sábado, 4 de maio de 2024

Plano de Emergência para a Saúde e Plano de Verão

 

Foi já lavrado o despacho que nomeia os 13 especialistas de várias áreas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para construção de um Plano de Emergência para a Saúde. O prazo dado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, durante a campanha eleitoral, foi de 60 dias, após a tomada de posse do governo. Como já passaram 30 dias (a posse foi a 2 de abril), a equipa, a cumprir-se o estabelecido na campanha eleitoral, teria o prazo 30 dias para o desempenho da missão de que está incumbida. Seria obra para um elenco governativo avesso a derrapagens.

No entanto, àquela tarefa da equipa, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins a da elaboração do Plano de Verão, que define a resposta que o SNS dará aos utentes nos meses mais complicados do ano, com menos recursos e com aumento significativo de população nalgumas zonas, como o Algarve. A decisão foi tomada depois de a governante, como alegou aos jornalistas, a 2 de maio, em visita ao Hospital Santo António, no Porto, ter ficado “surpreendida” com a inexistência de um plano de verão, quando já se devia estar a trabalhar no de inverno, bem como com o facto de a Direção-Executiva (DE-SNS) ter recusado fazê-lo.

Segundo noticiou o jornal Público, Ana Paula Martins solicitou à DE-SNS a apresentação de um plano para o verão, o que Fernando Araújo recusou, por “estar de saída” e por desconhecer “as políticas” a tutela quer levar para a frente. A atual DE-SNS  estará em funções até ao dia seguinte da apresentação do relatório sobre as mudanças no SNS, exigido pela ministra. A demissão foi apresentada em bloco, no final de abril.

Agora, a equipa de 13 elementos terá de pensar o futuro do SNS e da Saúde, em Portugal e, para este ano, o referido plano de verão. A tutela sustenta a escolha dos nomes, alegando que a implementação do plano de emergência só será possível, se se garantir a participação dos que, no quotidiano, intervêm no SNS, conhecendo “os seus problemas e desafios”. Quanto à missão, enfatiza que o grupo deverá “definir orientações que permitam melhorar o acesso, em tempo útil, aos cuidados de saúde, promovendo a devida articulação com as várias instituições do Ministério da Saúde e a respetiva implementação”.

Embora o grupo trabalhe na dependência da ministra, a coordenação dos trabalhos foi entregue a Eurico Castro Alves, cirurgião geral, presidente do Conselho Regional da Ordem dos Médicos do Norte, professor catedrático, diretor de Clínica e de Cirurgia da área Clínica Assistencial da Unidade Local de Saúde (ULS) de Santo António, no Porto.

O grupo inclui  Caldas Afonso, professor catedrático de Pediatria e diretor do Centro Materno-Infantil do Norte Albino Aroso (CMIN), bem como  António Marques, professor catedrático, assistente graduado sénior, com especialidade em Anestesiologia.

Na área médica, há outros nomes, como João Gouveia, médico intensivista, que coordenou a rede de Medicina Intensiva, durante a pandemia, e que é diretor do Serviço de Urgência Central da ULS de Santa Maria, em Lisboa, Lucindo do Couto Ormonde, diretor do Serviço de Anestesiologia e do Bloco Operatório da ULS de Santa Maria, Luís Campos Pinheiro, professor auxiliar na Nova Medical School, diretor do Centro de Responsabilidade Integrado de Urologia e responsável pela Área de Cirurgia da ULS de São José, Nuno Miguel Freitas, médico formado em  Coimbra com pós-graduação em Direito da Medicina e instrutor avançado de Simulação Médica pela Harvard Medical School e Paulo Jorge Carvalho, médico internista e professor convidado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.

Para a Gestão, foi escolhida Rosa Matos Zorrinho, administradora hospitalar, que ocupou, nos últimos anos, o cargo de presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, agora ULS de São José; Catarina Baptista, administradora hospitalar, doutorada em Biologia Molecular pela Universidade de Lisboa, com especialização em Strategic Leadership on Innovation; e Cláudia Belo Ferreira, do Programa de Formação em Gestão Pública, Curso de Alta Direção em Gestão de Unidades de Saúde para Gestores.

