quinta-feira, 9 de maio de 2024

UE adota primeiro ato legislativo sobre violência contra as mulheres

 

A 7 de maio, o Conselho Europeu deu, luz verde a uma diretiva da União Europeia (UE) para combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica, na convicção de que a adoção de medidas decisivas contra estes atos de violência é essencial para garantir os valores e os direitos fundamentais da igualdade entre homens e mulheres e da não discriminação.

Tal deliberação vem na sequência da apresentação da proposta de diretiva relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica que foi apresentada, a 8 de março de 2022, da parte da Comissão Europeia, pela vice-presidente dos Valores e Transparência, Vera Jourová, e pela comissária da Igualdade, Helena Dalli.

A 9 de junho de 2023, o Conselho definiu a sua posição sobre a proposta de diretiva; as eurodeputadas Frances Fitzgerald e Evin Incir foram as relatoras do Parlamento Europeu (PE) para este dossiê; o acordo entre o Conselho e o PE foi alcançado a 6 de fevereiro de 2024; e, a 25 de abril, foi apresentada a diretiva em causa, um longo texto de 104 páginas, desenvolvido em 51 artigos, depois de um prólogo de 50 páginas e com 95 itens explicativos.

***

O ato legislativo ora adotado exige que todos os países da UE criminalizem a mutilação genital feminina, o casamento forçado e a ciberviolência, bem como a partilha não consensual de imagens íntimas. Além disso, contém medidas para prevenir a violência contra as mulheres e a violência doméstica e estabelece normas para a proteção das vítimas destes crimes.

Comentando a postura do Conselho, Paul Van Tigchelt, vice-primeiro-ministro e ministro belga da Justiça e do mar do Norte, sustenta que “a violência contra as mulheres e a violência doméstica são crimes persistentes”, mas que “este ato garantirá, em toda a UE, que os autores desses crimes sejam severamente sancionados e que as suas vítimas recebam todo o apoio de que necessitam”.

Por sua vez, Marie-Colline Leroy, secretária de Estado belga da Igualdade de Género, considerou:

“Trata-se de um momento revolucionário no reforço dos direitos das mulheres. Uma verdadeira igualdade só existirá quando as mulheres puderem viver sem receio de serem assediadas, violentamente atacadas ou fisicamente lesadas. Este ato é um passo importante na boa direção.”

O ato legislativo ora adotado criminaliza as seguintes infrações em toda a UE: a mutilação genital feminina, o casamento forçado, a partilha não consensual de imagens íntimas, a ciberperseguição, o ciberassédio e o incitamento à violência e ao ódio em linha. A prática destes crimes será punível com penas de prisão de, pelo menos, um ano a cinco anos.

A diretiva contém extensa lista de circunstâncias agravantes, como a prática da infração contra uma criança, contra atual ou ex-cônjuge ou parceiro ou representante público, contra um jornalista ou contra um defensor dos direitos humanos, que são objeto de sanções mais severas. Inclui também regras pormenorizadas sobre as medidas de assistência e de proteção que os estados-membros deverão prestar às vítimas. Será, assim, mais fácil, para as vítimas de violência contra as mulheres e de violência doméstica, denunciar um crime. No mínimo, será possível denunciar em linha cibercrimes. E os países da UE deverão, igualmente, tomar medidas para garantir que as crianças sejam assistidas por profissionais. Quando as crianças denunciam um crime cometido por uma pessoa com responsabilidade parental, as autoridades terão de tomar medidas para proteger a segurança da criança, antes de informarem o alegado autor do crime.

A fim de proteger a privacidade da vítima e de evitar a vitimização repetida, os estados-membros devem assegurar que os elementos de prova relativos ao comportamento sexual passado da vítima só sejam permitidos em processo penal, quando forem pertinentes e necessários.

