Nasceu, no século XVII e viveu ainda no século XVIII, a alemã Maria Sibylla Merian, que se propôs investigar o universo dos insetos, desenvolvendo uma
forma diferente de pensar e de olhar a Natureza, pelo que é considerada
a primeira ecologista do Mundo, mercê dos seus feitos, quando pouca gente
desbravava o continente americano, abaixo da linha do Equador.
Aos 52 anos de idade, deixou a Europa e partiu para uma perigosa aventura
na América do Sul, para pormenorizar os ciclos de vida de borboletas, de mariposas
e de outros insetos.
***
Maria Merian, nascida na Cidade Livre de Frankfurt, a 2 de abril de 1647, naturalista e ilustradora científica
estudou plantas e insetos, do que fez pinturas detalhadas. Era descendente
do ramo suíço da família Merian e foi uma das primeiras naturalistas a observar
insetos, diretamente.
Era filha do gravurista
Mattäus Merian, o Velho, que morreu, em 1650, quando ela tinha apenas três
anos. A mãe, Johanna Sibila Heim, era a segunda esposa de Matthäus Merian. E
Maria Sibylla era a nona filha do casal. Mais tarde, Jakob Marell, o padrasto, famoso
pelas suas pinturas de flores, estimulou as artes em Maria e ensinou-lhe como
desenhar e como pintar.
Assim,
o conhecimento científico de Sibylla começou com o seu padrasto, Jacob
Marrel, estudante e aprendiz do pintor Georg Flegel. Enfim, nascera numa família de editores, de escultores e de comerciantes,
tendo cedo aprendido a arte da ilustração.
Aos 13 anos,
pintou os seus primeiros quadros de insetos e de plantas, baseando-se nos
espécimes que capturava. Desde pequena, teve acesso a livros de História
Natural, essenciais na sua carreira posterior. E, mais tarde, contava que, na
sua juventude, passara
tempo a investigar insetos. No início, começou com o bicho-da-seda, na
sua cidade natal, e percebeu que as lagartas produziam lindas borboletas ou
mariposas e que os bichos-da-seda faziam o mesmo. Isso levou-a a recolher todas
as lagartas que encontrasse, para ver como elas mudavam.
O seu primeiro
livro foi lançado em 1675, aos 28 anos de idade, com várias ilustrações
naturais. Na adolescência começou a colecionar insetos e aos 13 anos criava bichos-da-seda.
Em 1679, publicou o primeiro de dois volumes, sobre lagartas, e
publicou o segundo, em 1683. Cada volume continha 50 pranchas gravadas e
destacadas por si. Além da ilustração, também documentou os processos de metamorfose
e as plantas hospedeiras de 186 espécies de insetos da Europa, com
ilustrações e descrições dos respetivos ciclos de vida.
Em maio de
1665, casou com o aprendiz de Marrel, Johann Andreas Graff, de Nuremberg,
cujo pai era poeta e diretor da escola local de ensino médio, uma das
principais escolas do século XVII, na Alemanha. Em janeiro de 1668,
nasceu a primeira filha do casal, Johanna Helena Herolt. A família mudar-se-ia
para Nuremberg, em 1670. Maria continuou os seus estudos e as suas
ilustrações, trabalhando principalmente com linho e com pergaminho, criando
padrões para bordados. Deu aulas de desenho a filhas solteiras de famílias
ricas, o que ajudou, financeiramente, a família e elevou o seu status social.
Trabalhando
com famílias ricas, teve acesso a ricos jardins mantidos pela elite de
Nuremberg, onde continuou a colecionar insetos e a desenhar. Em 1675, ingressou
na academia de Joachim von Sandrat. E, além de pintar flores, fez gravuras
e impressões em cobre. Foi como estudante da escola de Sandrart que publicou os
seus primeiros livros com flores.
Em 1678,
nasceu a sua segunda filha, Dorothea Maria.
Ainda que
outras pintoras suas contemporâneas, como Margaretha de Heer, incluíssem
insetos nas suas ilustrações de plantas e flores, apenas Maria Merian fazia
estudos científicos dos insetos. Outras mulheres colecionavam borboletas, mas o
naturalismo amador era privilégio masculino, quase em exclusivo. Em 1679,
publicou o seu primeiro livro sobre insetos, uma edição em dois volumes que
focava na metamorfose de insetos.
