Com o lançamento, a 13 de maio, do primeiro tomo – dedicado aos “Escritos da Inglaterra (1738-1739)”,
onde foi embaixador, da “Obra
Completa Pombalina”, coordenado por Ana Leal Faria – começou a ser
revelada a real dimensão do Marquês de Pombal.
O volume, apresentado em sessão, nas câmaras municipais de Lisboa (às 12
horas) e de Oeiras (às 18 horas), duas das instituições mecenas da investigação
(espera-se a apresentação em Pombal e em Sernancelhe, outros dois municípios
mecenas da obra), é a primeira tentativa bem-sucedida do levantamento do
espólio pombalino, após as anteriores, que têm existido, desde o século XIX, mas
sem sucesso. Após os primeiros cinco anos, a equipa de investigação aguarda a
renovação do mecenato atual e espera que outras instituições se liguem ao
projeto.
Entre os novos factos que serão revelados nos 50 volumes que compõem a
coleção (de início, o projeto editorial previa 30), está o local de nascimento
de Sebastião José de Carvalho e Melo, que terá de ser corrigido em todas as
biografias, pois “é natural de Sernancelhe, não de Lisboa”.
A apresentação deste primeiro tomo coincidiu com o dia em que Pombal nasceu,
13 de maio de 1699, e a investigação que desvendou aquele dado biográfico
fornecerá outros milhares de particularidades que historiadores, arquivistas,
paleógrafos, tradutores, entre outros, que formam a equipa que, desde 2019, tem
feito este levantamento. Com efeito, a equipa, com centena e meia de
profissionais nacionais e internacionais de várias instituições académicas, que
se depararam com enorme e inesperada profusão de fontes pombalinas, em mais de
200 arquivos e bibliotecas, tem a coordenação geral dos historiadores José
Eduardo Franco, Pedro Calafate e Viriato Soromenho Marques.
A volumosa documentação obrigou a ampliar o âmbito da investigação, já que,
após a previsão inicial de cinco mil documentos, transformou-se num universo
dez vez superior, encontrados em arquivos de vários países onde o Marquês
exerceu cargos, bem como do braço do seu poder espalhado por várias partes de
Portugal e do planeta.
Ana Leal Faria, enquadra, no primeiro tomo, o período pombalino de Londres,
que levaria Sebastião José a promover as futuras “enérgicas ruturas, frente a
correntes, a políticas, a práticas sociais, a metodologias educativas, a
escolas económicas, a modos de administração burocrática e militar”, para fazer
sintonizar Portugal com a “Europa civilizada e polida”, isto é, a rever-se na
“razão e no progresso” vigente nos países europeus mais avançados, ao tempo. O
furor reformista levaria o estadista a intervir em quase todas as áreas da
sociedade na Metrópole e no Ultramar.
Segundo os responsáveis, a investigação fará uma reinterpretação histórica,
graças à sucessiva publicação do Corpus Pombalino – toda a “obra
escrita, elaborada ou monitorizada pelo Marquês de Pombal” e situará o
estadista “a par do património de figuras centrais da Idade Moderna, como
Frederico II da Prússia ou o Cardeal Richelieu, dando-lhe a projeção mundial em
falta”.
A ausência deste levantamento tem sido notada por historiadores de renome,
como o britânico Kenneth Maxwell, que dedicou vários trabalhos a Pombal. Para
José Eduardo Franco, Maxwell referiu, por várias vezes, esse vazio, sustentando
que é “dever dos historiadores” e do país realizar uma busca sistemática deste
património junto dos muitos arquivos onde o legado do Marquês de Pombal tem
permanecido esquecido”. Maxwell, depois de publicar “Pombal, Paradoxo do Iluminismo”, ficou ciente
da existência de “uma imensa variedade de manuscritos soterrados, esquecidos e
desconhecidos do estadista”. Por isso, Eduardo Franco observa que Maxwell tinha
razão, ao prever que a documentação conhecida era muito pouca. Daí o comentário
à surpresa: “Estamos perante uma dimensão de documentos inimaginável, uma
quantidade que confirma um ‘icebergue documental’, muito além do visível até
termos dado início a esta investigação.”
