domingo, 4 de agosto de 2024

Integração da comunidade cigana requer vontade política e investimento

 

 

Há, na Europa, entre 10 a 12 milhões de ciganos, metade dos quais vive em países da União Europeia (UE), sendo que um milhão labuta nos países dos Balcãs Ocidentais. Muitos vivem em condições miseráveis. A comunidade Roma (etnia cigana) residente na Europa vive à margem da sociedade. Desde jovens, muitos são alvo de discriminação. A maioria tem acesso deficiente à educação e à saúde, devido à pobreza, à exclusão e ao racismo.

Em 2020, as perspetivas eram pouco animadoras. Com efeito, os números eram alarmantes: tinham sido alvo de discriminação, nos últimos cinco anos, 41% de elementos da etnia cigana; 85% de crianças desta etnia corriam o risco de pobreza, em comparação com 20% das crianças da restante população; e, por último, 62% dos jovens não se encontravam na escola, a trabalhar ou em formação, em comparação com 10% dos jovens na população em geral.

Face a esta gritante situação, a UE criou, na altura, um plano de inclusão de 10 anos na sociedade em geral e cujo objetivo era terminar com a discriminação. “O nosso objetivo é criar igualdade, obviamente, para estas comunidades e sociedades se tornarem, um dia, inclusivas e iguais. Mas existem problemas, muito, muito sérios porque, por exemplo, a realidade é que menos de 50% da comunidade de etnia cigana se encontra empregada. Assim o ciclo repete-se: mais problemas na escola, recusa em enviar as crianças à escola ou a segregação das crianças na escola”, defendia comissária europeia Helena Dalli.

Já, antes, a UE quisera apoiar as comunidades ciganas, através das autoridades locais, mas muitas recusaram-se a ajudar, devido à possível desaprovação dos eleitores. “A política por detrás desta estratégia é o problema. Os governos não têm vontade política suficiente para implementarem o que já existe. Não é verdade que não conhecemos as soluções. As soluções estão à vista de todos. Mas os governos não têm vontade política para implementarem as medidas, porque receiam que qualquer ato positivo que façam se traduza na perda de votos, nas eleições seguintes” diz Zelijko Jovanovic, diretor do gabinete de iniciativas Roma, da organização Open Society.

O eurodeputado alemão Romeo Franz, proveniente da comunidade de etnia cigana, afirmava que acompanhar a implementação do novo quadro europeu era fundamental, já que existem receios de que o dinheiro destinado a combater o racismo não chegue às pessoas que mais necessitam dele. “A corrupção é um dos maiores problemas que enfrentamos. E temos de lutar contra a corrupção. Isso só é possível com acompanhamento. Só assim é possível ver onde o dinheiro é empregue. Foi este problema que já enfrentamos no passado, onde apenas uma pequena parte do dinheiro chegou às pessoas que dele necessitavam. O resto do dinheiro foi roubado”, sustentava o eurodeputado dos Verdes/European Free Alliance.

A Comissão Europeia afirmava que os diferentes estados-membros seriam, a partir de então, acompanhados na implementação do Plano de Ação Estratégico para a Inclusão dos Ciganos e dos Viajantes, que visa, face à existência do anticiganismo generalizado que reforça e agrava a sua privação económica e social, combater o anticiganismo e a discriminação, apoiar a igualdade e promover a participação democrática, promover a confiança e a responsabilização públicas e apoiar o acesso a uma educação e formação inclusivas de qualidade.

O Plano traduz os objetivos estratégicos do Conselho da Europa relativos à proteção e promoção dos direitos humanos, da democracia e do Estado de direito, num quadro político para a inclusão social e intercultural dos ciganos e viajantes na Europa. Fornece um quadro flexível e adaptável às condições específicas de cada país, servindo como roteiro e como ferramenta prática para a conceção, implementação e ajustamento de programas e ações.

Os seus objetivos são promover e proteger os direitos humanos dos ciganos e dos viajantes, combater o anticiganismo e a discriminação e promover a inclusão na sociedade. Por isso, está estruturado em torno de três linhas de ação principais: combater o anticiganismo e a discriminação e apoiar a igualdade real e efetiva; apoiar a participação democrática e promover a confiança e a responsabilização públicas; e apoiar o acesso a uma educação e formação inclusivas de qualidade.

