sexta-feira, 10 de maio de 2024

Nova Estratégia para a Habitação: o milagre que se avizinha

 

De acordo com o respetivo comunicado, na sua reunião de 9 de maio, o Conselho de Ministros “discutiu e adotou a Estratégia para a Habitação, com a respetiva agenda de reformas”, para “resolver a grave crise no setor que afeta especialmente jovens, pessoas vulneráveis e classe média”. Tal estratégia “inclui medidas inovadoras de promoção da oferta pública, privada e cooperativa, e [de] apoio à procura, especialmente daqueles grupos”, as quais “visam também corrigir graves erros e omissões de políticas públicas dos últimos anos”.

Foi deliberado que a nova Estratégia para a Habitação seria divulgada muito em breve e “sujeita a diálogo parlamentar prévio à adoção legislativa e administrativa das medidas individuais”.

Trata-se de 30 medidas para enfrentar a crise. Apresentada pouco mais de um mês depois de o governo tomar posse, a Nova Estratégia para a Habitação visa dar resposta urgente às dificuldades na aquisição ou arrendamento de casa, sem esquecer o longo prazo de um desafio que é geracional. Assim, ao Programa “Mais Habitação” sucede o plano “Construir Portugal”, que incentivará a oferta de habitação, promoverá a habitação pública, devolverá a confiança a todos os intervenientes, fomentará a habitação jovem e assegurará a acessibilidade na habitação.

Para tanto, o governo avançará com medidas, como o desbloqueio de 25 mil casas que integram o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a mudança da Lei dos Solos, que permitirá o uso de solos rústicos para soluções sustentáveis de Habitação, como o arrendamento acessível, a habitação a custos controlados ou a disponibilização de casas de função para professores, para forças de segurança, para trabalhadores agrícolas, para industriais e para o setor do turismo.

Com particular preocupação com os mais jovens – para quem a habitação se transformou num obstáculo que atrasa o início de uma vida autónoma, levando muitas vezes à emigração – a Nova Estratégia para a Habitação prevê a isenção de imposto municipal de transmissão de imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS) para os jovens até aos 35 anos nos imóveis até 316 mil euros (valor correspondente ao quarto escalão do IMT);  uma garantia pública aos jovens para viabilizar o financiamento bancário na aquisição da primeira casa; e a reformulação do programa Porta 65, de modo priorizar a realidade económica do jovem, acabando com exclusões em função de limites de rendas. 

As dificuldades de alojamento estudantil, que afastam do Ensino Superior os jovens com maiores dificuldades económicas, serão alvo de um Programa de Emergência, em que as medidas de caráter mais urgente são complementadas, na perspetiva de longo prazo, com a implementação do Plano Nacional Alojamento 2025-26, que garantirá a oferta de mais 18 mil camas. 

Devolver a confiança a todas as partes é também um dos eixos deste programa de ação, pelo que o governo avançará, no prazo de dez dias, com a revogação do arrendamento forçado, garantindo o respeito pelo direito de propriedade. No mesmo sentido, no prazo de dez dias, será revogada a Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local (CEAL), bem como a caducidade das licenças, deixando a regulação para os municípios, permitindo assim a distinção de diferentes realidades locais. 

O reforço da transparência é um desígnio do governo, que, em 120 dias, criará o Portal do IHRU [Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana], para acompanhar os processos de candidatura.

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As 30 medidas, que o plano “Construir Portugal” enumera, com prazo de especificação e com regime de execução ordenam-se em torno dos seguintes parâmetros:  

1. Incentivo à oferta, pela disponibilização de imóveis e redução de custos)

- Disponibilização de imóveis públicos para habitação (build-to-rent) com renda/preço acessível, em regime de Parceria Público-Privada (90 dias);

- Regime legal semiautomático de aproveitamento de imóveis públicos devolutos ou subutilizados por apresentação casuística de projeto de habitação, a executar pelos municípios e, se necessário, com parceiros privados (10 dias);

- Alteração da lei dos solos, a fim de permitir o uso de solos rústicos para soluções sustentáveis de habitação (a custos controlados, para arrendamento acessível, para alojamento temporário ou oferta para casas para professores, para forças de segurança, para trabalhadores agrícolas, para industriais e para o setor do turismo (60 dias);

- Bónus construtivo para aumento dos índices e limites de densidade urbanística em projetos de habitação a custos controlados, arrendamento acessível ou alojamento temporário (90 dias);

- Novas centralidades urbanas na envolvente de zonas de pressão urbanística, com planos urbanísticos sustentáveis e em coordenação com a oferta de transportes (estudo em 120 dias);

- Garantia estatal a crédito para construção de cooperativas em terreno público (90 dias);

- Linhas de crédito para promoção do build-to-rent (60 dias);

- Pacto com agentes do setor para aumentar a capacidade construtiva, envolvendo estabilidade da capacidade produtiva, industrialização, e atração-qualificação de mão-de-obra residente;

- Redução de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) para a taxa mínima de 6% nas obras de reabilitação e construção de habitação, com limites em função do preço (até ao fim da legislatura);

2. Promoção da habitação pública

- Desbloqueio de 25 mil casas do PRR, com adoção de termo de responsabilidade das câmaras municipais, de modo a acelerar os processos (10 dias);

- Reforço de financiamento para viabilizar o desenvolvimento de milhares de outros fogos candidatos, mas não financiados no PRR (30 dias);

- Robustecimento da capacidade de promoção do IHRU, através da Construção Pública (ex- Parque Escolar), na realização dos fogos do Programa de Arrendamento Acessível (10 dias);

