A 23 de maio, no Parlamento Europeu (PE),
em Bruxelas, os principais candidatos de cinco partidos diferentes participaram
no terceiro e último debate, antes da abertura das urnas para as eleições
europeias, para avaliar os seus programas em questões que vão desde a economia
e a defesa ao clima e à migração. E apesar de não haver ninguém no palco a
representar os partidos de extrema-direita Conservadores e Reformistas Europeus
(CRE) e Identidade e Democracia (ID), no debate de 105 minutos, houve conversas
sobre a influência crescente estas forças partidárias e sobre possíveis
alianças com elas.
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O primeiro tópico de debate foi
Economia e Trabalho. O luxemburguês Nicolas Schmit, do Partido Socialista
Europeu (PSE) e comissário do Emprego e Direitos Sociais, sobre a luta contra a
pobreza e a criação de emprego, traçou como objetivo retirar 50 milhões de
pessoas da pobreza. Quanto ao emprego, vincou a importância do investimento.
“Investir nas pessoas é fundamental, porque não pode haver uma melhoria no
emprego, se as pessoas não forem qualificadas”, afirmou.
A alemã Terry Reintke, dos
Verdes Europeus, que trouxe ao debate a importância do investimento na economia
verde, defende: “Precisamos de investir no nosso futuro, isso significa criar
uma infraestrutura comum na Europa. Isso significa apoiar as empresas na
transição energética.”
O
austríaco Walter Baier, da Esquerda Europeia, diz que a habitação está no
centro da questão da pobreza na Europa e pede ações concretas, para reduzir os
preços de arrendamento, que estão a asfixiar os europeus em muitas partes do
bloco.
O
italiano Sandro Gozi, do Renew Europe, respondendo a uma questão de um
estudante francês, sobre como o processo de alargamento afetará a economia da
Europa, considerou o alargamento questão de obrigatoriedade histórica. “Mas é
claro que é impossível ampliar sem fazer reformas. É claro que temos que
responder ‘sim’ à História, mas os nossos cidadãos não podem pagar o preço”,
afirmou, para criticar o Partido Popular Europeu (PPE), por se recusar a
assinar declaração sobre a extrema-direita.
“Precisamos de clareza e não de
ambiguidade”, atirou Schimit, garantindo que nunca uniria forças com a
extrema-direita. Com feito, em sua opinião, as forças de extrema-direita não
são democráticas, pelo que censurou a alemã Ursula von der Leyen, do PPE, por
se recusar a descartar a futura cooperação com os CRE. Todos os principais
grupos políticos, exceto o PPE, assinaram uma declaração onde prometem não
cooperar com as forças de extrema-direita.
Sobre Defesa e Segurança, Terry
Reintke, pediu ao bloco mais reformas sobre as regras de votação no Conselho
Europeu, para evitar que um único Estado-membro descarrile as decisões de
política externa, como tem feito Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria. “Não
podemos apenas gastar dinheiro, juntos, também temos de acabar com a
unanimidade no Conselho. Quando se trata de defesa e da política externa, não
podemos dar a pessoas como Viktor Orbán um direito de veto quanto à nossa
segurança”, clarificou a candidata.
Ursula von der Leyen porfiou: “Temos
de melhorar a nossa indústria de Defesa [e] garantir que temos projetos
europeus comuns, por exemplo, um escudo de defesa aérea para toda a Europa [ideia
do primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis].”
A UE foi, recentemente, pressionada
pelo presidente da Ucrânia para fornecer a Kiev mais sistemas de defesa aérea,
mas os países estão relutantes com temores de uma possível escassez de defesa
do bloco. Ora, segundo a candidata, há duas opções para financiar a futura
expansão das indústrias de Defesa da Europa: contribuições nacionais das
capitais da UE ou levantar novos fundos da UE, conhecidos como recursos
próprios. “Agora, é hora de falar sobre recursos próprios, a nível europeu. E
não se pode falar nisso sem financiamento”, disse von der Leyen.
Baier declarou-se desapontado com o
facto de se falar de paz e de segurança, e ninguém ter mencionado Gaza e
Israel, pelo que questionou: “Quando é que a União Europeia vai impor sanções a
Israel, para acabar com o massacre em Gaza?” E Von der Leyen diz que a raiz do
conflito é o ataque de 7 de outubro do Hamas a Israel, enfatizando que o bloco
quadruplicou a ajuda humanitária aos Palestiniaos desde o início da guerra e
continuou a financiar a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) de
Assistência aos Refugiados Palestinianos.
