terça-feira, 28 de maio de 2024

Não é caso de estudo o PS nunca ter vencido eleições na Madeira

A 26 de maio, Luís Marques Mendes começou o seu comentário dominical, na SIC, pelas eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, com base nas projeções dos resultados, após o encerramento das assemelhais de voto, embora advertindo que ainda não eram conhecidos os resultados finais.

Tendo considerado que as eleições do dia 26 resultaram da dissolução da Assembleia Legislativa Regional, por força da exoneração de Miguel Albuquerque, presidente do governo regional, que uma investigação policial, sob a direção do Ministério Público (MP), constituiu arguido, apontou ao Partido Socialista (PS) a exigência de eleições antecipadas, ao invés do que propôs para a Assembleia da República (AR).

Antes de prosseguir esta reflexão, nego a existência de qualquer conflito de interesses: não fui, não sou, nem quero ser líder partidário, como não fui, não sou, nem quero ser presidente da República; e peço a Deus que não permita que me obriguem a exercer qualquer um desses cargos.  

Na verdade, o líder do governo da República, secretário-geral do PS, publicamente suspeito em processo de inquérito no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), então o foro competente, mas não constituído arguido, apresentou, por entender não dispor de condições políticas para continuar no cargo, o seu pedido de demissão ao Presidente da República (PR), que o aceitou, embora com efeitos a prazo. Obviamente, o PS, ainda que disponível para aceitar a decisão do PR, entendia que não deveria ser dissolvida a AR, não devendo ser convocadas eleições antecipadas, pelo facto de ali se manter a sua maioria parlamentar.

O PR, como já tinha anunciado que, se António Costa deixasse o governo, marcaria novas eleições. Nessa postura do chefe de Estado alinharam os demais partidos com assento parlamentar, incluindo o Partido Social Democrata (PSD).

Entretanto, da referida investigação na Madeira resultou a constituição de arguido do presidente do governo regional, que foi exonerado, a seu pedido, pelo representante da República na Região Autónoma. Porém, ao invés de António Costa, não deixou a liderança do PSD/Madeira e manteve-se à frente do governo regional.

Como o governo regional, ao invés do governo da República, já não dispunha de maioria, era de esperar que o PR tomasse, em relação à Madeira, uma decisão similar da adotada em relação ao Parlamento nacional, o que acabou por fazer. Aí, o PS foi consequente, ao invés do PSD. Só era preciso que passasse o tempo devido (seis meses), em relação às mais recentes eleições regionais (em setembro), para que fosse lícito ao chefe de Estado dissolver o parlamento regional, nos termos constitucionais e do Estatuto Político e Administrativo da Região Autónoma da Madeira.  

Marques Mendes, como cidadão e como jurista, sabe tudo isto. Escusava, pois, de atirar farpas a algum partido. Contudo tem razão, quando diz que, “na Madeira, estas foram as condições mais adversas que o PSD, alguma vez, teve, para ir a eleições, e as condições mais fáceis que o PS, alguma vez, teve para ganhá-las”. Já não a tem, quando diz que “acontece tudo ao contrário” ou quando diz que “o PS, na Madeira, é um caso de estudo”, por não ter conseguido, ao fim de 50 anos, ganhar uma eleição”.

Primeiro, não acontece tudo ao contrário. O PSD ganhou a eleição, em termos aritméticos, mas perdeu deputados. Passou de 23 deputados regionais, em 2023, para 19, desta vez. O PS perdeu as eleições, mas manteve os seus 11 deputados. Quem teve mais ganhos foi o Juntos Pelo Povo (JPP), com nove deputados, vindo o Chega, a seguir, com quatro deputados. O partido do Centro Democrático Social (CDS) manteve os seus dois deputados. Por outro lado, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e a Iniciativa Liberal (IL) obtiveram um deputado cada. Quem assumiu a falta de cumprimento do seu objetivo eleitoral foi o Bloco de Esquerda (BE) e a Coligação Democrática Unitária (CDU).    

Dizer que “o PS, na Madeira, é um caso de estudo” por não ter conseguido, ao fim de 50 anos, ganhar uma eleição” é, no mínimo, sobranceria de comentador pouco avisado.  

