A 7 de maio,
o Conselho Europeu deu, luz verde a uma diretiva da União Europeia (UE) para
combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica, na convicção
de que a adoção de medidas decisivas contra estes atos de violência é essencial
para garantir os valores e os direitos fundamentais da igualdade entre homens e
mulheres e da não discriminação.
Tal
deliberação vem na sequência da apresentação da proposta de diretiva relativa
ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica que foi
apresentada, a 8 de março de 2022, da parte da Comissão Europeia, pela
vice-presidente dos Valores e Transparência, Vera Jourová, e pela comissária da
Igualdade, Helena Dalli.
A 9 de junho de 2023, o Conselho
definiu a sua posição sobre a proposta de diretiva; as eurodeputadas Frances Fitzgerald e Evin Incir foram
as relatoras do Parlamento Europeu (PE) para este dossiê; o acordo entre o
Conselho e o PE foi alcançado a 6 de fevereiro de 2024; e, a 25 de abril, foi
apresentada a diretiva em causa, um longo texto de 104 páginas, desenvolvido em
51 artigos, depois de um prólogo de 50 páginas e com 95 itens explicativos.
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O ato legislativo
ora adotado exige que todos os países da UE criminalizem a mutilação genital
feminina, o casamento forçado e a ciberviolência, bem como a partilha não
consensual de imagens íntimas. Além disso, contém medidas para prevenir a
violência contra as mulheres e a violência doméstica e estabelece normas para a
proteção das vítimas destes crimes.
Comentando a postura do Conselho, Paul Van Tigchelt,
vice-primeiro-ministro e ministro belga da Justiça e do mar do Norte, sustenta
que “a violência contra as mulheres e a
violência doméstica são crimes persistentes”, mas que “este ato garantirá, em
toda a UE, que os autores desses crimes sejam severamente sancionados e que as
suas vítimas recebam todo o apoio de que necessitam”.
Por sua vez, Marie-Colline Leroy, secretária de Estado belga da Igualdade
de Género, considerou:
“Trata-se de
um momento revolucionário no reforço dos direitos das mulheres. Uma verdadeira
igualdade só existirá quando as mulheres puderem viver sem receio de serem
assediadas, violentamente atacadas ou fisicamente lesadas. Este ato é um passo
importante na boa direção.”
O ato
legislativo ora adotado criminaliza as seguintes infrações em toda a UE: a
mutilação genital feminina, o casamento forçado, a partilha não consensual de
imagens íntimas, a ciberperseguição, o ciberassédio e o incitamento à violência
e ao ódio em linha. A prática destes crimes será punível com penas de prisão
de, pelo menos, um ano a cinco anos.
A diretiva
contém extensa lista de circunstâncias agravantes, como a prática da infração
contra uma criança, contra atual ou ex-cônjuge ou parceiro ou representante
público, contra um jornalista ou contra um defensor dos direitos humanos, que
são objeto de sanções mais severas. Inclui também regras pormenorizadas sobre
as medidas de assistência e de proteção que os estados-membros deverão prestar
às vítimas. Será, assim, mais fácil, para as vítimas de violência contra as
mulheres e de violência doméstica, denunciar um crime. No mínimo, será possível
denunciar em linha cibercrimes. E os países da UE deverão, igualmente, tomar
medidas para garantir que as crianças sejam assistidas por profissionais.
Quando as crianças denunciam um crime cometido por uma pessoa com
responsabilidade parental, as autoridades terão de tomar medidas para proteger
a segurança da criança, antes de informarem o alegado autor do crime.
A fim de
proteger a privacidade da vítima e de evitar a vitimização repetida, os
estados-membros devem assegurar que os elementos de prova relativos ao
comportamento sexual passado da vítima só sejam permitidos em processo penal,
quando forem pertinentes e necessários.
Tendo em
mente a construção de um futuro mais seguro, as medidas preventivas visam
reforçar a sensibilização para as causas profundas da violência contra as
mulheres e da violência doméstica e promover o papel central do consentimento
nas relações sexuais.