Sobre o tópico Clima e Ambiente, respondendo
à questão sobre Pacto Ecológico e consequências para o setor agrícola, a
candidata dos Verdes apela à mudança na forma como a UE distribui os subsídios
agrícolas. “Vemos que os agricultores não podem mais viver do que estão a
produzir”, disse Reintke, que pediu, recentemente, mais subsídios para os
pequenos agricultores locais. “Precisamos de mudar a maneira como distribuímos
subsídios.” “O Pacto Ecológico Europeu é uma parte crucial do puzzle para
tornar a Europa um continente mais seguro”, defende.
Ursula von der Leyen também abordou a
questão dos agricultores, detalhando o que está em jogo no diálogo estratégico
em andamento lançado pela Comissão Europeia, em janeiro. “No diálogo, as
respostas dos agricultores são muito claras. Eles dizem: Queremos neutralidade
climática porque vivemos da natureza, mas, por favor, queremos passar de
condicionalidade para incentivos, para tecnologias modernas, como satélites e
drones, para controlar o que é necessário”, observou. De facto, a derrogação do
programa de subsídios à agricultura da UE, para reduzir a burocracia e os
controlos nas explorações, suscitou preocupações, quanto ao Pacto Ecológico.
Em relação ao tópico Migrações e
Fronteiras, Terry Reintke refere que são necessárias políticas que respondam
aos padrões humanitárias que acabem com as mortes no Mediterrâneo.
Sandro Gozi sustenta que a migração
pode ser a resposta de que a Europa precisa, para fazer face às necessidades de
mão-de-obra, mas que a política migratória deve responder igualmente às
questões humanitárias.
Respondendo à pergunta sobre as
medidas para melhor integrar os migrantes na sociedade europeia, von der Leyen
apresentou a sua visão para as futuras políticas migratórias da UE. “Nós somos
os únicos, na Europa, que decidem quem vem para a UE e sob que circunstância, e
não os contrabandistas e traficantes. Isso é primordial”, considerou von der
Leyen, acrescentando: “Os que estão aqui de forma irregular e que não estão à
procura de asilo têm de voltar para casa.”
O PPE lançou a polémica sobre a
introdução da externalização de pedidos de asilo para países terceiros, com
base no plano para o Ruanda do Reino Unido.
Schmit confronta von der Leyen sobre
acordos de migração com países terceiros. “Quando olho para a situação na
Tunísia, vejo o que acontece com os refugiados que são empurrados para o
deserto, que são realmente espancados, alguns deles mortos”, denuncia Schmit. “Esta
não é a Europa, estes não são valores europeus”, acrescentou.
O candidato do PSE fazia referência a
uma investigação liderada pela plataforma de investigação Lighthouse Reports,
que mostra como os fundos da UE permitem que os países do Norte de África
empurrem os migrantes para o deserto. “Se fizermos concessões sobre nossos valores,
a Europa sairá enfraquecida”, argumentou.
Baier diz que o pacto migratório
permite que países da UE paguem para escaparem a responsabilidades. “Oponho-me
ao pacto migratório [...] porque é contra os direitos humanos, mas também
porque permite que os estados-membros que não estão prontos para receber
refugiados paguem para sair de uma solução europeia comum e solidária”,
denuncia.
O pacto, que obteve a aprovação final
no início de maio, inclui um sistema de ‘solidariedade obrigatória’ que dá aos
governos da UE a opção de realocar um certo número de requerentes de asilo e
pagar 20 mil euros por cada um que rejeitem ou financiem apoio operacional.
A Esquerda Europeia rejeitou a
reforma do pacto, após anos de negociações, por receios quanto à violação dos
direitos fundamentais dos migrantes.
“Com a nossa Lei de Serviços
Digitais, pudemos dizer ao TikTok: Vamos
investigar a maneira como estão a prejudicar a saúde mental dos nossos jovens,
com o TikTok Lite, por exemplo”,
disse von der Leyen, referindo-se à recente investigação aberta pelo executivo
europeu a um serviço da empresa chinesa lançado em Espanha e na França. “No
momento em que esta investigação foi anunciada, o TikTok retirou o TikTok Lite
do mercado porque sabiam o que lhes esperava. Então, temos esse trunfo”,
afirmou a ainda presidente da Comissão Europeia.
