Foi já
lavrado o despacho que nomeia os 13 especialistas de várias áreas do Serviço
Nacional de Saúde (SNS) para construção de um Plano de Emergência para a Saúde.
O prazo dado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, durante a campanha
eleitoral, foi de 60 dias, após a tomada de posse do governo. Como já passaram 30
dias (a posse foi a 2 de abril), a equipa, a cumprir-se o estabelecido na campanha
eleitoral, teria o prazo 30 dias para o desempenho da missão de que está
incumbida. Seria obra para um elenco governativo avesso a derrapagens.
No entanto,
àquela tarefa da equipa, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins a da elaboração
do Plano de Verão, que define a resposta que o SNS dará aos utentes nos meses
mais complicados do ano, com menos recursos e com aumento significativo de população
nalgumas zonas, como o Algarve. A decisão foi tomada depois de a governante,
como alegou aos jornalistas, a 2 de maio, em visita ao Hospital Santo António,
no Porto, ter ficado “surpreendida” com a inexistência de um plano de verão,
quando já se devia estar a trabalhar no de inverno, bem como com o facto de a Direção-Executiva
(DE-SNS) ter recusado fazê-lo.
Segundo noticiou
o jornal Público, Ana Paula Martins
solicitou à DE-SNS a apresentação de um plano para o verão, o que Fernando
Araújo recusou, por “estar de saída” e por desconhecer “as políticas” a tutela
quer levar para a frente. A atual DE-SNS estará em funções até ao dia
seguinte da apresentação do relatório sobre as mudanças no SNS, exigido pela
ministra. A demissão foi apresentada em bloco, no final de abril.
Agora, a
equipa de 13 elementos terá de pensar o futuro do SNS e da Saúde, em Portugal
e, para este ano, o referido plano de verão. A tutela sustenta a escolha dos
nomes, alegando que a implementação do plano de emergência só será possível, se
se garantir a participação dos que, no quotidiano, intervêm no SNS, conhecendo “os
seus problemas e desafios”. Quanto à missão, enfatiza que o grupo deverá
“definir orientações que permitam melhorar o acesso, em tempo útil, aos
cuidados de saúde, promovendo a devida articulação com as várias instituições
do Ministério da Saúde e a respetiva implementação”.
Embora o
grupo trabalhe na dependência da ministra, a coordenação dos trabalhos foi
entregue a Eurico Castro Alves, cirurgião geral, presidente do Conselho
Regional da Ordem dos Médicos do Norte, professor catedrático, diretor de
Clínica e de Cirurgia da área Clínica Assistencial da Unidade Local de Saúde (ULS)
de Santo António, no Porto.
O grupo inclui Caldas Afonso, professor catedrático de Pediatria e
diretor do Centro Materno-Infantil do Norte Albino Aroso (CMIN), bem como
António Marques, professor catedrático, assistente graduado sénior, com
especialidade em Anestesiologia.
Na área
médica, há outros nomes, como João Gouveia, médico intensivista, que coordenou
a rede de Medicina Intensiva, durante a pandemia, e que é diretor do Serviço de
Urgência Central da ULS de Santa Maria, em Lisboa, Lucindo do Couto Ormonde,
diretor do Serviço de Anestesiologia e do Bloco Operatório da ULS de Santa
Maria, Luís Campos Pinheiro, professor auxiliar na Nova Medical School, diretor
do Centro de Responsabilidade Integrado de Urologia e responsável pela Área de
Cirurgia da ULS de São José, Nuno Miguel Freitas, médico formado em
Coimbra com pós-graduação em Direito da Medicina e instrutor avançado de
Simulação Médica pela Harvard Medical School e Paulo Jorge Carvalho, médico
internista e professor convidado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Para a Gestão, foi escolhida Rosa Matos Zorrinho, administradora
hospitalar, que ocupou, nos últimos anos, o cargo de presidente do Centro
Hospitalar Universitário Lisboa Central, agora ULS de São José; Catarina Baptista,
administradora hospitalar, doutorada em Biologia Molecular pela Universidade de
Lisboa, com especialização em Strategic Leadership on Innovation; e Cláudia
Belo Ferreira, do Programa de Formação em Gestão Pública, Curso de Alta Direção
em Gestão de Unidades de Saúde para Gestores.