Os estados-membros
disporão de três anos, após a entrada em vigor da diretiva, para a transpor
para o direito nacional.
***
A UE e os estados-membros trabalham
em conjunto para prevenir e combater a violência contra as mulheres e as
raparigas, para proteger as vítimas e para punir os agressores.
A violência contra as mulheres e as
raparigas é das violações dos direitos humanos mais comuns e
sistemáticas, a nível mundial. Os países da UE não são exceção. Uma
em cada três mulheres já foi vítima de violência física ou sexual, perpetrada
maioritariamente por parceiros íntimos.
Durante a pandemia de covid-19,
registou-se significativo aumento da violência física e emocional contra as mulheres.
Segundo as informações disponíveis, em alguns países, houve cinco vezes mais
chamadas telefónicas para as linhas de apoio à violência doméstica.
A violência em linha está,
igualmente, a aumentar, atingindo, em especial, as mulheres jovens e as mulheres
com exposição pública, como as jornalistas e as mulheres na política. As
mulheres também são vítimas de violência no trabalho: cerca de um terço das
mulheres vítimas de assédio sexual na UE sofreu este assédio no local de
trabalho.
A UE e os seus Estados-Membros estão
a trabalhar em várias frentes para pôr termo à violência de género, proteger as
vítimas deste crime hediondo e punir os infratores.
Não existia legislação específica da
UE relativa à violência contra as mulheres nem à violência doméstica. No
entanto, a questão já era abrangida por algumas diretivas e regulamentos da UE,
em especial nos domínios da cooperação judiciária em matéria penal, da
igualdade entre homens e mulheres e da política de asilo. Por exemplo, a
diretiva que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à
proteção de todas as vítimas de todos os crimes assegura que os direitos das
vítimas de violência de género sejam garantidos em todas as fases do processo
penal.
Como já foi referido, a 8 de março de
2022, a Comissão Europeia propôs nova diretiva relativa ao combate à violência
contra as mulheres e à violência doméstica, para assegurar, em toda a UE, um
nível mínimo de proteção contra este tipo de violência. E, a 9 de junho de
2023, o Conselho definiu a sua posição sobre a proposta de diretiva para
prevenir e combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica.
As novas regras criminalizarão
uma série de infrações, incluindo a mutilação genital feminina e a
ciberviolência. A ciberviolência refere-se à partilha não consentida
de imagens íntimas, à ciberperseguição, ao ciberassédio e ao ciberincitamento
ao ódio ou à violência.
A diretiva assegurará, igualmente,
que as vítimas têm acesso à justiça, direito a reclamar uma indemnização e acesso
gratuito a linhas telefónicas de apoio e a centros de ajuda de emergência para
vítimas de violação.
A 6 de fevereiro de 2024, o Conselho
e o PE chegaram a acordo sobre o primeiro ato legislativo da UE em matéria de
combate à violência contra as mulheres. E, a 7 de maio de 2024, o Conselho
adotou o ato que harmonizará as sanções e os prazos de prescrição
aplicáveis a essas infrações.
A mutilação genital feminina, por
exemplo, deve agora ser punível em todos os estados-membros com uma pena máxima
de, pelo menos, cinco anos de prisão.
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A caminhada da luta contra a
violência sobre as mulheres e contra a violência doméstica não é de só de
agora. A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o
Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica – a
“Convenção de Istambul” (11 de maio de 2011) – é a grande referência para as
normas internacionais neste domínio.
A “Convenção de Ibstambul” é o
primeiro documento internacional que contém uma definição de género; criminaliza
infrações como a mutilação genital feminina, o casamento forçado, a
perseguição, o aborto forçado e a esterilização forçada; reconhece que a
violência contra as mulheres constitui violação dos direitos humanos e uma
forma de discriminação; responsabiliza os estados, se estes não responderem
adequadamente a esta forma de violência.
Estabelece medidas jurídicas e
estratégicas abrangentes para prevenir esse tipo de violência e proteger e
prestar assistência às vítimas, incluindo medidas relativas à recolha de dados,
à sensibilização, à criminalização desse tipo de violência e à prestação de
serviços de apoio.
