sexta-feira, 3 de maio de 2024

A governação económica na União Europeia

 

Com as eleições para o Parlamento Europeu (PE) no horizonte, sobressai a importância da governação económica da União Europeia (UE). Com efeito, não sendo a única vertente da governação da UE, que é uma entidade, fundamentalmente política, a economia é um pilar fundamental da União Económica e Monetária (UEM). Aliás, a UE foi precedida da criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), que sucedeu à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), fundada a 18 de abril de 1951, que estabelecia a livre circulação de carvão, ferro e aço (matérias de alta importância económica, ao tempo) entre os países-membros e defendia políticas para a instalação de indústrias siderúrgicas.  

Antes da introdução do euro, a UE estabeleceu a arquitetura da união económica e monetária, pelo Tratado de Maastricht, em 1992, visando a governação económica da UE, bem como detetar e corrigir desequilíbrios económicos suscetíveis de enfraquecer as economias nacionais ou de afetar outros países da UE com repercussões transfronteiras. O quadro de governação económica refere-se a um sistema de instituições e de procedimentos que a UE criou para coordenar as políticas económicas dos estados-membros e para atingir os seus objetivos económicos. Compreendendo um sistema complexo de coordenação e supervisão, assenta nos princípios de acompanhamento, de prevenção e de correção das tendências económicas suscetíveis de enfraquecer as economias de cada estado-membro ou de se repercutirem noutras economias.

A coordenação e a supervisão eficazes oferecem três vantagens principais: assegurar a solidez e a sustentabilidade das finanças públicas, no médio e no longo prazo para todos os estados-membros; promover o crescimento económico sustentável e a convergência; e corrigir os desequilíbrios macroeconómicos, com o apoio de reformas e de investimentos que reforcem o crescimento e a resiliência. Em conjunto com a moeda única na área do euro e com a política monetária que lhe está associada, o quadro de governação económica da UE contribuiu para a estabilidade económica, para o crescimento e para o aumento do emprego. Desde o Tratado de Maastricht, este quadro tem evoluído gradualmente. Foram empreendidas reformas, em resposta a crises económicas, como a crise financeira mundial de 2008.

A recuperação após a pandemia de covid-19 e as consequências da guerra na Ucrânia lançam novos desafios à economia da UE, no contexto de níveis de endividamento e taxas de juro mais elevados e de novos objetivos, em investimentos e em reformas. O quadro atual revelou-se demasiado rígido em tempos difíceis, o que leva o cumprimento das regras pelos estados-membros a ser desigual. Por isso, a UE atualizou o quadro de governação económica para o preparar para o futuro. A 10 de fevereiro de 2024, os negociadores do Conselho e do PE chegaram a acordo político provisório sobre as novas regras, que está bem encaminhado, para entrar em vigor ainda na primavera de 2024. A reforma tem como principais objetivos: garantir finanças públicas sãs e sustentáveis; promover o crescimento através de reformas e investimentos. As novas regras visam contribuir para as prioridades da UE de construir um futuro digital, ecológico e mais resiliente, reforçando o apoio à competitividade e autonomia estratégica.

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) fixa valores de referência para o défice orçamental e para os níveis da dívida pública: 3%, para a relação entre o défice orçamental programado ou verificado e o produto interno bruto (PIB) a preços de mercado; e 60 %, para a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de mercado.

Por seu turno, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que define as regras para o acompanhamento e para a coordenação das políticas orçamentais e económicas nacionais, contém regras preventivas e corretivas. O PEC aplica-se a todos os Estados-Membros da UE, mas só os países do euro estão sujeitos a sanções no âmbito da vertente corretiva.

Os regulamentos “pacote de seis” e “pacote de dois” reforçam a supervisão orçamental e introduzem o procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, para assegurar a supervisão dos desequilíbrios que surjam fora do âmbito das políticas orçamentais.

Ao nível da prevenção, o PEC contém um quadro de governação orçamental, também conhecido por “vertente preventiva”, que visa assegurar a solidez das finanças públicas e uma balança de pagamentos sustentável, bem como evitar défices orçamentais excessivos. É no âmbito do exercício anual do Semestre Europeu que a UE e os estados-membros fazem grande parte da coordenação das políticas económicas e orçamentais, alinhando-as com as regras acordadas.