A classe de
enfermagem está representada por Maria do Rosário Rodrigues de Barros,
especialista em Enfermagem Comunitária, a exercer os cargos de assessora da
diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos da ULS do Alto Minho e do
presidente do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Viana do
Castelo; e pelo enfermeiro Ricardo Correia de Matos, especialista em Enfermagem
de Saúde Mental e Psiquiátrica, professor convidado na Escola Superior de Saúde
Norte da Cruz Vermelha Portuguesa e tesoureiro nacional da Ordem dos Enfermeiros.
A tutela considera
que o “estado atual da Saúde em Portugal é preocupante” e que, face a este
diagnóstico (Que diagnóstico), o grupo terá de elaborar, em 30 dias, um plano
que vise a melhoria do acesso aos cuidados de Saúde, para ser posto en prática
até ao final de 2025. Mas, no imediato, a prova de fogo é a resposta que vai
preparar para o verão, para não se repetirem cenários com serviços de urgências
a fecharem portas, por falta de médicos que assegurem as escalas.
***
Segundo o
jornal Público, Fernando Araújo terá
estranhado o pedido, por não estar a par dos planos da tutela, mas o governo
esperava que o plano estivesse adiantado e assegura que o verão decorrerá “com
normalidade”.
Ana Paula
Martins, no Porto, à margem de uma visita ao bloco operatório do Hospital de
Santo António, onde conheceu um projeto que junta cirurgia robótica e
inteligência artificial, declarou: “Temos uma ‘task force’ que, em despacho, está
a ser nomeada e que já está, desde que tomamos posse, a trabalhar no Plano de
Urgência e de Emergência que será apresentado, brevemente, pelo governo.
Naturalmente que este denominado Plano Sazonal também será realizado com este
mesmo grupo de líderes, que tem pessoas de várias profissões e, sobretudo, tem pessoas
de várias zonas do país.”
Curioso: o
grupo está a trabalhar antes de ser nomeado!
Confrontada
pelos jornalistas com perguntas sobre que plano pedira à DE-SNS, a ministra não
esclareceu totalmente as competências de cada uma das estruturas ligadas ao SNS
e à área da saúde, mas disse que tinha expectativa que a DE-SNS garantisse a
articulação de toda esta rede. “Os Planos Sazonais de saúde pública são da DGS
[Direcção-Geral da Saúde], por causa das ondas de calor e das ondas de frio, e
são sempre feitos pela DGS e assim continuará [...]. Mas sintetizando um longo
decreto-lei [o dos estatutos da DE-SNS] com muitas competências e inúmeras
atribuições, é muito claro que a articulação da malha, da rede das ULS que
integram os centros hospitalares e os chamados centros de saúde, é competência
do senhor diretor-executivo e da sua equipa, para garantir a articulação de
toda esta rede”, referiu a governante.
E
acrescentou: “Se temos situações de maior pressão, em determinadas alturas do
ano, em determinadas regiões do país e em determinadas especialidades, como
sabemos a obstetrícia, é isso que a DE-SNS faz, tem feito, e daí essa
expectativa.”
Antes de
seguir para o CMIN, estrutura que também faz parte da ULS Santo António, Ana
Paula Martins, questionada sobre quem será o sucessor de Fernando Araújo, não
respondeu. E, sobre a visita ao CMIN, que não estava formalmente programada, avançou
que serviria para se reunir com “líderes a Norte e perceber [...] e [para] perceber
a resposta a dar aos cidadãos”.
Antes, em
informação aos jornalistas, referiu que a reunião iria juntar os responsáveis
do Norte da área materno-infantil de forma a preparar o plano de verão. Efetivamente,
no Santo António, ao longo da visita, foi acompanhada pelo presidente do
conselho de administração da ULS de Santo António, Paulo Barbosa, pelo diretor
do serviço de cirurgia deste hospital, Eurico Castro Alves, que é também
presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, pelo diretor
clínico, António Barros e pelo diretor do CMIN, Caldas Afonso.
A este
propósito, foi revelado que estava programada uma visita à urgência de
obstetrícia da ULS de São João, também no Porto.