Ana Leal Faria vinca, no texto introdutório, que “os escritos do Marquês de
Pombal permitem-nos observar que foi desenhando progressivamente, rodeando-se
de uma equipa de qualificados conselheiros, um projeto para Portugal, em que
acreditou e quis realmente implantar, enfrentando inimigos e vicissitudes
várias. Até então, e em 27 anos, nenhum rei e seu governo, preparou, publicou e
implantou tanta legislação reformista com um afã de continuidade e sistematicidade.”
Assim, conclui: “Há um Portugal antes de Pombal e depois de Pombal.”
***
É natural que me agrade a publicação desta magna obra sobre Pombal e, em
particular, a informação sustentada do nascimento do governante em Sernancelhe,
município a que me ligam 23 anos de atividade.
Em 2002, escrevi, no livro “Da Varanda do Távora – Sernancelhe na Marcha da
Torrente” (edição da Câmara Municipal de Sernancelhe), que “não se sabe se terá
nascido ou não em Sernancelhe”, mas que fora batizado na “paróquia das Mercês,
em Lisboa”, sem que o respetivo assento refira “o local do nascimento”. E,
convicto de que tal omissão não se devia a lapso, sustentado em informação
corrente na vila, conjeturava que se deveria a “falso pudor de família nobre”
que não quisesse “revelar o nome de localidade longínqua da capital, com receio
da etiquetação de provincianismo”. Contudo, mencionava a voz de tradição,
veiculada pelo padre Cândido de Azevedo, segundo a qual, um neto de Sebastião
José de Carvalho e Melo, interrogado sobre a naturalidade do avô, indicara Sernancelhe.
Mais sustentava que esta vila era “indicada num escrito anónimo coevo do tempo
do Marquês”, como local do seu nascimento. E afirmava: “Uma coisa é certa:
viveu, em Sernancelhe, os seus tempos de menino e moço; e de cá foram oriundos
os seus mais próximos descendentes”.
Os seus descendentes instituíram um Morgado em Sernancelhe, como atesta
Joaquim Azevedo, que o refere na posse, em 1690, de Sebastião José de Carvalho
e Melo, avô do Marquês. Os terrenos onde fora implantada a casa passaram, mais
tarde, para a posse da família Ribeiro Saraiva. Segundo o Abade Vasco Moreira,
a origem da presença da família Carvalho e Melo nesta vila, explica-se pelo
casamento de um remoto descendente do Morgado do Carvalho, instituído, em 1178,
por Domingos Feirol de Carvalho, na vila do Carvalho, no concelho de Penacova.
O tal descendente, Diogo de Carvalho, casou, em Sernancelhe, com Filipa de
Seixas, filha de João Figueiredo e de Maria das Seixas. Desse casamento, nasceu
Belchior de Carvalho, que se matrimoniou com Verónica Pinto, enlace de que
nasceu Sebastião de Carvalho.
Foi este, casado com D. Maria Braga de Figueiredo, que fundou, em 1634, um
Morgado, em que entravam as fazendas que possuíam em Sernancelhe, em São João
da Pesqueira e em Lisboa. O filho do casal, o clérigo Paulo António de
Carvalho, que não tinha filhos, legou o Morgado que herdou ao seu sobrinho
Sebastião de Carvalho, de quem descende Sebastião José de Carvalho e Melo,
casado com D. Leonor Maria de Ataíde. Deste casamento, nasceu Manuel de Carvalho,
que, pelo casamento com D. Teresa Luiza de Mendonça, se tornou pai de Sebastião
José de Carvalho e Melo, mais tarde, Conde de Oeiras e, depois, Marquês de
Pombal.
Sebastião José tornou-se protegido do cardeal João da Mota, pelo que –
apesar de ter raptado D. Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada, viúva, 10 anos mais velha,
da Casa dos Condes dos Arcos, com quem se matrimoniou a 16 de janeiro de 1723 –
foi designado, em 1739, para representar a Corte portuguesa em Londres. Viuvou
em 1745 e casou com D. Leonor Ernestina de Daun, jovem filha de um conde austríaco,
passando a viver em Viena, em contacto com a Corte, onde aprendeu as teses do
despotismo esclarecido e de onde regressou em 1749. Com a morte de D. João V,
subiu ao trono D. José, que afastou alguns homens da confiança do pai e se
rodeou de outros, entre os quais Sebastião José, que se impôs progressivamente.
Entrou no governo pela Secretaria de Estado da Fazenda, mas cedo chegou ao topo
da governação, como secretário de Estado do Reino. De preponderante, passou a
todo-poderoso primeiro-ministro, sempre em nome de El-Rei, Sua Majestade
Sereníssima.