A classe de enfermagem está representada por Maria do Rosário Rodrigues de Barros, especialista em Enfermagem Comunitária, a exercer os cargos de assessora da diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos da ULS do Alto Minho e do  presidente do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Viana do Castelo; e pelo enfermeiro Ricardo Correia de Matos, especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, professor convidado na Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa e tesoureiro nacional da Ordem dos Enfermeiros.

A tutela considera que o “estado atual da Saúde em Portugal é preocupante” e que, face a este diagnóstico (Que diagnóstico), o grupo terá de elaborar, em 30 dias, um plano que vise a melhoria do acesso aos cuidados de Saúde, para ser posto en prática até ao final de 2025. Mas, no imediato, a prova de fogo é a resposta que vai preparar para o verão, para não se repetirem cenários com serviços de urgências a fecharem portas, por falta de médicos que assegurem as escalas. 

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Segundo o jornal Público, Fernando Araújo terá estranhado o pedido, por não estar a par dos planos da tutela, mas o governo esperava que o plano estivesse adiantado e assegura que o verão decorrerá “com normalidade”.

Ana Paula Martins, no Porto, à margem de uma visita ao bloco operatório do Hospital de Santo António, onde conheceu um projeto que junta cirurgia robótica e inteligência artificial, declarou: “Temos uma ‘task force’ que, em despacho, está a ser nomeada e que já está, desde que tomamos posse, a trabalhar no Plano de Urgência e de Emergência que será apresentado, brevemente, pelo governo. Naturalmente que este denominado Plano Sazonal também será realizado com este mesmo grupo de líderes, que tem pessoas de várias profissões e, sobretudo, tem pessoas de várias zonas do país.”

Curioso: o grupo está a trabalhar antes de ser nomeado!

Confrontada pelos jornalistas com perguntas sobre que plano pedira à DE-SNS, a ministra não esclareceu totalmente as competências de cada uma das estruturas ligadas ao SNS e à área da saúde, mas disse que tinha expectativa que a DE-SNS garantisse a articulação de toda esta rede. “Os Planos Sazonais de saúde pública são da DGS [Direcção-Geral da Saúde], por causa das ondas de calor e das ondas de frio, e são sempre feitos pela DGS e assim continuará [...]. Mas sintetizando um longo decreto-lei [o dos estatutos da DE-SNS] com muitas competências e inúmeras atribuições, é muito claro que a articulação da malha, da rede das ULS que integram os centros hospitalares e os chamados centros de saúde, é competência do senhor diretor-executivo e da sua equipa, para garantir a articulação de toda esta rede”, referiu a governante.

E acrescentou: “Se temos situações de maior pressão, em determinadas alturas do ano, em determinadas regiões do país e em determinadas especialidades, como sabemos a obstetrícia, é isso que a DE-SNS faz, tem feito, e daí essa expectativa.”

Antes de seguir para o CMIN, estrutura que também faz parte da ULS Santo António, Ana Paula Martins, questionada sobre quem será o sucessor de Fernando Araújo, não respondeu. E, sobre a visita ao CMIN, que não estava formalmente programada, avançou que serviria para se reunir com “líderes a Norte e perceber [...] e [para] perceber a resposta a dar aos cidadãos”.

Antes, em informação aos jornalistas, referiu que a reunião iria juntar os responsáveis do Norte da área materno-infantil de forma a preparar o plano de verão. Efetivamente, no Santo António, ao longo da visita, foi acompanhada pelo presidente do conselho de administração da ULS de Santo António, Paulo Barbosa, pelo diretor do serviço de cirurgia deste hospital, Eurico Castro Alves, que é também presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, pelo diretor clínico, António Barros e pelo diretor do CMIN, Caldas Afonso.

A este propósito, foi revelado que estava programada uma visita à urgência de obstetrícia da ULS de São João, também no Porto.