3. Devolução da confiança no arrendamento

- Revogação do arrendamento forçado, em respeito pelo direito de propriedade (10 dias);

- Revogação da medida de garantia e de substituição do Estado como arrendatário (30 dias);

- Correção das distorções introduzidas ao Regime de Arrendamento Urbano nos últimos oito anos, para devolver flexibilidade e confiança ao mercado de arrendamento (nomear grupo de trabalho);

- Criação do contrato de investimento para built-to-rent e available-to-let;

4. Simplificação legislativa

- Constituição de um ou mais contratos de seguro através de prestador que não seja o da preferência do mutuante, promovendo a saudável concorrência no mercado;

- Revisão do Simplex Urbanístico, com regulamentação, aprofundamento e aperfeiçoamento da legislação de desburocratização e simplificação administrativa urbanística (90 dias);

- Aprovação do Código da Construção;

- Utilização da metodologia BIM (Building Information Modeling) e aproximação das plataformas municipais de licenciamento de interface com os agentes económicos (120 dias);

- Adequação do conceito de custo controlado e de renda acessível para possibilitar a habitação acessível em cada local e momento, dando previsibilidade e perenidade ao mercado (120 dias);

– Revogação da CEAL, da caducidade da licença e transmissibilidade, e da alteração ao coeficiente de vetustez, descentralizando a regulação para os municípios (10 dias);

– Criação do Portal do IHRU, para acompanhamento dos processos de candidaturas, com o objetivo de reforçar a transparência (120 dias);

5. Fomento da habitação jovem

- Garantia pública aos jovens para viabilizar o financiamento bancário na compra da primeira casa (15 dias);

- Isenção de IMT e de IS na compra da primeira casa para os jovens até aos 35 anos nos imóveis até ao 4.º escalão de IMT, ou seja, até 316 mil euros (15 dias);

- Reformulação do programa de apoio ao arrendamento Porta 65, para priorizar a realidade económica do jovem, acabando com exclusões em função de limites de rendas (15 dias);

- Programa de Emergência para o Alojamento Estudantil (15 dias):

- Implementação do “Plano Nacional Alojamento 2025-26” para os estudantes, com a oferta de mais 18 mil camas (30 dias);

6. Assegurar a acessibilidade na habitação

- Agilização dos programas de subsídio de renda, eliminando as restrições, designadamente nas caducidades (30 dias);

- Criação de regulamento de transição entre as rendas apoiadas e a renda acessível, por forma a garantir a não existência de descontinuidades nos apoios (120 dias).

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Obviamente, à esquerda, o plano “Construir Portugal” não agrada, por constituir uma regressão, face ao Programa “Mais Habitação” (que já não agradava a muitos desta área política).

Porém, agora no desagrado, campeiam os proprietários, acusando o governo de manter a maior parte das medidas gravosas do pacote “Mais Habitação”, como o teto ao aumento das rendas para os novos contratos e a proteção das rendas antigas”. A este respeito, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietário (ALP), Luís Menezes Leitão (ex-bastonário da Ordem dos Advogados), sustenta que “é uma quebra gravíssima da promessa eleitoral”.

De facto, analisando o documento apresentado pelo ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, não há qualquer nota de revogação do teto às rendas ou do regime de rendas antigas. Assim, mantém-se a medida do “Mais Habitação” que determina que, “nos imóveis que já se encontravam no mercado de arrendamento nos últimos cinco anos, a renda inicial nos novos contratos não pode ultrapassar os 2 %, face à renda anterior, salvo nas rendas em que se pratiquem valores enquadrados dentro dos limites do programa de arrendamento acessível”.

De salientar que “a este valor podem acrescer os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores” e que, no caso dos imóveis, onde tiverem sido feitas obras de remodelação ou restauro profundos, devidamente atestados pelos municípios, o aumento pode ser de 15% adicionais”. Este regime estará em vigor até 2030. Por outro lado, o pacote do governo anterior garante a não transição dos contratos anteriores a 1990 para o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), o que se mantém inalterado na estratégia de Luís Montenegro.

Quanto à descida do IVA para 6% no caso de obras de reabilitação e construção de habitação, Menezes Leitão considera a “medida positiva”, mas critica o longo prazo para a sua implementação: “Até ao final da legislatura, ou seja só lá para 2028.”

Por seu turno, António Machado, da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, diz que o programa é “curto e contestável”, faltando medidas para “regular e fiscalizar o mercado”.

Já o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, congratula-se com a medida (mas aguarda pelos detalhes) que revoga a CEAL de 15%. “Vamos aguardar com serenidade para ver a proposta concreta”, indicou, frisando que o acordo da ALEP com o Partido Social Democrata (PSD), em 2023, envolvia outros tópicos, que não explicitou.

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O plano “Construir Portugal parte de uma análise derrotista da situação, ignorando as crises que travessaram o país, a Europa e o Mundo. Vejamos:   

“Pouco ou nada foi feito nos últimos 20 anos. A Habitação nunca foi verdadeiramente encarada como pilar essencial da construção do estado social, a par da saúde, da educação ou do sistema de pensões. A crise de oferta habitacional alimentou uma preocupante divisão na nossa sociedade [, pois] aumentou as diferenças sociais, é passa-culpas constante para encontrar responsáveis; e virou inquilinos contra senhorios, turismo contra cidades e bancos contra promotores.”

Vejamos se com este novo furor, ignorando os esforços anteriores, resolverá a crise!

2024.05.10 – Louro de Carvalho

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