A sua ação controversa apresenta, pela negativa, a prepotência e a exclusão
absoluta de quem lhe fizesse sombra, expressa no caso dos Távoras e na expulsão
dos Jesuítas. Quem quiser alimentar a memória do negativismo da sua atividade tem
disponível o livro “Perfil do Marquês de Pombal”, de Camilo Castelo Branco, da
Lello e Irmão Editores, edição comemorativa do 2.º centenário da sua morte. Não
obstante, a sua obra é, a todos os títulos, considerável, pouco importando se
tal se deve à sua intuição e inteligência ou se foram os acontecimentos que
determinaram o perfil do governante e da obra que ficou para a História.
É do seu consulado a implantação do ensino público (não laico). A tarefa
educativa estava entregue à Companhia de Jesus, que o Marquês expulsou do país
e conseguiu que um decreto papal a extinguisse. Assim, a educação passou a
competir ao Estado e/ou a ser entregue a outros institutos religiosos. Pela
necessidade de estruturas de ensino para a nobreza e para a burguesia, se não
para o povo todo, surgiram o Colégio dos Nobres, a Aula do Comércio e o ensino
elementar. Acresce a criação do ensino secundário, com as bases lançadas em
1757 e em 1761, do ensino profissional, com as medidas tomadas em 1759 e em
1764, e do ensino primário, em 1772, ano em que refirmou a Universidade de Coimbra,
onde estudara Direito, na Faculdade de Direito e na Faculdade de Cânones.
Além disso, proibiu a importação de escravos na Metrópole e
acabou com a discriminação dos cristãos-novos (judeus convertidos ao Cristianismo).
Na agricultura, foi criada a Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e a
primeira região demarcada de vinho (a do Alto Douro) no Mundo. Por outro lado,
muitos nobres que regressaram à província, por motivo de sobrevivência ou de
autoafirmação, construíram novos solares ou recuperaram os antigos. E uma onda
de solares, sobre a pressão do tempo e das aparências, expõe belas guarnições
em cantaria a emoldurar os grandes painéis em reboco pintado ou caiado.
Porém, a obra de Pombal esplende na reconstrução da Baixa lisboeta. Com
efeito, após o terramoto de 1755, com tsunami
e incêndio, o governante fez demolir o que restava das medievas construções
e redesenhar um edificado inteiramente novo, que se designa por “Baixa
Pombalina”. Algo semelhante mandou fazer em outras zonas do país, onde houve
estragos similares, embora de menores proporções. Pela primeira vez, a conceção
arquitetónica da malha urbana ficou marcada pela preocupação antissísmica,
adotando o sistema de quarteirões proporcionados, sem descontinuidades e sem
volumetrias assimétricas. No plano estrutural, foram introduzidas,
sistematicamente, disposições antissísmicas. No plano construtivo,
aplicaram-se, em grande escala, técnicas inéditas de estandardização e de
pré-fabricação. A Baixa Pombalina, com cerca de 255 hectares, passou a ser
constituída por 60 quarteirões regulares, proporcionados e com bom comportamento
antissísmico.[u1] No interior dos edifícios, levantaram-se
paredes de travamento em duas direções. E, nas paredes, impôs-se a articulação
e na ligação das alvenarias com as madeiras.
A obra arquitetónica de Pombal é notável pela inovação técnica e nas questões
de segurança, bem como na largura das vias, considerada excessiva, ao tempo. E
o conjunto arquitetónico em referência é assumido como excecional património
histórico e cultural de Lisboa e do país, tendo a Câmara Municipal de Lisboa formalizado,
em janeiro de 2023, a candidatura da Baixa Pombalina a Património Mundial da Humanidade,
com o pedido junto da Comissão Nacional da UNESCO, com realce para a “excecionalidade
desta zona histórica”.
Passou para a História Sebastião José de Carvalho e Melo,
falecido a 8 de maio de 1782, como figura controversa, mas portadora de larga
visão de estado, com marcantes lampejos de organização e de planeamento,
inovadores, ao tempo, em demanda da eficácia, consignada na consistência e na celeridade
possível. Tanto ditadores como democratas tendem a elogiá-lo e a celebrar a sua
memória.
2024.05.13
– Louro de Carvalho
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