segunda-feira, 13 de maio de 2024

A crise da habitação é transversal a toda a Europa

 

Na Europa, o panorama da habitação é variado, com uma divisão significativa entre proprietários e arrendatários. De acordo com o Eurostat, serviço de estatísticas da Comissão Europeia, em oito dos 36 países europeus, mais de 90% da população vivia em casa própria em 2022.

A crise da habitação é preocupação crescente em toda a Europa, marcada pela escassez e pelo aumento das rendas. Cerca de 70% dos residentes na União Europeia (UE) são proprietários das suas casas, enquanto os restantes 30% são arrendatários, e cerca de 17% da população da UE vive em condições de sobrelotação.

A Suíça e a Alemanha registam taxas de arrendamento elevadas, com mais de metade da população a arrendar casa, enquanto os países dos Balcãs apresentam taxas de aquisição de habitação própria mais elevadas, embora muitas casas estejam sobrelotadas.

Na Alemanha, a proporção de arrendatários ultrapassou os 50%, em 2022, o que a torna única nos países da UE. A Suíça, tendo em conta a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA, o Reino Unido e os países candidatos), apresenta a percentagem mais elevada de arrendatários, com 57,7%. A Macedónia do Norte, a Albânia e a Roménia apresentam taxas de habitação própria superiores a 95%. Com exceção da Turquia, a taxa de propriedade de habitação era mais elevada nos países dos Balcãs, tendência que se estende à Hungria, Sérvia, Croácia e Montenegro. E países como a Áustria, a Turquia, a Dinamarca, a França, a Suécia e o Reino Unido situam-se abaixo da taxa média de habitação própria da UE (69,1%).Entre os quatro grandes da UE, a Espanha e a Itália registam as taxas mais elevadas, com três em cada quatro residentes a viver em casa própria.

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Face a esta situação grave, embora diversificada, os países europeus adotaram várias medidas políticas, para garantirem habitação a preços acessíveis, nomeadamente subsídios de habitação, habitação social de arrendamento e regulamentação das rendas. O relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre habitação a preços acessíveis revela que, em média, a habitação social representa 8% do parque habitacional da UE. São alojamentos residenciais para arrendamento a preços inferiores aos do mercado e atribuídos segundo regras específicas e não com mecanismos de mercado. Os Países Baixos, a Áustria e a Dinamarca têm as maiores percentagens de habitação social, constituindo mais de 20% do seu parque habitacional total. O Reino Unido, a França, a Irlanda, a Islândia e a Finlândia têm setores moderados de habitação social, variando entre 10% e 19%. O setor é relativamente pequeno na Suíça (8%) e na Alemanha (2,7%), onde mais de metade da população é arrendatária.

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A qualidade da habitação é fundamental. A OCDE sublinha que as casas sobrelotadas e com pouco espaço afetam, negativamente, a saúde, especialmente das crianças. O número médio de divisões por pessoa e as taxas de sobrelotação são indicadores-chave da qualidade da habitação.

Em 2022, o número médio de divisões por pessoa, na UE, era de 1,6, variando entre 2,3 divisões em Malta e 1,1 divisões na Polónia, Roménia e Eslováquia. O número médio de quartos por pessoa era inferior nos países candidatos dos Balcãs à integração na UE, o que se correlaciona com taxas mais elevadas de sobrelotação. Apesar das elevadas taxas de propriedade nos países dos Balcãs, a sobrelotação continua a ser um problema nestas regiões.

Pelo menos metade da população do Montenegro, da Albânia e da Sérvia vivia em casas sobrelotadas. Na UE, a taxa de sobrelotação era de 16,8%. Entre os países da UE, as taxas mais elevadas de sobrelotação foram observadas na Letónia (41,7%), na Roménia (40,5%) e na Bulgária (36,2%), enquanto as mais baixas foram observadas em Chipre (2,2%), Malta (2,8%) e Países Baixos (2,9%).

Em janeiro de 2024, um coletivo de 100 fornecedores de habitação pública, cooperativa e social, juntamente com decisores políticos e investigadores, reuniu-se no Parlamento Europeu (PE). Liderado pela Housing Europe, o grupo divulgou um manifesto que delineia três passos para garantir uma habitação acessível e digna para todos, na UE: adotar um novo paradigma de habitação; apoiar o movimento para uma transição energética justa; e abordar as causas profundas, para acabar com a exclusão habitacional.

