Em surpreendente e deslumbrante exibição de luz e
velocidade, uma bola de fogo atravessou o céu sobre a Península Ibérica,
tingindo de azul, desde as 22h46, a noite de 18 para 19 de maio.
Este fenómeno luminoso e visual foi
causado por um objeto de origem cometária que
entrou na nossa atmosfera a uma velocidade de 45,5 quilómetros por segundo (162 800 por hora).
O “super bolide meteor” iniciou
a sua fase luminosa a cerca de 122 quilómetros acima de Cáceres e continuou a
sua trajetória até cerca de 45 quilómetros a Noroeste da cidade do Porto, tendo
desaparecido na região de Castro Daire. A Autoridade
Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), em Portugal, fez o
registo nessa zona, no seu portal de ocorrências, mas acabou por retirar a
mesma, algumas horas mais tarde.
De acordo com uma fonte da ANEPC, o caso encontrou-se fechado,
depois de ter sido acompanhado de perto durante, com a ativação de um pequeno
dispositivo de cinco veículos e 18 operacionais para o local onde foram
relatadas, cerca das 1h20, na zona de Castro Daire, a possível queda do
meteorito. Aliás,
após várias chamadas de alerta para o 112, foram feitas buscas nos parques
eólicos de Pinheiro e de Cabril, não havendo qualquer situação a registar,
depois de algumas pessoas terem relatado “um clarão numa zona de antenas”, de
acordo com uma fonte do Comando Sub-regional de Viseu Dão Lafões, citada pela
agência Lusa.
O meteoro que
sobrevoou os céus de Espanha e de Portugal desintegrou-se sobre o Oceano
Atlântico, de acordo com um relatório da Agência Espacial Europeia (ESA), que
foi transmitido às autoridades portuguesas.
Aquela
agência explica que o meteorito atingiu uma velocidade “muito elevada” na ordem
dos 44,5 quilómetros por segundo, quando entrou na atmosfera, tendo depois
sobrevoado Espanha e Portugal de Sudeste para Noroeste, sem qualquer
perigo para as populações, graças à ação protetora da atmosfera.
De acordo com o relatório da ESA, o meteorito “desintegrou-se
a uma altitude aproximada de 55 quilómetros de altitude sobre o Atlântico”. Por
isso, não será possível encontrá-lo.
Nesse sentido, tendo em conta “a composição implícita, a alta
velocidade de entrada, a alta altitude de rutura e a localização final”, a ESA
descarta as hipóteses de encontrar o meteorito, que na noite de 18/19 foi
visível em Portugal e cujas imagens se tornaram virais nas redes sociais.
A
passagem foi tão rápida e brilhante que ultrapassou a
luminosidade da Lua, iluminando a noite com um clarão que durou
vários segundos e pôde ser visto de muitas partes da Península Ibérica.
A
Internet e as teorias da conspiração
transformaram o fenómeno em tema de muita discussão. Com efeito, o fenómeno foi
captado por várias câmaras e por diversos observadores, em toda a Península
Ibérica, da Andaluzia à Galiza, do Porto ao Minho. E as redes sociais foram
inundadas com vídeos e preenchidas por comentários sobre a bola de fogo, tornando-a
num dos tópicos mais discutidos do momento. Porém, não se trata da queda de
meteorito, da chegada de extraterrestres, tão pouco de um míssil
supersónico a passar pelas camadas superiores da atmosfera. Segundo a
teoria da “navalha de Okham”, a explicação mais simples é, geralmente, a
correta; e aqui está a verdadeira explicação
científica. Josep María Trigo, astrónomo do Instituto de
Ciências del Espacio do CSIC [Consejo Superior
de Investigaciones Científicas], explicou que se tratava de um
super bolide meteórico, uma rocha com cerca de 20 a 30 centímetros que
tocou a atmosfera numa “trajetória bastante baixa”,
sendo este tipo de trajetória é o que torna o fenómeno tão visível e
espetacular, a grandes distâncias.
Apesar das preocupações iniciais
sobre um possível impacto terrestre, a atmosfera da Terra foi protetora como de
costume, desintegrando o objeto, antes
que pudesse causar danos.
A análise do Professor José María
Madiedo, do Projeto SMART, confirmou que o objeto não produziu meteoritos e que a sua origem cometária lhe permitiu entrar na
nossa atmosfera a uma velocidade de mais de 161 mil quilómetros por hora.