***
Também o
bastonário da Ordem dos Médicos (OM) julga “inacreditável não haver um plano
para o verão e nem para o inverno”, porque “a Saúde não para no verão nem no inverno”.
Considerando que “os utentes têm de continuar a ser tratados”, mas admitindo
que, no verão, “costuma haver menos atividade programada”, sustenta que “tem de
haver um plano para continuar a dar a resposta nesta área e também a nível das
urgências”. Senão, reforça, “vamos chegar a junho ou a dezembro e vamos
continuar a lamentar-nos que o SNS está sem capacidade de resposta para as
situações graves que nos aparecem”.
O bastonário,
dizendo ter ficado “francamente preocupado com a situação”, anunciou que, de
imediato, enviaria à tutela “um documento que um grupo de especialistas de
várias áreas – como Medicina Familiar, Medicina Interna, Medicina Intensiva,
Pneumologia e outras – estava a preparar como apoio a um plano de inverno, que
poderá servir como contributo para um plano de verão”. E esclareceu: Não temos
um documento concreto para esta época do ano, porque nunca nos passou pela
cabeça que não estivessem já definidas as linhas de resposta ao verão.”
O representante da classe médica reforça a necessidade de planos para as
duas épocas, considerando que têm de ser elaborados antecipadamente. Por
exemplo, “o plano para o inverno tem começar a ser preparado, assim que termina
a fase mais complicada do inverno que estamos a viver”. Ambos os planos exigem
“uma gestão rigorosa de recursos humanos, mais contratações e nós sabemos que
estes processos são demasiado morosos”. No caso do
verão, o plano deveria ter sido planeado no início do ano, quando são aprovadas
as escalas. E o bastonário refere vários aspetos importantes: a saúde das
pessoas, as descompensações provocadas pelas caraterísticas do tempo, a época
em que há menos recursos, devido às férias anuais (neste período ocorrem também
as férias escolares) e o facto de haver determinadas zonas do país para onde há
mais mobilização, nesta altura, como o Algarve, Lisboa e Alentejo. Assim, como
refere, “o Litoral tem que estar preparado para dar resposta ao aumento da
população e não haver rutura dos serviços”.
Por fim, sublinhou: “Um plano de verão não se prepara no verão. Em
Saúde, é preciso antecipar, programar e planear. As coisas têm de ser feitas
com antecedência, para os serviços se poderem organizar, por exemplo, para as
contratações que serão necessárias. E lamento que isto não tenha sido feito.”
Aliás, reforça, “lamento que, para 2024, não tenha sido definido nenhum plano,
nem de verão nem de inverno.”
***
Não é crível que não haja, em Portugal, uma planificação anual da Saúde.
O que há é, certamente, a discordância de pontos de vista tida como inultrapassável
e a dificuldade em cumprir o quer que seja. Em muitos casos, o serviço público
deixa de ser prioritário e imperam os interesses pessoais e as guerras do
alecrim e da manjerona. E é desolador que a governante, com larga experiência
na área, não distinga, claramente, se o plano de verão é da competência da DGS
ou da DE-SNS. Ou melhor, como pode dizer que é competência da DGS, mas que a
DE-SNS deve coordenar?
Penso que me assistia a razão, ao sustentar que as reformas na Saúde não
implicavam a criação de nova entidade como a DE-SNS. Revitalizar as estruturas
existentes, dando-lhes mais competências e recursos, seria o caminho. Porém,
criada a DE-SNS, não se lhe pode exigir um largo relatório de autoavaliação em
60 dias (foi um convite à demissão) e pedir-lhe, já conhecida a sua situação de
demissionária, um plano de verão ou de inverno. A DE-SNS podia fazê-lo? Talvez.
Contudo, não se pedem missões a quem se retirou a confiança, nem há pessoas
perfeitas.
Quanto à OM, se tinha coisas tão boas na manga, porque não as apresentou?
A posse de novo governo não devia implicar mudança das administrações,
pelo menos de imediato. Aí, também estas têm culpas no cartório: “Há eleições e
para tudo, durante meses!”
Por fim, é de prever
que as ULS serão financiadas para pagar a unidades convencionadas, o que mostra
qual o rumo que o governo quer para o SNS.
2024.05.04 – Louro de Carvalho
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