Após
uma última ronda sobre o tópico Inovação e Tecnologia, o debate chegou ao fim
com os candidatos principais a fazerem um último apelo ao voto dos eleitores da
UE. Agora a decisão está nas mãos dos eleitores.
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Vários eleitores que vão às urnas pela primeira vez,
de 6 a 9 de junho, foram convidados assistir ao debate ao vivo e puderam fazer
perguntas aos candidatos à liderança da Comissão (os referidos cabeças de lista
para o PE são também candidatos à presidência da Comissão). E a troca de ideias
permitiu formar opiniões sobre políticos e políticas.
Embora as futuras alianças com
partidos da extrema-direita tenham sido um dos principais pontos de
discussão entre os candidatos, os mais jovens puderam também centrar-se noutros
temas.
“Penso que a segurança foi o
mais importante e o mais emocional para todos os candidatos,
afirmou Aleksandra Walczak, jornalista da Polónia.
“Vou escolher dois temas. O primeiro
está relacionado com as alterações climáticas. Apreciei as respostas
de Gozi, do Renew Europe,
porque disse algo de que eu não estava à espera. Gostei muito das suas
respostas e da sua abertura de espírito”, confessa Carlo Millino, estudante
italiano. “O segundo tema é a migração. Apreciei muito as respostas do Schmidt, porque foi
justo”, vincou.
Alguns conseguiram formar ideias
claras sobre o candidato preferido.
“Gosto, particularmente, de Ursula von der Leyen. Penso que ela fez um bom
trabalho nos últimos cinco anos. Por isso, também espero que ela seja a presidente
da Comissão, nos próximos cinco anos”, frisou Jakob Wind, estudante da
Dinamarca. Ioannis Afxentiou, estudante de Chipre, prefere Terry Reintke, dos Verdes. “Ela teve em
consideração que, sim, temos problemas importantes para enfrentar, mas precisamos de vencer o medo com soluções e não com discursos
extremistas.” iNinette Vertongen, estudante da Bélgica não
revela se tem preferência por algum candidato, mas diz-se “muito entusiasmada”,
em relação ao futuro. “Estou muito entusiasmada para
ver o que o futuro nos reserva. E se eles vão realmente mudar
as coisas ou se estão apenas a falar agora e não fazem nada para evitar que os
jovens estejam no TikTok e que o TikTok seja um lugar que não é bom para
a saúde mental.”
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É preocupante a disponibilidade de von der Leyen
para cooperar com o partido Irmãos de Itália (extrema-direita), da primeira-ministra
Giorgia Meloni, alegadamente porque Giorgia Meloni, (líder do Irmãos de Itália e presidente do
CRE) preenche os critérios para futuras parcerias: é pró-UE, contra o presidente
da Rússia, Vladimir Putin, e a favor do Estado de direito. A bancada CRE
inclui o Vox (Espanha), o Reconquista (França), o Irmãos de Itália, entre
outros. A bancada ID inclui a Liga (Itália), o Reagrupamento Nacional (França),
entre outros.
Apesar
da estimativa de subida de intenções de voto nestas bancadas, não estiveram
representadas no debate por não subscreverem o sistema de nomeação de um cabeça
de lista para a presidência da Comissão Europeia (a confirmação do presidente
da Comissão será feita em votação por maioria simples no PE). No debate
participaram, ainda, os cabeças de lista do centro-esquerda, liberais, verdes e
esquerda radical, muito críticos da aproximação de von der Leyen a uma
bancada de partidos de extrema-direita. Von der Leyen diz não se aliar a todo o
CRE, mas só aos eurodeputados de partidos que cumpram os três critérios acima
indicados.
Duas das
grandes preocupações dos cidadãos europeus são a pobreza e os novos empregos.
Porém, tais matérias foram relegadas para segundo plano no debate, que se
centrou na Defesa, na Política Externa e na Segurança. Apenas Schmit vincou a
necessidade de investir nas pessoas, de melhorar as suas condições de trabalho,
de garantir um nível de vida digno, de reduzir a pobreza e de proporcionar
igualdade de oportunidades a todos.
2024.05.24 – Louro de Carvalho
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