A
26 de maio, Luís Marques Mendes começou o seu
comentário dominical, na SIC, pelas
eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, com base
nas projeções dos resultados, após o encerramento das assemelhais de voto,
embora advertindo que ainda não eram conhecidos os resultados finais.
Tendo considerado que as eleições do dia 26 resultaram da
dissolução da Assembleia Legislativa Regional, por força da exoneração de
Miguel Albuquerque, presidente do governo regional, que uma investigação
policial, sob a direção do Ministério Público (MP), constituiu arguido, apontou
ao Partido Socialista (PS) a exigência de eleições antecipadas, ao invés do que
propôs para a Assembleia da República (AR).
Antes de prosseguir esta reflexão, nego a existência de
qualquer conflito de interesses: não fui, não sou, nem quero ser líder
partidário, como não fui, não sou, nem quero ser presidente da República; e
peço a Deus que não permita que me obriguem a exercer qualquer um desses
cargos.
Na verdade, o líder do governo da República, secretário-geral
do PS, publicamente suspeito em processo de inquérito no Supremo Tribunal de
Justiça (STJ), então o foro competente, mas não constituído arguido, apresentou,
por entender não dispor de condições políticas para continuar no cargo, o seu
pedido de demissão ao Presidente da República (PR), que o aceitou, embora com
efeitos a prazo. Obviamente, o PS, ainda que disponível para aceitar a decisão
do PR, entendia que não deveria ser dissolvida a AR, não devendo ser convocadas
eleições antecipadas, pelo facto de ali se manter a sua maioria parlamentar.
O PR, como já tinha anunciado que, se António Costa deixasse
o governo, marcaria novas eleições. Nessa postura do chefe de Estado alinharam
os demais partidos com assento parlamentar, incluindo o Partido Social
Democrata (PSD).
Entretanto, da referida investigação na Madeira resultou a
constituição de arguido do presidente do governo regional, que foi exonerado, a
seu pedido, pelo representante da República na Região Autónoma. Porém, ao invés
de António Costa, não deixou a liderança do PSD/Madeira e manteve-se à frente
do governo regional.
Como o governo regional, ao invés do governo da República, já
não dispunha de maioria, era de esperar que o PR tomasse, em relação à Madeira,
uma decisão similar da adotada em relação ao Parlamento nacional, o que acabou
por fazer. Aí, o PS foi consequente, ao invés do PSD. Só era preciso que
passasse o tempo devido (seis meses), em relação às mais recentes eleições
regionais (em setembro), para que fosse lícito ao chefe de Estado dissolver o
parlamento regional, nos termos constitucionais e do Estatuto Político e
Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Marques Mendes, como cidadão e como jurista, sabe tudo isto.
Escusava, pois, de atirar farpas a algum partido. Contudo tem razão, quando diz
que, “na Madeira, estas foram as condições mais adversas que o PSD, alguma vez,
teve, para ir a eleições, e as condições mais fáceis que o PS, alguma vez, teve
para ganhá-las”. Já não a tem, quando diz que “acontece tudo ao contrário” ou
quando diz que “o PS, na Madeira, é um caso de estudo”, por não ter conseguido,
ao fim de 50 anos, ganhar uma eleição”.
Primeiro, não acontece tudo ao contrário. O PSD ganhou a
eleição, em termos aritméticos, mas perdeu deputados. Passou de 23 deputados
regionais, em 2023, para 19, desta vez. O PS perdeu as eleições, mas manteve os
seus 11 deputados. Quem teve mais ganhos foi o Juntos Pelo Povo (JPP), com nove
deputados, vindo o Chega, a seguir, com quatro deputados. O partido do Centro
Democrático Social (CDS) manteve os seus dois deputados. Por outro lado, o
partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e a Iniciativa Liberal (IL) obtiveram um
deputado cada. Quem assumiu a falta de cumprimento do seu objetivo eleitoral foi
o Bloco de Esquerda (BE) e a Coligação Democrática Unitária (CDU).
Dizer que “o PS, na Madeira, é um caso de estudo” por não ter
conseguido, ao fim de 50 anos, ganhar uma eleição” é, no mínimo, sobranceria de
comentador pouco avisado.