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Entretanto, nalgumas cidades europeias, há mudanças positivas. Por isso, a Comissão Europeia contemplou sete presidentes de câmara dos Balcãs Ocidentais com o Prémio Presidente de Câmara mais Amigável para os Ciganos de 2024, por desenvolverem políticas para melhorar a vida dos ciganos. Trata-se de atuação muito positiva em prol do povo Roma (Cigano, como é conhecido em Portugal) que não seria possível sem pertinaz vontade política, aliada a dinheiro e a paciência, sem esquecer a cooperação estreita entre todos os envolvidos: organizações não-governamentais (ONG), doadores, municípios e comunidades ciganas locais.

Salienta-se como exemplo a obra de três desses autarcas.

No Montenegro, o vencedor foi Marko Kovačević, presidente da Câmara Municipal de Nikšić (no distrito de Gracanica), a segunda maior cidade do país, com 70 mil habitantes, incluindo cerca de 1500 ciganos. O autarca promoveu a construção de 31 habitações sociais, das quais 17 foram atribuídas a famílias ciganas, o que suscitou resistências, aquando da expansão do projeto. No dizer de Kovačević, as mudanças são lentas, mercê do estilo de vida diferente da comunidade cigana, em relação ao resto da comunidade. Quando o município quis edificar dez unidades de habitação social num bairro, “houve uma forte resistência por parte do resto da população”.

O Centrum for Roma Initiatives (CRI) desenvolve vários projetos, nomeadamente, a promoção dos direitos das mulheres ciganas. “Saúde, escola, trabalho, habitação: está tudo ligado”, vincou a diretora do CRI, Fana Delija.

No âmbito da habitação, uma das formas de melhorar a vida dos ciganos implica a resolução das questões conexas com a propriedade, problema que afeta todos os territórios da ex-Jugoslávia. Alguns ciganos são proprietários das suas casas, ao passo que outros não o são. “O maior problema é a legalização dos terrenos onde vive a comunidade cigana”, explicou Delija.

Há alguns anos, nos arredores de Nikšić, o município construiu habitações sociais onde vivem, agora, cerca de 300 pessoas. Porém, as condições de vida de algumas famílias são miseráveis. Vivem 14 pessoas numa casa. Ninguém tem trabalho e só uma pessoa recebe subsídios, de acordo com o relato de Bukurija Sejdi, uma idosa residente neste bairro cigano. “É muito importante concentrarmo-nos no emprego na comunidade, nos próximos quatro anos”, aponta Delija.

Zoja Tarlamišaj, mediadora cigana da escola secundária, concluiu os estudos universitários, uma raridade para os ciganos no país. E, convidando os decisores políticos a alterar a política educativa, sustenta que, se o ensino secundário fosse obrigatório, os alunos ciganos “não abandonariam a escola tão cedo e, ao adquirirem melhores qualificações, a sua vida melhoraria”.

Em Bijeljina, na Bósnia-Herzegovina, vivem 100 mil pessoas, entre as quais cerca de duas mil são ciganos. A cidade construiu habitações sociais, um abrigo para crianças exploradas e apoia um festival de ciganos. Por outro lado, Ljubiša Petrović, presidente da Câmara Municipal, apresentou o segundo plano de ação para os ciganos, para 2024-2027: “Uma das condições prévias para uma maior inclusão da minoria cigana é: educação, educação e educação”, frisou.

A escolaridade das crianças ciganas é acompanhada durante todo o ano. A organização não-governamental (ONG) cigana Otaharin dá explicações e apoio psicológico. Todos os dias há comida e atividades artísticas criativas. Muitas famílias falam a língua romani, pelo que as crianças falam mal a língua sérvia. Quando entram na escola, encontram enormes obstáculos. E Sanita Smajić, uma coordenadora do centro de dia de Otaharin, reivindicando apoio linguístico intensivo, propõe que “as escolas primárias tenham assistentes para a língua cigana”.

A Agência Austríaca para o Desenvolvimento, a Care International, a Otaharin e o município apoiam o projeto hortícola Agroplan, para ajuda às mulheres ciganas. Vesida, uma delas, declarou-se satisfeita com o trabalho, pois sabe que é difícil viver sem trabalho.

Vrnjačka Banja, na Sérvia, é uma cidade turística termal que promove a imagem de abertura e de tolerância e onde vivem cerca de 400 ciganos. Nos últimos oito anos, doadores internacionais disponibilizaram um milhão de euros para financiar os projetos locais de melhoria das condições de vida dos ciganos e a cidade contribuiu com 200 mil euros. Edificaram habitações sociais para famílias com piores condições de vida e mudaram-nas para lá, segundo Boban Đurović, presidente da Câmara Municipal, que revelou que, desde 2016, a cidade emprega um mediador cigano.