Todos os anos, cada estado-membro recebe do Conselho Europeu (Conselho) orientações sobre as suas políticas económicas, orçamentais, de emprego e estruturais, orientações inicialmente, propostas pela Comissão e, em seguida, analisadas e debatidas pelos peritos dos estados-membros e acordadas pelos ministros da Economia e das Finanças (Ecofin), antes de serem debatidas pelos chefes de Estado ou de governo da UE no Conselho e, por fim, formalmente adotadas por este.

A reforma acordada do regulamento da vertente preventiva permitirá abordagem adaptada a cada estado-membro, considerando que as situações orçamentais, os níveis da dívida pública e os desafios económicos são diferentes por toda a UE, assim como assegurará a redução global dos rácios e défices da dívida para níveis prudentes, de forma gradual, realista e favorável ao crescimento, bem como uma supervisão multilateral eficaz. A adoção formal das novas regras está prevista para a primavera de 2024. Uma vez adotados, os textos serão publicados no Jornal Oficial da União Europeia e entrarão em vigor no dia seguinte ao da publicação.

A Comissão enviará uma trajetória de referência baseada no risco e diferenciada, expressa em termos de despesas líquidas plurianuais, aos estados-membros que apresentem défice orçamental e dívida pública que excedam os valores de referência de 3 % e 60 % do PIB, respetivamente. Os estados-membros cumpridores podem solicitar à Comissão informações técnicas sobre o saldo primário estrutural necessário para assegurar que o seu défice nominal seja mantido abaixo de 3 % do PIB. A trajetória assegurará que, após um período de ajustamento orçamental, a dívida pública dos estados-membros apresente tendência descendente plausível ou permaneça em níveis prudentes inferiores a 60 % do PIB a médio prazo. Além disso, terá por objetivo assegurar que todos os défices orçamentais sejam reduzidos e mantidos abaixo de 3 % do PIB.

O período normal de ajustamento orçamental é de quatro anos. No entanto, os estados-membros podem solicitar um período mais longo de, no máximo, sete anos. Esta prorrogação será permitida se o estado-membro fizer reformas e investimentos que melhorem a resiliência e o potencial de crescimento, apoiem a sustentabilidade orçamental e contemplem as prioridades comuns da UE, como a transições ecológica e digital, a segurança energética ou o reforço da capacidade de defesa.

A trajetória de referência respeitará duas salvaguardas: a  relativa à sustentabilidade da dívida e a relativa à resiliência ao défice. A primeira assegurará que o rácio da dívida pública diminua segundo a média anual mínima de 1 % do PIB, desde que o rácio da dívida do estado-membro exceda 90 %, ou de 0,5 % do PIB, desde que o rácio da dívida se mantenha entre 60 % e 90 %. Esta salvaguarda não se aplica a países cujo rácio da dívida seja inferior a 60 %. O escopo é reduzir os rácios da dívida para níveis prudentes, de forma gradual e realista. Já a segunda salvaguarda proporciona a margem de segurança abaixo do valor de referência de 3 % do défice previsto no TFUE. O escopo é fazer orçamentos nacionais para o futuro, pela criação de reservas orçamentais.

No âmbito do novo quadro, cada estado-membro elaborará um plano orçamental estrutural de médio prazo, com a duração de quatro ou cinco anos, até 20 de setembro de 2024. Este plano incluirá os compromissos em matéria orçamental, de reformas e de investimento e contribuirá para assegurar a redução coerente e gradual da dívida e promover o crescimento sustentável e inclusivo. Com base na sua trajetória de referência ou em informações técnicas, os estados-membros incorporarão nos seus planos orçamentais estruturais nacionais de médio prazo a sua trajetória de ajustamento orçamental, expressa como trajetória das despesas líquidas.

Estes planos e as trajetórias das despesas líquidas têm de ser aprovados pelo Conselho, na sequência de avaliação pela Comissão. Se um estado-membro solicitar prorrogação do período de ajustamento, os compromissos em matéria de reformas e investimentos subjacentes à prorrogação têm também de ser aprovados pelo Conselho. E, se o plano orçamental estrutural nacional de médio prazo do estado-membro não cumprir os requisitos, o Conselho recomendar-lhe-á que apresente um plano revisto. E a Comissão utilizará uma conta de controlo para acompanhar os desvios cumulativos, ascendentes e descendentes, dos estados-membros em relação às respetivas trajetórias de despesas líquidas acordadas.