Em particular, o manifesto apela ao apoio à habitação pública, cooperativa, social e de iniciativa comunitária, como espinha dorsal dos sistemas nacionais de habitação.

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De acordo com um estudo do Banco Central Europeu (BCE), um número crescente de europeus com baixos rendimentos prevê atrasar-se no pagamento das principais faturas, devido ao aumento das taxas de juro, das rendas e dos custos dos serviços públicos. “A capacidade das famílias para fazer face aos custos relacionados com a habitação e com o pagamento das hipotecas é fonte de preocupação, especialmente para as famílias com rendimentos mais baixos”, escreveram os investigadores num artigo do boletim económico do BCE, que apresenta uma panorâmica dos “encargos com a habitação das famílias”, nas 11 maiores economias da Zona Euro.

Desde que o BCE aumentou a taxa de juro, em julho de 2022, os custos com a habitação aumentaram 6%, para os proprietários a título definitivo, mas 12% e 9%, para quem tem hipoteca e arrendamento, respetivamente, diz o relatório de Omiros Kouvavas e Desislava Rusinova. 

Em janeiro de 2024, as famílias pagavam uma média de 765 euros por mês em custos totais conexos com a habitação, incluindo serviços públicos (como gás, eletricidade e água), manutenção da casa e custos de arrendamento ou hipoteca. As despesas com a habitação absorvem cerca de 40% do rendimento dos inquilinos, 35% dos que têm hipotecas e 20% dos proprietários a título definitivo. Entretanto, as pessoas com rendimentos mais baixos que têm de arrendar as suas casas enfrentam custos que representam cerca de metade do seu salário mensal.

Das três categorias principais, as pessoas que têm hipoteca são as que enfrentam os custos mais elevados, devido ao aumento da taxa de juro, com prestação mensal média superior a 1100 euros.

A subida das taxas de juro deixou marca no mercado de arrendamento. O aumento dos custos dos empréstimos travou os novos investimentos, enquanto o mercado de arrendamento, que já enfrentava uma escassez de habitações disponíveis, viu os seus preços subirem em conformidade.

De acordo com o BCE, os inquilinos pagam, em média, mais de 800 euros nos 11 países analisados, enquanto os proprietários a título definitivo se aproximam de um custo de 500 euros por mês, principalmente devido ao aumento dos custos de manutenção das habitações. Os custos dos serviços de utilidade pública diminuíram recentemente. De entre os 11 países, os custos da habitação parecem ser os mais elevados na Irlanda, com cerca de 900 euros por mês, excluindo as hipotecas, mas mais de 1 200 euros, se for incluído o pagamento da hipoteca.

A fatura da habitação é a segunda e terceira mais elevada na Alemanha e na Áustria, rondando os 750 euros (900 euros, com hipoteca). Os habitantes da Grécia e de Portugal são os que têm as despesas de habitação mais baixas dos 11 países.

Quando as despesas com a habitação são analisadas como um rácio do rendimento de um agregado familiar, a Áustria parece ser o país mais dispendioso, com 29% (33%, se as hipotecas forem incluídas nos cálculos) do rendimento a ser aplicado nessas despesas.

O aumento do rendimento das famílias compensou largamente o aumento dos custos da habitação, nos últimos anos, embora tenha havido sempre algumas famílias com baixos rendimentos (entre 5% e 10% dos 50% com rendimentos mais baixos) que se atrasaram nos pagamentos nos meses anteriores. No entanto, o índice prospetivo do BCE sugere, agora, que as suas expectativas para os próximos meses se agravaram. “A proporção de famílias que preveem efetuar um pagamento em atraso nos próximos três meses aumentou, substancialmente, entre as famílias com rendimentos mais baixos”, diz o relatório. E o rácio de pessoas com baixo rendimento que preveem atraso no pagamento de serviços públicos ou de renda nos próximos três meses aumentou de 15% para 20% e quase duplicou para 30%, no caso de atrasos nos pagamentos de hipotecas.