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Também o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) julga “inacreditável não haver um plano para o verão e nem para o inverno”, porque “a Saúde não para no verão nem no inverno”. Considerando que “os utentes têm de continuar a ser tratados”, mas admitindo que, no verão, “costuma haver menos atividade programada”, sustenta que “tem de haver um plano para continuar a dar a resposta nesta área e também a nível das urgências”. Senão, reforça, “vamos chegar a junho ou a dezembro e vamos continuar a lamentar-nos que o SNS está sem capacidade de resposta para as situações graves que nos aparecem”.

O bastonário, dizendo ter ficado “francamente preocupado com a situação”, anunciou que, de imediato, enviaria à tutela “um documento que um grupo de especialistas de várias áreas – como Medicina Familiar, Medicina Interna, Medicina Intensiva, Pneumologia e outras – estava a preparar como apoio a um plano de inverno, que poderá servir como contributo para um plano de verão”. E esclareceu: Não temos um documento concreto para esta época do ano, porque nunca nos passou pela cabeça que não estivessem já definidas as linhas de resposta ao verão.”

O representante da classe médica reforça a necessidade de planos para as duas épocas, considerando que têm de ser elaborados antecipadamente. Por exemplo, “o plano para o inverno tem começar a ser preparado, assim que termina a fase mais complicada do inverno que estamos a viver”. Ambos os planos exigem “uma gestão rigorosa de recursos humanos, mais contratações e nós sabemos que estes processos são demasiado morosos”. No caso do verão, o plano deveria ter sido planeado no início do ano, quando são aprovadas as escalas. E o bastonário refere vários aspetos importantes: a saúde das pessoas, as descompensações provocadas pelas caraterísticas do tempo, a época em que há menos recursos, devido às férias anuais (neste período ocorrem também as férias escolares) e o facto de haver determinadas zonas do país para onde há mais mobilização, nesta altura, como o Algarve, Lisboa e Alentejo. Assim, como refere, “o Litoral tem que estar preparado para dar resposta ao aumento da população e não haver rutura dos serviços”.

Por fim, sublinhou: “Um plano de verão não se prepara no verão. Em Saúde, é preciso antecipar, programar e planear. As coisas têm de ser feitas com antecedência, para os serviços se poderem organizar, por exemplo, para as contratações que serão necessárias. E lamento que isto não tenha sido feito.” Aliás, reforça, “lamento que, para 2024, não tenha sido definido nenhum plano, nem de verão nem de inverno.”

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Não é crível que não haja, em Portugal, uma planificação anual da Saúde. O que há é, certamente, a discordância de pontos de vista tida como inultrapassável e a dificuldade em cumprir o quer que seja. Em muitos casos, o serviço público deixa de ser prioritário e imperam os interesses pessoais e as guerras do alecrim e da manjerona. E é desolador que a governante, com larga experiência na área, não distinga, claramente, se o plano de verão é da competência da DGS ou da DE-SNS. Ou melhor, como pode dizer que é competência da DGS, mas que a DE-SNS deve coordenar?

Penso que me assistia a razão, ao sustentar que as reformas na Saúde não implicavam a criação de nova entidade como a DE-SNS. Revitalizar as estruturas existentes, dando-lhes mais competências e recursos, seria o caminho. Porém, criada a DE-SNS, não se lhe pode exigir um largo relatório de autoavaliação em 60 dias (foi um convite à demissão) e pedir-lhe, já conhecida a sua situação de demissionária, um plano de verão ou de inverno. A DE-SNS podia fazê-lo? Talvez. Contudo, não se pedem missões a quem se retirou a confiança, nem há pessoas perfeitas.  

Quanto à OM, se tinha coisas tão boas na manga, porque não as apresentou?

A posse de novo governo não devia implicar mudança das administrações, pelo menos de imediato. Aí, também estas têm culpas no cartório: “Há eleições e para tudo, durante meses!”

Por fim, é de prever que as ULS serão financiadas para pagar a unidades convencionadas, o que mostra qual o rumo que o governo quer para o SNS.

2024.05.04 – Louro de Carvalho

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