Tendo em mente a construção de um futuro mais seguro, as medidas preventivas visam reforçar a sensibilização para as causas profundas da violência contra as mulheres e da violência doméstica e promover o papel central do consentimento nas relações sexuais.

Os estados-membros disporão de três anos, após a entrada em vigor da diretiva, para a transpor para o direito nacional.

***

A UE e os estados-membros trabalham em conjunto para prevenir e combater a violência contra as mulheres e as raparigas, para proteger as vítimas e para punir os agressores.

A violência contra as mulheres e as raparigas é das violações dos direitos humanos mais comuns e sistemáticas, a nível mundial. Os países da UE não são exceção. Uma em cada três mulheres já foi vítima de violência física ou sexual, perpetrada maioritariamente por parceiros íntimos.

Durante a pandemia de covid-19, registou-se significativo aumento da violência física e emocional contra as mulheres. Segundo as informações disponíveis, em alguns países, houve cinco vezes mais chamadas telefónicas para as linhas de apoio à violência doméstica.

A violência em linha está, igualmente, a aumentar, atingindo, em especial, as mulheres jovens e as mulheres com exposição pública, como as jornalistas e as mulheres na política. As mulheres também são vítimas de violência no trabalho: cerca de um terço das mulheres vítimas de assédio sexual na UE sofreu este assédio no local de trabalho.

A UE e os seus Estados-Membros estão a trabalhar em várias frentes para pôr termo à violência de género, proteger as vítimas deste crime hediondo e punir os infratores.

Não existia legislação específica da UE relativa à violência contra as mulheres nem à violência doméstica. No entanto, a questão já era abrangida por algumas diretivas e regulamentos da UE, em especial nos domínios da cooperação judiciária em matéria penal, da igualdade entre homens e mulheres e da política de asilo. Por exemplo, a diretiva que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção de todas as vítimas de todos os crimes assegura que os direitos das vítimas de violência de género sejam garantidos em todas as fases do processo penal.

Como já foi referido, a 8 de março de 2022, a Comissão Europeia propôs nova diretiva relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, para assegurar, em toda a UE, um nível mínimo de proteção contra este tipo de violência. E, a 9 de junho de 2023, o Conselho definiu a sua posição sobre a proposta de diretiva para prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica.

As novas regras criminalizarão uma série de infrações, incluindo a mutilação genital feminina e a ciberviolência. A ciberviolência refere-se à partilha não consentida de imagens íntimas, à ciberperseguição, ao ciberassédio e ao ciberincitamento ao ódio ou à violência.

A diretiva assegurará, igualmente, que as vítimas têm acesso à justiça, direito a reclamar uma indemnização e acesso gratuito a linhas telefónicas de apoio e a centros de ajuda de emergência para vítimas de violação.

A 6 de fevereiro de 2024, o Conselho e o PE chegaram a acordo sobre o primeiro ato legislativo da UE em matéria de combate à violência contra as mulheres. E, a 7 de maio de 2024, o Conselho adotou o ato que harmonizará as sanções e os prazos de prescrição aplicáveis a essas infrações.

A mutilação genital feminina, por exemplo, deve agora ser punível em todos os estados-membros com uma pena máxima de, pelo menos, cinco anos de prisão.

***

A caminhada da luta contra a violência sobre as mulheres e contra a violência doméstica não é de só de agora. A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica – a “Convenção de Istambul” (11 de maio de 2011) – é a grande referência para as normas internacionais neste domínio.

A “Convenção de Ibstambul” é o primeiro documento internacional que contém uma definição de género; criminaliza infrações como a mutilação genital feminina, o casamento forçado, a perseguição, o aborto forçado e a esterilização forçada; reconhece que a violência contra as mulheres constitui violação dos direitos humanos e uma forma de discriminação; responsabiliza os estados, se estes não responderem adequadamente a esta forma de violência.