Este fenómeno evidencia o caráter
dinâmico e surpreendente do universo que nos rodeia. Embora o superbolide tenha
deixado apenas um surpreendente rasto de espanto, proporcionou um espetáculo inesquecível e uma
oportunidade para refletirmos sobre os fenómenos maravilhosos que ocorrem para
além do nosso planeta. Portanto, o que cruzou o céu ibérico e iluminou a noite
do Norte de Portugal e de Espanha foi um meteoro e não um meteorito, como
alguns diziam.
***
Este
fenómeno espacial ocorreu – conjugação improvável, segundo o físico Carlos Fiolhais
e o entusiasta de meteorologia Márcio Santos –, depois do fenómeno reiterado,
nos últimos tempos, do fenómeno atmosférico das auroras boreais (auroras polares
do Norte), fenómeno ótico de brilho, observado nos céus noturnos das regiões
polares, no decurso do impacto de partículas
de vento solar com a alta atmosfera da Terra, canalizadas
pelo campo magnético terrestre.
Em latitudes do hemisfério norte
é conhecida como aurora
boreal (a aurora polar no Sul é a aurora austral), designação atribuída
por Galileu Galilei, em 1619, em referência a Aurora, a deusa romana do
amanhecer, e a Bóreas, deus grego, representante dos ventos nortes. A sua
ocorrência depende da atividade das fulgurações solares. Porém, não ficaremos, por aqui.
A 12 de março, era notícia que o cometa “mais brilhante” vai passar pela terram,
pela primeira vez, em 71 anos.
Embora o cometa 12P/Pons-Brooks não seja visível a
olho nu, os especialistas dizem que pode ser visto com um par de binóculos ou com
um telescópio. Com efeito, já estava, àquela data, a aproximar-se da Terra. Para a maioria de nós, será
a única vez na vida que o poderemos ver.
De acordo com os astrofísicos, o
cometa deveria atingir o seu ponto mais próximo do Sol, a 21 de abril, e estará
mais próximo da Terra, a 2 de junho.
O Projeto Telescópio Virtual (PTV),
serviço online prestado pelo Observatório Astronómico
Bellatrix, em Itália, divulgou imagens do cometa recolhidas na cidade toscana
de Manciano, que tem um dos céus mais escuros da península italiana. “Neste
momento [12 de março], há um cometa muito bonito a atravessar o céu noturno.
Trata-se do cometa 12P/Pons-Brooks”, disse Gianluca Masi, diretor do PTV,
acrescentando: “Este cometa é o chamado cometa periódico. Significa apenas que
está a mover-se numa órbita à volta do Sol, trazendo-o, periodicamente, para o
sistema solar interior, para visitar o rei aqui, que é o Sol. A cada período,
neste caso, a cada 71 anos, o cometa regressa ao seu periélio.”
À medida que se aproxima do seu
periélio – o ponto mais próximo da sua órbita do Sol – começará a desaparecer
de vista. Em junho, será algo que apenas os habitantes do hemisfério sul
poderão ver. A próxima oportunidade de ver o 12P/Pons-Brooks será por volta do
verão de 2095.
O cometa 12P/Pons-Brooks tem mostrado,
regularmente, grandes aumentos de brilho. Este fenómeno, frequentemente
designado por “outbursts”, excita particularmente os observadores do céu,
segundo Masi. Com um período orbital de cerca de 71 anos, este é um dos cometas
periódicos mais brilhantes que se conhecem.
Masi diz que o cometa Hale-Bopp, um
dos cometas mais brilhantes da história a passar pela Terra, foi o mais notável
que o Projeto do Telescópio Virtual captou. Ao passar o seu periélio, em abril
de 1997, dominou o céu noturno e foi visível a olho nu durante 18 meses, um
recorde.
“Aquele cometa em 1997 [Hale-Bopp]
foi, honestamente, a rainha dos cometas para mim. Embora outros cometas – muito
mais brilhantes – tenham sido visíveis mais recentemente, o cometa Hale-Bopp
foi o vencedor porque foi visível a olho nu durante meses”, acrescentou Masi.