Em 1678,
a família mudou-se, novamente, para Frankfurt am Main, mas o seu casamento
era infeliz. Acabou por se mudar para viver com a mãe, após a morte do
padrasto, em 1681. Em 1683, viajou para Gottorp, onde se interessou
pela comunidade labadista. Esta comunidade professava a doutrina do teólogo protestante francês Jean de Labadie, que preconizava
o retorno aos usos da Igreja primitiva, com a comunidade dos bens, e pretendia
que a Bíblia só podia ser interpretada pela inspiração imediata do Espírito
Santo.
Em 1685,
viaja com a mãe, com o marido e com as filhas, para Friesland, onde Caspar,
seu meio-irmão, morava desde 1677. De 1685 a 1691, a família e a mãe
moram com a comunidade labadista, onde Maria Merian estuda História Natural e
Latim, idioma dos livros científicos, observando o nascimento e o desenvolvimento
de sapos, coligindo e dissecando alguns.
Em 1699,
viajou para o Suriname, ainda colónia holandesa, para estudar e registar
diversos insetos tropicais. Em 1705, publicou Metamorphosis
insectorum Surinamensium (Metamorfose de insetos surinameses), que
influenciou diversos naturalistas da época, com as suas vívidas imagens
coloridas de animais do Novo Mundo. Devido à sua cuidadosa e detalhista
observação e registo da metamorfose da borboleta, é considerada por David
Attenborough, naturalista britânico, uma das mais importantes estudiosas da
entomologia. Foi a grande entomóloga da sua geração, elevando o conhecimento
sobre insetos, na época, pelos seus estudos e ilustrações.
Em 1690, morreu
a mãe. No ano seguinte, mudou-se, com as filhas, para Amsterdão. Em 1692,
o casal Merian divorciou-se. Nesse ano, Johanna casou com Jakob Hendrik Herolt,
bem-sucedido comerciante do Suriname. A pintora Rachel Ruysch
tornou-se aprendiz de Maria Merian. O modo que encontrou para sobreviver
foi vender as suas pinturas junto de Johanna para um colecionador.
Em 1698,
vivia numa boa casa, na rua Kerkstraat, no centro de Amesterdão. E, em 1699, a
cidade concedeu-lhe autorização para viajar ao Suriname, com a sua filha mais
nova, Dorothea Maria. A 10 de julho, as duas embarcaram no porto da cidade, com
o objetivo de passarem cinco anos a ilustrar novas espécies de insetos. Para
financiar a sua expedição, vendeu 255 das suas pinturas. Porém, embora não
tivesse contrato com nenhuma empresa ou corporação comercial, parte da sua
expedição foi financiada pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais.
Maria
e a filha chegaram, em setembro do mesmo ano, ao Suriname, país vizinho da Venezuela e do Brasil, onde conheceram o governador, Paulus
van der Veen. Trabalhou lá durante dois anos, viajando pela colónia, desenhando
animais e plantas, registando nomes locais nativos de plantas e descrevendo os seus
usos medicinais. Maria não foi bem recebida pelos comerciantes da colónia,
que achavam não haver nada de interessante para ser registado. E ela condenou o
tratamento cruel dado aos escravizados, tendo consultado muitos deles para os
seus registos.
Em junho de
1701, Maria Merian contraiu a malária e foi forçada a voltar para Amesterdão,
onde abriu uma loja, onde vendia espécimes, pinturas, gravuras e livros sobre a
vida local do Suriname. Em 1705, publicou o livro Metamorphosis
Insectorum Surinamensium, já referido.
Em 1715,
Maria sofreu um AVC e, mesmo parcialmente paralisada, continuou a
trabalhar, até falecer, a 13 de janeiro de 1717, em Amesterdão, aos 69
anos. Foi sepultada no cemitério de Leiden. O livro Erucarum Ortus
Alimentum et Paradoxa Metamorphosis
(Incremento do nascimento das lagartas e paradoxos da metamorfose),
uma coleção dos seus trabalhos, foi publicado, postumamente, pela sua filha
Dorothea.
***
Maria Merian
começou a interessar-se pelos insetos, no jardim da sua casa, ainda na
infância. Aos 13 anos, pintou o ciclo de vida de um bicho-da-seda, quando o
comércio da seda era muito importante em Frankfurt. Para registar em imagens o bicho-da-seda,
fez uma pesquisa meticulosa e anotou tudo o que prejudicava e ajudava a sua ‘criação
de lagartas’. Colocou as lagartas em cones de papel, para neles serem tecidos os
casulos, e alimentou-as com alface, por não conseguir folhas de amoreira. Nas
anotações, questionava se era melhor oferecer folhas molhadas ou secas e se as tempestades
faziam diferença na evolução dos casulos.