Estabelece medidas jurídicas e estratégicas abrangentes para prevenir esse tipo de violência e proteger e prestar assistência às vítimas, incluindo medidas relativas à recolha de dados, à sensibilização, à criminalização desse tipo de violência e à prestação de serviços de apoio.

Aborda, igualmente, a dimensão da violência de género em matéria de asilo e migração.

A Convenção de Istambul entrou em vigor a 1 de agosto de 2014 e foi assinada pela UE, a 13 de junho de 2017. Em fevereiro de 2023, o Conselho solicitou a aprovação do PE para adotar a decisão relativa à celebração da Convenção pela UE.

A 1 de junho de 2023, o Conselho adotou decisão relativa à adesão da UE à Convenção.

O direito das mulheres a viver sem violência é, igualmente, defendido por acordos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) e a Declaração da ONU [Organização das Nações Unidas] sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (1993).

Em 2020, a Comissão Europeia adotou a Estratégia europeia para a igualdade de género 2020-2025. A estratégia prevê um conjunto ambicioso de medidas para pôr termo à violência contra as mulheres e à violência doméstica. Com esta estratégia, a UE confirmou o seu empenho em prevenir e combater a violência de género, em apoiar e proteger as vítimas e em responsabilizar os seus autores.

Em novembro de 2022, a Comissão Europeia anunciou o número normalizado a nível da UE para a linha de apoio às vítimas de violência contra as mulheres. O número é 116 016.

As mulheres vítimas de violência poderão utilizar o mesmo número de telefone em toda a UE, para aceder a aconselhamento e apoio. Os estados-membros tiveram, o mais tardar até ao final de abril de 2023, para reservar o número comum da UE, a fim de o ligar às linhas de apoio nacionais.

Estima-se que, pelo menos, 600 mil mulheres, na Europa, e 200 milhões de mulheres, em todo o Mundo, tenham sofrido mutilação genital feminina. Se esta prática continuar ao ritmo atual, o número de raparigas mutiladas será de 68 milhões, entre 2015 e 2030, nos 25 países onde esta prática atroz é comum e existem dados disponíveis.

A UE tem participado ativamente nos esforços internacionais para promover a eliminação da mutilação genital feminina. A realização de debates sobre o tema é parte integrante dos diálogos políticos e sobre direitos humanos com países terceiros e com organizações regionais e dos diálogos regulares sobre o combate à violência contra as mulheres com a sociedade civil e com as organizações de defesa dos direitos humanos. E a UE financia e apoia uma série de projetos em todo o Mundo que visam eliminar esta prática nociva.

***

Em Portugal, Violência doméstica continua a aumentar: só em 2023 foram registadas mais de 30 mil denúncias. E os dados referentes a esse ano revelam que mais de duas mil pessoas foram detidas por violência doméstica, no país. Pelo menos 22 pessoas morreram vítimas deste tipo de crime, sendo 17 mulheres. Os agressores são maioritariamente homens, enquanto as vítimas são sobretudo mulheres. Seis mil casos de violência doméstica foram classificados de risco elevado.

Cerca de 90% das vítimas são mulheres. Pelo menos, 27% dos casos são situações de violência familiar que já denunciadas e identificadas pela justiça antes.

Sobre esta matéria, Elisabete Brasil, que trabalha com vítimas de violência doméstica desde 1997, fala de “naturalização e banalização” da violência doméstica, legitimada por uma “educação patriarcal”. A coordenadora na FEM (Feministas em Movimento) alerta para o facto de não ser fácil identificar a vítima de violência doméstica. Por se tratar de crime público, há mais de 20 anos, qualquer pessoa pode fazer queixa às autoridades. A denúncia não tem de ser feita pela vítima. E a Associação de Apoio à Vítima (APAV) revela que, agora, os casos são mais violentos do que antes. Ameaças, insultos, agressões físicas e difamação são os casos mais relatados.

***

Não pode haver tréguas no combate à violência doméstica, nomeadamente de mulheres e crianças.

2024.05.09 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário