através de uma crueldade calculada e de uma insensibilidade extrema”,
referiu Khan. “Estes atos exigem responsabilidade”, acrescentou.
***
Crimes de
guerra e/ou contra a Humanidade devem ser analisados e punidos
independentemente do estatuto político de quem os pratica, seja o Hamas, seja
Israel. Por outro lado, nem o Hamas pode desculpar-se com a condição de vítima,
porque espoletou o conflito, nem Israel pode alegar legítima defesa, pois a
reação é desproporcionada e tendente à eliminação do inimigo, valendo, para o
efeito, quaisquer meios. Pode o caso no TPI não contribuir para a obtenção da
paz, mas é ilícito calar as vozes que denunciam genocídios, crimes de guerra e
crises contra a Humanidade.
Pode o
acórdão do TPI não ter efeitos práticos sobre Israel, que não aderiu ao
Estatuto de Roma (mas tem infernizado a vida dos Palestinianos), e sobre o
Hamas, que não é tido como um estado, mas tem efeito sobre a opinião pública,
pela denúncia e pela exposição pública da hipocrisia dos EUA e de outros países,
que se dizem paladins dos direitos humanos no papel e na boca.
2024.05.20 – Louro de Carvalho
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