Poderia ficar-me com o comentário de Alberto João Jardim, que
sustenta que, ao longo dos anos, o madeirense mudou, mas só um bocadinho, ou fixar-me
nos aforismos: “o povo é soberano” e “o povo é quem mais ordena”. Todavia, podem
apresentar-se vários exemplos de municípios em que o PS nunca ganhou uma
eleição autárquica, nestes 48 anos de democracia representativa. Vejam-se os
casos de Santa Maria da Feira, de Viseu, de Armamar, de Sátão, de Sernancelhe,
de Vila Nova de Foz Coa, de Penedono ou de São João da Pesqueira. São João da
Pesqueira teve, durante quatro anos, um executivo totalmente do PSD e
Sernancelhe está, no mandato em curso, nessas mesmas condições.
Quais as razões deste facto? Não se pode atribuir à
influência da Igreja católica (que, talvez por efeito das reestruturações em
moda, está a perder fiéis, em Portugal), nem ao caciquismo tradicional, que já
não compra votos por um par de tamancos. Também não são as fraudes eleitorais,
que, se as há, são residuais. Podemos convir em que são as propagandas
enganosas, as campanhas eleitorais das oposições marcada pela insuficiência ou
pelo amadorismo.
Todavia, estas são razões de perfil residual, pois as determinantes
são mais profundas. Podemos colocar à cabeça a capacidade de, em universo eleitoral
de limites mais estreitos, os titulares do poder instalado (partido ou coligação)
controlarem a população, recusando “aos deles” os benefícios que não têm, obrigatoriamente,
de conceder e dificultar, ao máximo, licenças e outros serviços a que as leis e
os regulamentos obrigam ou que permitem. Ao mesmo tempo, “aos nossos” tudo se
dá e tudo se facilita. Cria-se expande-se, deste modo, um mecanismo de
dependência generalizada.
Outra razão está na falta de jornais de expansão nacional nos
pequenos territórios, que poriam a nu muitos dos desmandos e das omissões imputáveis
aos titulares do poder e dariam voz crítica aos eleitores, sobretudo aos que dificilmente
fazem ouvir a sua voz. As notícias, as entrevistas e as reportagens costumam
ser eloquentes. Em contrapartida, as administrações de jornais locais ou
regionais têm dificuldade, por motivos de sobrevivência económica, em assumir
um tom crítico ao poder instalado; ao invés, facilmente se tornam seus porta-vozes.
Paralelamente, os gabinetes municipais ou regionais de informação, os boletins
e as revistas municipais e regionais funcionam como órgãos da propaganda local
ou regional. É de relevar a participação (quase obrigatória) de funcionários nas
campanhas eleitorais, em órgãos do poder municipal e nos eventos municipais.
Além disso, muitos oposicionistas vivem e trabalham fora do respetivo
município, sentindo-se a falta da sua permanente presença crítica.
***
Conhecidos
os votos dos eleitores da Madeira, conclui-se que o PSD venceu, mesmo com um
caso judicial à perna; que, nem com um adversário diminuído, o PS recuperou,
significativamente, o terreno perdido (só manteve o das últimas eleições); e
que o triunfo político foi do JPP.
Já
na noite eleitoral, fizeram-se contas e projetaram-se cenários, mas não se
percebeu como será o governo, pois nenhum dos partidos mais votados tinha
margem para grande sonho. Entretanto, surgiu o anúncio de que o PS e o JPP
marcaram uma conferência de imprensa conjunta.
Se, em 2019,
a subida do PS (mais de 51 mil votos) foi explicada pela movimentação em massa
de votos do CDS, JPP, BE e PCP para os socialistas (o PSD perdeu deputados, mas
manteve-se nos 56 mil votos), já a descida do PSD (mais uma) e a subida do JPP,
neste ano, face às regionais de setembro de 2023, estarão ligadas ao desaparecimento
parlamentar regional do BE e da CDU, ao regresso do CDS e à crise interna do
PSD.
O PS até teve
mais 137 votos do que em 2023; o JPP (mais 8025 votos do que em 2023, ficando perto
dos 23 mil) retirou votos ao BE, à CDU e aos desiludidos com Miguel Albuquerque,
que preferiram Élvio Sousa a Paulo Cafofo. Daqui resultará a flutuação ocorrida
de 2015 para 2019, deixando o JPP com quase metade dos votos. Já o PSD, além do
desgaste eleitoral, perdeu votos para o CDS (obteve 5384 votos), para o JPP e
alguns para o Chega.