Aborda, igualmente, a dimensão da
violência de género em matéria de asilo e migração.
A Convenção de Istambul entrou em
vigor a 1 de agosto de 2014 e foi assinada pela UE, a 13 de junho de 2017. Em
fevereiro de 2023, o Conselho solicitou a aprovação do PE para adotar a decisão
relativa à celebração da Convenção pela UE.
A 1 de junho de 2023, o Conselho
adotou decisão relativa à adesão da UE à Convenção.
O direito das mulheres a viver sem
violência é,
igualmente, defendido por acordos internacionais, como a Convenção sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979) e a
Declaração da ONU [Organização das Nações Unidas] sobre a Eliminação da
Violência contra as Mulheres (1993).
Em 2020, a Comissão Europeia adotou a
Estratégia europeia para a igualdade de género 2020-2025. A estratégia prevê
um conjunto ambicioso de medidas para pôr termo à violência contra
as mulheres e à violência doméstica. Com esta estratégia, a UE
confirmou o seu empenho em prevenir e combater a violência de género, em apoiar
e proteger as vítimas e em responsabilizar os seus autores.
Em novembro de 2022, a Comissão
Europeia anunciou o número normalizado a nível da UE para a linha de apoio às
vítimas de violência contra as mulheres. O número é 116 016.
As mulheres vítimas de violência
poderão utilizar o mesmo número de telefone em toda a UE,
para aceder a aconselhamento e apoio. Os estados-membros tiveram, o mais tardar
até ao final de abril de 2023, para reservar o número comum da UE, a fim de o
ligar às linhas de apoio nacionais.
Estima-se que, pelo menos,
600 mil mulheres, na Europa, e 200 milhões de mulheres, em todo o Mundo,
tenham sofrido mutilação genital feminina. Se esta prática continuar ao ritmo
atual, o número de raparigas mutiladas será de 68 milhões, entre 2015 e 2030,
nos 25 países onde esta prática atroz é comum e existem dados disponíveis.
A UE tem participado ativamente
nos esforços internacionais para promover a eliminação da
mutilação genital feminina. A realização de debates sobre o tema é
parte integrante dos diálogos políticos e sobre direitos humanos com países
terceiros e com organizações regionais e dos diálogos regulares sobre o combate
à violência contra as mulheres com a sociedade civil e com as organizações de
defesa dos direitos humanos. E a UE financia e apoia uma série de projetos em
todo o Mundo que visam eliminar esta prática nociva.
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Em Portugal, Violência
doméstica continua a aumentar: só em 2023 foram registadas mais de 30 mil
denúncias. E os dados referentes a esse ano revelam que mais de duas
mil pessoas foram detidas por violência doméstica, no país. Pelo menos 22
pessoas morreram vítimas deste tipo de crime, sendo 17 mulheres. Os agressores
são maioritariamente homens, enquanto as vítimas são sobretudo mulheres.
Seis mil casos de violência doméstica foram classificados de risco elevado.
Cerca de 90% das vítimas são mulheres. Pelo menos, 27% dos casos são situações de violência familiar que
já denunciadas e identificadas pela justiça antes.
Sobre esta matéria, Elisabete Brasil, que trabalha com vítimas de
violência doméstica desde 1997, fala de “naturalização e banalização” da
violência doméstica, legitimada por uma “educação patriarcal”. A coordenadora na FEM
(Feministas em Movimento) alerta para o facto de não ser fácil identificar a
vítima de violência doméstica. Por se tratar de crime público, há mais de 20
anos, qualquer pessoa pode fazer queixa às autoridades. A denúncia não tem de
ser feita pela vítima. E a Associação de Apoio à Vítima (APAV) revela que, agora, os casos são
mais violentos do que antes. Ameaças, insultos, agressões físicas e difamação
são os casos mais relatados.
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Não pode haver tréguas no combate à violência doméstica,
nomeadamente de mulheres e crianças.
2024.05.09
– Louro de Carvalho
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