Embora a inflação esteja a diminuir na zona euro, são grandes as expectativas de que o BCE comece a reduzir a sua taxa de juro historicamente elevada em junho, o que trará algum alívio ao mercado imobiliário, permitindo que os investimentos aumentem e que surja uma maior seleção de imóveis, permitindo que os custos das hipotecas e das rendas acabem por baixar.

De acordo com o Eurostat, os preços das casas mais do que duplicaram na Estónia, na Hungria, Lituânia, na Letónia, na Chéquia, no Luxemburgo e na Áustria, entre 2010 e o segundo trimestre de 2023. Além disso, se compararmos o segundo trimestre de 2023 com 2010, os preços das casas aumentaram mais do que as rendas em 20 dos 27 países da UE.

Os grupos mais expostos ao risco de ficarem sem casa, devido à falta de acessibilidade dos preços das casas, são as famílias com crianças e os agregados familiares monoparentais. Além disso, a sobrelotação, o bolor, a humidade, a exposição à poluição e a falta de saneamento são uma preocupação crescente para muitas pessoas que vivem em condições de habitação inadequadas.

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A par das dificuldades apresentadas em torno da habitação, seja pelo arrendamento, seja pela compra, com hipoteca, aflora a gravidade da situação dos sem-abrigo.

Um estudo de 2023 estima que há 900 mil pessoas a dormir na rua, em toda a UE. No entanto, os especialistas afirmam que o número real de pessoas sem-abrigo na UE será muito superior a esta estimativa por várias razões. Com efeito, as definições de “sem-abrigo” variam de acordo com os países, faltam métodos abrangentes de recolha de dados, o termo “sem-abrigo” é utilizado para descrever realidades muito diferentes em toda a Europa e muitos estados-membros da UE não têm uma definição oficial de “sem-abrigo”.

Um estudo europeu sobre políticas nacionais sublinha que o governo da Estónia considera sem-abrigo um indivíduo sem documentação legal que prove que é proprietário ou arrendatário de edifício ou de quarto que possa ser considerado um espaço de habitação. E reconhece que o sem-abrigo não tem o rendimento ou as competências necessárias para alterar a sua situação.

Em contrapartida, a Itália define os sem-abrigo como os que estão “sem teto” ou “sem casa”, excluindo as pessoas ou grupos que vivem em abrigos temporários ou em habitações inadequadas.

Também em Malta, onde não existe definição oficial, apenas os indivíduos que, alegadamente, dormem na rua são reconhecidos como sem-abrigo.

A Federação das Organizações Nacionais que Trabalham com os Sem-Abrigo (FEANTSA) afirma que o número de pessoas sem-abrigo está a aumentar em quase todos os países da UE.

Para tentar perceber a dimensão real deste problema, a ONG desenvolveu o quadro ETHOS em 2005, que foi revisto em 2017. Segundo a FEANTSA, o fenómeno dos sem-abrigo inclui: pessoas a viver na rua ou em alojamentos de emergência; pessoas a viver em alojamento para sem-abrigo, incluindo abrigos para mulheres e alojamentos para migrantes e abrangendo as pessoas que vão sair de instituições e as que recebem apoio a longo prazo, devido à falta de alojamento; pessoas a viver em habitações precárias, ameaçados de exclusão grave devido a arrendamentos inseguros, despejo e violência doméstica; e pessoas a viver em habitações inadequadas, como caravanas em parques de campismo ilegais, em habitações impróprias ou em situações de sobrelotação extrema.

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Portugal vem discutindo o problema da habitação, cometendo o erro de o tornar arma de arremesso político-partidário. Os programas sucedem-se no papel, perdendo-se a sua discussão em pseudoquestões de constitucionalidade, esquecendo que o problema tem sido a falta de interesse dos poderes públicos e do setores privado e cooperativo, na produção de mais oferta, a especulação imobiliária, a falta de reciclagem dos edifícios públicos (e privados) devolutos, o nomadismo digital, o excessivo incremento do alojamento local, entre outros.

Talvez seja a hora de a UE definir conceitos e regras comuns e de estabelecer prazos aos governos nacionais, para cumprimento de metas concretas de solução da crise.

2024.05.13 – Louro de Carvalho

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