***
A Navalha de Ockham (acima evocada) ou princípio da economia é um
princípio de investigação heurístico advindo da Escolástica que,
para a formação de hipóteses explicativas, exige a maior parcimónia, em
termos de complexidade. Nomeado em homenagem a Guilherme de Ockham (1288-1347), é elemento
do método científico, aplicado também na Filosofia da Ciência. Porém, é, apenas um dos vários critérios para atestar a qualidade de
uma teoria. Com ele não se pode julgar a validade de modelos explicativos,
mas podem-se descartar suposições desnecessárias.
A mais conhecida formulação do princípio de Ockham foi dada
pelo filósofo Johannes Clauberg (1622-1655), que escreveu, em 1654: “Entia non sunt multiplicanda praeter
necessitatem [ou: sine
necessitate]: Entidades não devem ser multiplicadas, além do
necessário.” Na formulação “non
sunt multiplicanda entia sine necessitate”, já existe a sentença desde
1639, em Johannes Poncius, que a citou como uma máxima escolástica.
A preferência pela explicação mais simples remonta
a Aristóteles. Era, frequentemente, justificada pelo facto de a Natureza escolher
sempre o caminho mais simples. Ockham negou essa justificativa, afirmando que
limitaria a omnipotência divina, restrição da vontade divina que ele não
aceitava. Na conceção de Ockham, Deus poderia escolher, igualmente
bem, o caminho mais complexo. Não é, pois a Natureza em si, mas as teorias
que devem satisfazer o princípio da economia.
Ao invés, Walter Chatton, contemporâneo de Ockham, apresentou
uma posição contrária ao princípio da economia: “Quando três coisas não são
suficientes para se chegar a afirmação clara sobre algo, uma quarta deve ser
adicionada, e assim por diante [princípio da multiplicidade].” Mesmo que
filosofias variadas, à época, tenham formulado contraprincípios semelhantes, em
nada se mudou o significado do princípio ontológico da economia. Todavia, foi Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646-1716) quem explicitou a formulação de um princípio da multiplicidade. Segundo Leibniz, já habitamos o melhor de todos
os mundos possíveis, precisamente porque este dá origem à maior variedade
(multiplicidade) possível, e não porque tal estaria o mais livre possível do
mal, do pecado e do sofrimento. Para definições e explicações, porém, Leibniz
defendeu a visão de que a explicação mais simples é a melhor.
O princípio da
economia foi adotado pelo método científico, pois é uma ferramenta lógica que
permite escolher, entre várias hipóteses a serem verificadas, a que contém o
menor número de afirmações não demonstradas, o que facilita a verificação da
teoria, constituindo, assim, um dos pilares do reducionismo em ciência.
Ao longo
da História da Ciência, o princípio foi usado de diversas formas. Uma
delas consiste na escolha da teoria mais simples para explicar um fenómeno,
como na escolha da teoria do eletromagnetismo de James Maxwell, em
lugar da teoria do éter luminoso.
Como
princípio matemático, a navalha de Ockam foi aplicada pelo
matemático soviético Andrei Nikolaevich Kolmogorov, para definir o
conceito de sequência aleatória, criando a área que ficou conhecida como complexidade
de Kolmogorov.
A navalha de
Occam é antecessora do princípio KISS, Keep It Simple,
Stupid (ou, em Português, “simplifique, estúpido”) uma vulgarização
da máxima de Albert Einstein de que “tudo deve ser feito da forma
mais simples possível, mas não mais simples que isso”, também adotada por Antoine
de Saint-Exupéry como: “A perfeição não é alcançada quando já não há mais
nada para adicionar, mas quando já não há mais nada que se possa retirar.”
Na Ciência
da Computação, como em outras áreas, é possível identificar que qualquer conjunto
finito de fenómenos observáveis pode ter infinitas teorias explicativas,
especialmente se as variações entre as teorias não puderem ser imediatamente
testadas empiricamente. Também é preciso observar o contexto da afirmação, onde
a afirmação não diz que a explicação mais simples é sempre a preferível. O mais
correto seria dizer que a explicação mais simples de entre as que explicam os
observáveis deve ser preferida em detrimento de outras.
***
Enfim, seja qual for a explicação, meteoros não
são anormais na Terra. Segundo Carlos Fiolhais, “acontecem a todo o momento,
mas geralmente caem diretos no mar, onde é difícil que as pessoas vejam, ainda
mais de dia”. Este “provocou um efeito superior ao normal”, já que passou de
noite por um território pequeno”. “Não temos como saber quando será o próximo”,
aponta o físico.
2024.05.19
– Louro de Carvalho
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