A aldeia vizinha de Gračac, onde vivem cerca de 250 ciganos, é a maior povoação cigana do município. Živoslav Vujičić, representante da comunidade, trabalhou na Alemanha, durante décadas. Quando regressou à Sérvia, construiu uma casa grande com um jardim bem cuidado. Hoje, é o porta-voz local dos ciganos e vinca as boas relações com o presidente da Câmara Municipal, que “responde a toda a gente”, no Facebook, no Viber, no Messenger e em casa, quando as pessoas o procuram lá. E Vujičić considerou: “Há vários problemas em todo o lado. Mas, atualmente, a nossa maior necessidade é o sistema de esgotos.”

Muitas casas da aldeia são bonitas e limpas, mas nem todas. O mediador cigano Dejan Pavlović mostrou aos visitantes uma ruína onde vivia uma família. A chuva entrava pelo telhado. Há um ano, os serviços sociais encontraram, finalmente, uma solução. Viviam ali seis pessoas e foram transferidas para um novo edifício, construído através de um programa de habitação social realizado pelo município de Vrnjačka Banja.

De acordo com o mediador, hoje, Melissa, de 7 anos, e a família começaram nova vida. Mudaram-se das ruínas para um apartamento novo em folha, num conjunto de habitação social cofinanciado com fundos da UE. O pai é alfaiate, mas, como não há trabalho suficiente para alfaiates, ganha a vida na construção. Para estabilizar a família, foi dada formação profissional a dois filhos adultos, com apoio municipal. Um é ladrilhador e o cabeleireiro. “Agora temos espaço suficiente para dormir. Já não estamos amontoados como sardinhas”, disse Sonja, a mãe.

A filha adolescente, Kristina, de 17 anos, já tem um bebé. O abandono escolar e a gravidez precoce dificultam a integração profissional das jovens ciganas. Gostaria de ser cabeleireira. Têm uma cozinha e uma casa de banho, onde podem tomar banho, ao invés do que sucedia antes.

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O debate sobre a capacidade de integração da comunidade cigana esteve ao rubro em França, no outono de 2023, com alguns ministros a defenderem a expatriação dos imigrantes desta etnia vindos da Roménia e da Bulgária. Porém, no coração da Europa, como se viu acima, há apostas no multiculturalismo. E a junta de freguesia de Saint-Josse, em Bruxelas, contratou Florin Muntean como mediador, sendo graças a ele que a pequena Perla está na escola primária, uma escola bonita, onde quer “aprender a ler e a falar bem o Francês e o Neerlandês”.

Maria Sava, mãe de Perla e de outras três crianças, espera dar um melhor futuro à família, que vive na Bélgica, há seis anos. Agora tem o apoio financeiro da junta de freguesia, mas, no passado, não teve muitas oportunidades: “Cresci sem saber ler, sem saber nada de nada”, confessou.

O bairro tem cerca de 1300 emigrantes ciganos que recorrem a Florin, também de origem romena, para fazer a ponte entre a comunidade e os serviços de educação, de saúde e de segurança social.

O mediador diz que o seu mote é “trabalhar com os ciganos pelo bem dos ciganos”. A escola tenta fortalecer os laços com as cerca de duas dezenas de crianças ciganas que chegam. Mas o diretor, Eric Leemans, lamenta que muitas abandonem os estudos e recorda um caso: Octavian, uma criança de 12 anos, que não sabia nem ler nem escrever, quando viu a palavra ‘Octavian’ escrita no ecrã do computador, parecia estar a presenciar algo mágico. Porém, um dia, desapareceu.

A chegada a Bruxelas de imigrantes ciganos teve um pico em 2010-2011. A convivência com os habitantes do bairro não foi fácil, mas tem melhorado, como conta o presidente da associação de comerciantes, Chand Prem Kapoor. Havia pequenos roubos em lojas, assaltos a quem levava sacos e comentários desagradáveis. Todavia, “está tudo muito tranquilo”. Não se muda de hábitos e de costumes de um dia para o outro e a integração é um trabalho contínuo. Nas ruas de Saint-Josse, já não há ciganos a pedir. E a educação é o caminho para estender esse sucesso a todas ruas da capital belga e da Europa em geral, o que postula vontade política e investimento.

2024.08.02 – Louro de Carvalho

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