Poderia ficar-me com o comentário de Alberto João Jardim, que sustenta que, ao longo dos anos, o madeirense mudou, mas só um bocadinho, ou fixar-me nos aforismos: “o povo é soberano” e “o povo é quem mais ordena”. Todavia, podem apresentar-se vários exemplos de municípios em que o PS nunca ganhou uma eleição autárquica, nestes 48 anos de democracia representativa. Vejam-se os casos de Santa Maria da Feira, de Viseu, de Armamar, de Sátão, de Sernancelhe, de Vila Nova de Foz Coa, de Penedono ou de São João da Pesqueira. São João da Pesqueira teve, durante quatro anos, um executivo totalmente do PSD e Sernancelhe está, no mandato em curso, nessas mesmas condições. 

Quais as razões deste facto? Não se pode atribuir à influência da Igreja católica (que, talvez por efeito das reestruturações em moda, está a perder fiéis, em Portugal), nem ao caciquismo tradicional, que já não compra votos por um par de tamancos. Também não são as fraudes eleitorais, que, se as há, são residuais. Podemos convir em que são as propagandas enganosas, as campanhas eleitorais das oposições marcada pela insuficiência ou pelo amadorismo.

Todavia, estas são razões de perfil residual, pois as determinantes são mais profundas. Podemos colocar à cabeça a capacidade de, em universo eleitoral de limites mais estreitos, os titulares do poder instalado (partido ou coligação) controlarem a população, recusando “aos deles” os benefícios que não têm, obrigatoriamente, de conceder e dificultar, ao máximo, licenças e outros serviços a que as leis e os regulamentos obrigam ou que permitem. Ao mesmo tempo, “aos nossos” tudo se dá e tudo se facilita. Cria-se expande-se, deste modo, um mecanismo de dependência generalizada.

Outra razão está na falta de jornais de expansão nacional nos pequenos territórios, que poriam a nu muitos dos desmandos e das omissões imputáveis aos titulares do poder e dariam voz crítica aos eleitores, sobretudo aos que dificilmente fazem ouvir a sua voz. As notícias, as entrevistas e as reportagens costumam ser eloquentes. Em contrapartida, as administrações de jornais locais ou regionais têm dificuldade, por motivos de sobrevivência económica, em assumir um tom crítico ao poder instalado; ao invés, facilmente se tornam seus porta-vozes. Paralelamente, os gabinetes municipais ou regionais de informação, os boletins e as revistas municipais e regionais funcionam como órgãos da propaganda local ou regional. É de relevar a participação (quase obrigatória) de funcionários nas campanhas eleitorais, em órgãos do poder municipal e nos eventos municipais.

Além disso, muitos oposicionistas vivem e trabalham fora do respetivo município, sentindo-se a falta da sua permanente presença crítica.

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Conhecidos os votos dos eleitores da Madeira, conclui-se que o PSD venceu, mesmo com um caso judicial à perna; que, nem com um adversário diminuído, o PS recuperou, significativamente, o terreno perdido (só manteve o das últimas eleições); e que o triunfo político foi do JPP.

Já na noite eleitoral, fizeram-se contas e projetaram-se cenários, mas não se percebeu como será o governo, pois nenhum dos partidos mais votados tinha margem para grande sonho. Entretanto, surgiu o anúncio de que o PS e o JPP marcaram uma conferência de imprensa conjunta.

Se, em 2019, a subida do PS (mais de 51 mil votos) foi explicada pela movimentação em massa de votos do CDS, JPP, BE e PCP para os socialistas (o PSD perdeu deputados, mas manteve-se nos 56 mil votos), já a descida do PSD (mais uma) e a subida do JPP, neste ano, face às regionais de setembro de 2023, estarão ligadas ao desaparecimento parlamentar regional do BE e da CDU, ao regresso do CDS e à crise interna do PSD.

O PS até teve mais 137 votos do que em 2023; o JPP (mais 8025 votos do que em 2023, ficando perto dos 23 mil) retirou votos ao BE, à CDU e aos desiludidos com Miguel Albuquerque, que preferiram Élvio Sousa a Paulo Cafofo. Daqui resultará a flutuação ocorrida de 2015 para 2019, deixando o JPP com quase metade dos votos. Já o PSD, além do desgaste eleitoral, perdeu votos para o CDS (obteve 5384 votos), para o JPP e alguns para o Chega. 