Para simplificar o quadro orçamental da UE e para aumentar a transparência, um indicador operacional único baseado na sustentabilidade da dívida servirá de base para definir a trajetória das despesas líquidas e fazer a supervisão orçamental anual para cada estado-membro: o indicador de despesas líquidas, que terá por base as despesas primárias líquidas financiadas a nível nacional, ou seja, as despesas excluindo as medidas discricionárias do lado das receitas, as despesas com juros, as despesas cíclicas com o desemprego, as despesas nacionais com o cofinanciamento de programas financiados pela UE e as despesas com programas da UE inteiramente cobertas por receitas provenientes de fundos da UE. O indicador de despesas líquidas permitirá a estabilização macroeconómica, pois não será afetado por estabilizadores automáticos, incluindo flutuações das receitas e das despesas fora do controlo direto do governo.

O novo quadro prevê a introdução de um relatório anual sobre os progressos realizados, no qual cada estado-membro fornecerá informações sobre a execução do seu plano orçamental estrutural nacional de médio prazo, incluindo a trajetória das despesas líquidas, e sobre os progressos em matéria de reformas e investimentos. As regras preveem a possibilidade de ativar a cláusula de derrogação de âmbito geral, suspendendo as regras para todos os estados-membros em caso de recessão económica grave na área do euro ou no seu conjunto da UE, desde que tal não comprometa a sustentabilidade orçamental a médio prazo. O período máximo de ativação da cláusula é de um ano, com a possibilidade de prorrogação.

Ao abrigo das novas regras, o Conselho pode ativar a cláusula de derrogação nacional, se tal for solicitado por um estado-membro e recomendado pela Comissão. A cláusula suspenderá as regras só para o estado-membro em causa, se houver circunstâncias excecionais fora do controlo desse estado-membro que tenham impacto significativo nas suas finanças públicas. A cláusula só será ativada, se tal não comprometer a sustentabilidade orçamental a médio prazo, sendo o tempo limite para a sua ativação especificado pelo Conselho.

Em conformidade com o TFUE (artigo 126.º, n.º 1), os estados-membros têm de evitar um défice orçamental e uma dívida pública excessivos. Ou seja, não poderão exceder os valores de referência de 3 % do rácio do défice e de 60 % do rácio da dívida. As regras de execução neste domínio são estabelecidas na vertente corretiva do PEC e devem ser reforçadas no âmbito do novo quadro de governação económica.

O objetivo do procedimento por défice excessivo, de assegurar a disciplina orçamental, visa evitar défices orçamentais excessivos e incentivar a sua rápida correção, se ocorrerem; e reduzir, gradualmente a dívida de forma sustentável, até que a dívida seja reduzida para um nível inferior ao valor de referência de 60 % do PIB previsto no TFUE.

procedimento por défice excessivo, com base no critério do défice, exige ajustamento estrutural anual mínimo de 0,5 % do PIB. O incumprimento pode resultar em multas até 0,05 % do PIB, a pagar pelo estado-membro em causa, de seis em seis meses, até que o Conselho confirme que foram tomadas medidas eficazes. A Comissão considerará a possibilidade de iniciar procedimento por défice excessivo, com base no critério do défice, se o rácio entre o défice orçamental e o PIB exceder o valor de referência de 3 %. O procedimento por défice excessivo, com base no critério da dívida, centrar-se-á em desvios em relação à trajetória das despesas líquidas, considerando-se que a relação entre a dívida pública e o PIB está a diminuir suficientemente e a aproximar-se do valor de referência a um ritmo satisfatório, se o estado-membro em causa respeitar a sua trajetória das despesas líquidas. A Comissão considerará a possibilidade de iniciar o procedimento por défice excessivo, com base no critério da dívida, se os desvios registados na conta de controlo do estado-membro excederem 0,3 % do PIB, anualmente, ou 0,6 % do PIB, cumulativamente.

Ao avaliar o cumprimento do critério do défice e/ou da dívida por parte de um Estado-Membro, o Conselho e a Comissão avaliarão vários fatores pertinentes, entre os quais: a gravidade do desvio, os progressos na execução de reformas e investimentos, a gravidade da situação da dívida pública e o aumento das despesas com a defesa (se aplicável). A Comissão avaliará regularmente se o governo em causa tomou medidas eficazes e formulará a recomendação ao Conselho, a quem caberá decidir se pode por termo às sanções, ou se estas devem continuar e/ou ser intensificadas.

O Conselho deverá adotar o regulamento de alteração à vertente corretiva na primavera de 2024.

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A seguir às eleições de junho, inicia-se um novo mandato europeu de cinco anos, que se espera próspero e capaz de responder a todos os desafios que a UE enfrenta, dentro de si e perante o Mudo que a envolve.

2024.05.03 – Louro de Carvalho

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