A observação
cautelosa resultou numa série completa de desenhos de todo o ciclo: ovos,
lagartas, pupas, e, finalmente, borboletas e mariposas. E o interesse da infância transformou-se em paixão de toda
uma vida. O casamento e a maternidade não lhe diminuíram o fascínio pelos insetos. Passava horas a investigar o próprio jardim e
convencia amigos a darem-lhe acesso a parques. Os seus registos descreviam o
que observava: “grandes números de lagartas douradas, amarelas e pretas, na
grama do poço da Universidade de Nuremberg”. O interesse
por ciclos completos é claro nas anotações. Numa delas, escreveu: “Encontrei
uma grande quantidade de limo verde nas folhas verdes dos lírios dourados. Toquei
com a minha vara e parecia que as folhas estavam a apodrecer, e então encontrei
muitas criaturas pequenas, vermelhas, semelhantes ao besouro na concha.
Pequenos. Levei vários deles para investigar o que eles se tornarão.”
Embora, na sua
época, fosse comum pintar flores e insetos para ornar porcelanas e outros
objetos, era atípico o interesse sobre como os bichos viviam, se reproduziam e
se desenvolviam. Poucos faziam de tudo para os observarem na Natureza e para analisarem
como se desenvolviam.
Em 1670,
Merian publicou o livro A maravilhosa transformação e peculiar
alimentação das lagartas, uma obra ilustrada com 50 telas de borboletas em
todas as fases do ciclo e com as plantas das quais se alimentavam. No prefácio, Merian afirmou: “Todas as lagartas, sempre quando as
borboletas se acasalam de antemão, emergem dos seus ovos.” As suas descobertas, registadas em texto e em imagens a metamorfose, passaram
quase despercebidas. O livro estava escrito em alemão, pois, ao tempo, o idioma
da ciência era o Latim.
Ainda assim, a obra vendeu bem, a
ponto de lhe garantir uma renda que lhe permitiu embarcar em demanda de mais
detalhes dos insetos.
A alemã
tinha visto insetos da América do Sul em coleções europeias e viajou decidida a
observar algo mais: as coisas que não existiam no seu jardim europeu e que não
haviam sido catalogadas. Mãe e filha ficaram dois anos no Suriname. Viajaram
pelo interior do país, explorando e desenhando, não apenas insetos como também
cenas da vida real.
Apesar do
calor tropical e da humidade, Maria Merian continuava a usar as roupas
europeias, com anágua e espartilho. Vestida assim, desbravava a selva amazónica
à procura de lagartas. Fez isso mais de um século antes de Charles Darwin fazer
fama ao cruzar o Atlântico.
Os seus desenhos
no Suriname, tal como os que fizera na Europa, destoavam dos trabalhos da
época. Em vez de fazer associações religiosas, comuns ao tempo, descreveu o que
via. E, enquanto alguns pesquisadores tentavam separar e catalogar espécies,
ela procurava o que os animais tinham em comum e tentava descobrir como faziam
para sobreviverem.
Os registos
de Merian ainda hoje são considerados os mais completos de algumas espécies do
Suriname. As suas ilustrações e anotações podem ser usadas para se entender
como os insetos se adaptaram às mudanças climáticas, nos últimos 300 anos, uma
vez que ela desbravou o Suriname, antes de muitas intervenções humanas. O seu
trabalho continua a ser relevante para o universo académico e para a
preservação do meio ambiente. Por isso, muitos a consideram a primeira
ecologista. Além disso, os desenhos e escritos da alemã que descobriu a
metamorfose deitaram por terra a ideia de geração espontânea. Os repolhos já
não são vistos como produtores de lagartas.
No entanto, Maria
Merian continua a ser pouco lembrada pela ciência. Um dos seus grandes talentos
acabou por ser um dos seus pontos fracos. As suas pinturas eram tão
deslumbrantes que ofuscaram as suas descobertas científicas. À medida que os
livros foram reeditados e reimpressos, os textos científicos acabaram por ser
eliminados, ficando somente as imagens.
Contudo,
três séculos após a sua morte, a borboleta está a sair do casulo e a investigadora
merece destaque na História da Ciência, como meticulosa observadora e como comunicadora
e artista de ciência.
2024.08.20 – Louro de Carvalho
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