O PSD perdeu 7345, votos face a 2019, ano em que precisou do CDS para se manter no poder. A atual fasquia (49 103) representa o pior resultado da história do partido que, em 2007, atingiu o seu máximo: mais de 90 mil votos. Em 2011, o PSD desceu dos 90 para os 71 mil votos; e, em 2015 e em 2019, caiu para os 56 mil eleitores.

O certo é que os partidos não se podem queixar da abstenção, pois, desta vez, houve mais 496 eleitores a votar do que a 24 de setembro de 2023.

A incerteza ante o pior resultado de sempre que impede um governo de maioria, até parlamentar – sem o Chega, a IL, o PAN e o JPP, a Albuquerque só resta assumir um inédito governo minoritário –, com o PSD dependente de acordos pontuais e de entendimentos partidários que só pode levar a dois caminhos: a vitimização, se o programa de governo não for aprovado, atribuindo culpas ao JPP e ao PS pelo “que não se vai fazer” e abrindo espaço a novas eleições em dezembro deste ano ou em janeiro de 2025, a contar com o regresso ao PSD em força; e a vitimização, com programa de governo aprovado, porque “chegará o dia em que a “responsabilidade da inércia” será apontada aos dois maiores partidos da oposição.

No primeiro caso, teremos a queda do executivo, faltando saber quem assumirá, logo de imediato, essa responsabilidade. Se nenhum partido recuar no “não é não” a Albuquerque ou a cafofo, a Madeira irá de novo para eleições, mas alguém vai ter que recuar no “não é não”. Um programa de governo com o atual líder do PSD poderia passar com a abstenção do Chega e da IL, não sendo de excluir o CDS. Já sem Albuquerque, a margem de aprovação aumentaria, pois só o PS e o JPP estão contra. Depois, resta saber se o PSD irá a eleições com ou sem Albuquerque. Alberto João Jardim já defendeu a saída de Albuquerque, que devia dar o lugar a outro. Porém, o número dois, João Cunha e Silva não é nome pacífico no partido, o que dificulta a resolução da crise.

O PS, liderado por Paulo cafofo, conseguiu mais 137 votos do que em setembro, ficando-se pelos mesmos 11 deputados conseguidos por Sérgio Gonçalves, que enfrentou a coligação PSD/CDS. Contudo, também no PS, as divisões internas são visíveis. E vão-se acumulando os sinais de que a oposição interna se prepara para enfrentar a liderança de Cafofo, “deputado em Lisboa” (na AR) que “não se decide” pela Madeira.

Não obstante, um acordo de governo entre o PS e o JPP foi estabelecido, a apresentar ao representante da República para a Madeira, que procurará alargar-se aos restantes partidos – exceto ao PSD e ao Chega – num “entendimento parlamentar” de “estabilidade”, constituindo um desafio aos que sempre criticaram Albuquerque e que o recusam: o CDS, a IL e o PAN. 

Paulo cafofo e Élvio Sousa prometeram não viabilizar “qualquer solução” de governo social-democrata. E também aqui a questão de um “entendimento” suscita a dúvida sobre quem arrisca ser responsável por novas eleições. Porém, um programa de governo PS/JPP só passará se o PAN, o CDS e a IL o aprovarem. A IL diz aceitar negociar “caso a caso, ponto a ponto, programa a programa, decreto a decreto, orçamento a orçamento. O PAN aceita ser “solução estável” e diz que os madeirenses “podem contar com a responsabilidade” do partido. E o CDS disse estar “disposto a dialogar com todos os partidos para viabilizar o próximo governo e o orçamento, em nome da “nossa responsabilidade política”.

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É de esperar pelos próximos desenvolvimentos. Para já, o representante da República indigitará Albuquerque como presidente do governo.

Por fim, não tem razão o comentador dominical, ao pensar que o PSD teve uma vitória clara ou que o PS teve uma derrota estrondosa (manteve o mesmo número de mandatos). O partido que mais subiu foi o JPP, com cerca de metade dos mandatos do vencedor. É o erro de tirar conclusões e pensar em cenários, antes de serem conhecidos, em definitivo, os resultados eleitorais.

2024.05.27 – Louro de Carvalho

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