O PSD perdeu
7345, votos face a 2019, ano em que precisou do CDS para se manter no poder. A
atual fasquia (49 103) representa o pior resultado da história do partido
que, em 2007, atingiu o seu máximo: mais de 90 mil votos. Em 2011, o PSD desceu
dos 90 para os 71 mil votos; e, em 2015 e em 2019, caiu para os 56 mil
eleitores.
O certo é que
os partidos não se podem queixar da abstenção, pois, desta vez, houve mais 496
eleitores a votar do que a 24 de setembro de 2023.
A incerteza ante
o pior resultado de sempre que impede um governo de maioria, até parlamentar –
sem o Chega, a IL, o PAN e o JPP, a Albuquerque só resta assumir um inédito
governo minoritário –, com o PSD dependente de acordos pontuais e de
entendimentos partidários que só pode levar a dois caminhos: a vitimização, se
o programa de governo não for aprovado, atribuindo culpas ao JPP e ao PS pelo
“que não se vai fazer” e abrindo espaço a novas eleições em dezembro deste ano
ou em janeiro de 2025, a contar com o regresso ao PSD em força; e a
vitimização, com programa de governo aprovado, porque “chegará o dia em que a
“responsabilidade da inércia” será apontada aos dois maiores partidos da oposição.
No primeiro
caso, teremos a queda do executivo, faltando saber quem assumirá, logo de
imediato, essa responsabilidade. Se nenhum partido recuar no “não é não” a
Albuquerque ou a cafofo, a Madeira irá de novo para eleições, mas alguém vai
ter que recuar no “não é não”. Um programa de governo com o atual líder do PSD
poderia passar com a abstenção do Chega e da IL, não sendo de excluir o CDS. Já
sem Albuquerque, a margem de aprovação aumentaria, pois só o PS e o JPP estão contra.
Depois, resta saber se o PSD irá a eleições com ou sem Albuquerque. Alberto
João Jardim já defendeu a saída de Albuquerque, que devia dar o lugar a outro.
Porém, o número dois, João Cunha e Silva não é nome pacífico no partido, o que
dificulta a resolução da crise.
O PS,
liderado por Paulo cafofo, conseguiu mais 137 votos do que em setembro,
ficando-se pelos mesmos 11 deputados conseguidos por Sérgio Gonçalves, que
enfrentou a coligação PSD/CDS. Contudo, também no PS, as divisões internas são
visíveis. E vão-se acumulando os sinais de que a oposição interna se prepara
para enfrentar a liderança de Cafofo, “deputado em Lisboa” (na AR) que “não se
decide” pela Madeira.
Não obstante,
um acordo de governo entre o PS e o JPP foi estabelecido, a apresentar ao
representante da República para a Madeira, que procurará alargar-se aos
restantes partidos – exceto ao PSD e ao Chega – num “entendimento parlamentar”
de “estabilidade”, constituindo um desafio aos que sempre criticaram Albuquerque
e que o recusam: o CDS, a IL e o PAN.
Paulo cafofo
e Élvio Sousa prometeram não viabilizar “qualquer solução” de governo
social-democrata. E também aqui a questão de um “entendimento” suscita a dúvida
sobre quem arrisca ser responsável por novas eleições. Porém, um programa de governo
PS/JPP só passará se o PAN, o CDS e a IL o aprovarem. A IL diz aceitar
negociar “caso a caso, ponto a ponto, programa a programa, decreto a decreto,
orçamento a orçamento. O PAN aceita ser “solução estável” e diz que os
madeirenses “podem contar com a responsabilidade” do partido. E o CDS disse
estar “disposto a dialogar com todos os partidos para viabilizar o próximo
governo e o orçamento, em nome da “nossa responsabilidade política”.
***
É de esperar
pelos próximos desenvolvimentos. Para já, o representante da República
indigitará Albuquerque como presidente do governo.
Por fim, não tem
razão o comentador dominical, ao pensar que o PSD teve uma vitória clara ou que
o PS teve uma derrota estrondosa (manteve o mesmo número de mandatos). O
partido que mais subiu foi o JPP, com cerca de metade dos mandatos do vencedor.
É o erro de tirar conclusões e pensar em cenários, antes de serem conhecidos,
em definitivo, os resultados eleitorais.
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