Está
visto que não vale a pena utilizar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como arma
de arremesso partidário.
Os
recentes governos do Partido Socialista (PS) quiseram resolver os problemas do
SNS herdados do tempo em que a troika ditava
as reformas no país, sujeito a um programa de resgate económico-financeiro.
Porém, eram resolvidos uns problemas e surgiam outros, pelo aumento de utentes,
pela degradação de instalações, pela míngua de profissionais e pela falta de
perspetiva de carreira dos mesmos. Criou-se a Direção Executiva do Serviço
Nacional de Saúde (DE-SNS), que dizia ter procedido à maior reforma alguma vez
feita na Saúde. Não obstante, os problemas continuavam a aflorar, nomeadamente,
no respeitante ao encerramento de serviços de urgências.
Com
a vitória tangencial da Aliança Democrática (AD) nas últimas eleições
legislativas, veio a promessa de imediata resolução dos problemas no SNS e foi apresentado,
em 60 dias de governo, um programa de emergência para a Saúde. Todavia, pelos
vistos, ainda só uma medida está em pé. O encerramento de serviços de urgências
continua, sobretudo, no quadro de Obstetrícia e Ginecologia. Pior ainda: uma
grávida que abortara e tinha um feto num saco não seria atendida no Hospital de
Caldas da Rainha, se não fosse a teimosia dos bombeiros; e o encerramento dos
serviços de urgência de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Leiria levou a
que as grávidas fossem atendidas no Hospital Universitário de Coimbra e
(esquisito e incómodo) que as parturientes fossem assistidas no Centro Materno
Infantil do Norte (área do Hospital de Santo António), um muito bom serviço,
mas muito distante de Leiria.
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A 9 de
agosto, véspera de um fim de semana com previsão do encerramento de 10
urgências de Obstetrícia/Ginecologia e Pediatria, Joana Bordalo e Sá,
presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), exigiu um ministro da
Saúde “com competência para a função”, alertando para o risco de a atual
“política catastrófica” poder resultar em mortes de grávidas e de bebés.
“Em última análise, podem morrer grávidas, podem
morrer bebés e isto só se deve à política catastrófica deste Ministério de
Saúde da Saúde, de Ana Paula Martins, isto não se deve a mais ninguém. E nós
entendemos que estas medidas destroem o SNS”, disse a presidente da FNAM à
agência Lusa, sustentando que, nestas
condições, “era inevitável o que está a acontecer agora”.
“Isto só tem um responsável, chama-se Ministério da
Saúde. Ana Paula Martins não teve vontade política para reverter esta situação
e isto acontece, devido à falta de médicos”, acusou.
Questionada sobre se a falta de médicos para assegurar
as urgências se deve ao facto de os profissionais estarem a apresentar minutas
de escusa às horas extra, além das obrigatórias, a sindicalista disse que “nem
é necessária a sua entrega, para as urgências não funcionarem” e salientou que
o problema também se passa nas urgências de Pediatria, além da Obstetrícia,
“que não têm sido muito faladas” e que “também são um drama”. E, considerando
que a ministra da Saúde o que está a fazer é encerrar as urgências de
Obstetrícia na região de Lisboa e Vale do Tejo, em Leiria e nas Caldas da
Rainha, onde ocorreu uma situação dramática que a FNAM lamenta, referiu o caso
da mulher que, após sofrer um aborto espontâneo viu, alegadamente, negada a
assistência no hospital, cuja urgência obstétrica estava encerrada. Mais
apontou que a situação do Hospital de Leiria terá a urgência ginecológica-obstétrica
fechada até ao dia 19, pelo que as grávidas com partos programados terão de
escolher entre ser encaminhadas para Coimbra ou Porto. “Isto é que parece ser o
novo normal e esta ministra da Saúde está a obrigar as grávidas a fazer 200
quilómetros para irem ter os seus bebés”, acusou, alertando para os riscos desta
situação.
A FNAM continua a defender e a exigir um SNS forte,
mas “exige também um Ministério da Saúde, uma ministra da Saúde com competência
para a sua função, ou seja, um ministro ou uma ministra que consiga, de facto,
servir o SNS, porque isso não está a acontecer”. “Se as coisas tivessem sido
feitas, logo a tempo e horas, quando tomaram posse, se tivéssemos um processo
negocial em curso, capaz de devolver e fixar médicos ao SNS, se calhar a
situação não seria tão dramática e não havia tantos profissionais a deixarem o
SNS”, afirmou Joana Bordalo e Sá, insistindo que é necessário ter “pessoas com
competência para o cargo e para a função”.
A sindicalista lamentou a “atitude de intransigência,
inflexibilidade, em relação aos médicos” e assegurou que a FNAM vai continuar a
defender os 31 mil médicos do SNS, dos quais dez mil são internos, e “têm que
ser protegidos”. “A escolha de não negociar com os médicos foi deste ministério
de Ana Paula Martins. Isto é muito urgente resolver”, vincou.
Segundo a FNAM, grande parte dos médicos já
ultrapassou as 150 horas extraordinárias obrigatórias por lei e as 250 para os
profissionais que estão no regime de dedicação plena.
***
O PS acusou, a 6 de agosto, o governo de trazer instabilidade
ao SNS, por ter interrompido a reforma que a DE-SNS tinha em curso, recusando
lições de moral do Partido Social Democrata (PSD), nesta matéria. “Ao longo dos
últimos meses, aquilo que nós temos visto é o governo trazer instabilidade para
o SNS, em vez de cuidar de ultrapassar as dificuldades; e, quando no início
deste mandato, o governo procurou questionar as funções da direção executiva,
mudar a direção executiva e a sua forma de trabalhar, criou uma pressão
adicional sobre o verão, que é, hoje, visível, com muito pouca transparência no
funcionamento das urgências e muita instabilidade na resposta aos cidadãos”,
defendeu a deputada Mariana Vieira da Silva.
A ex-ministra falava aos jornalistas, no Hospital
Santa Maria, em Lisboa, depois de uma comitiva de deputados socialistas se ter
reunido, naquela tarde, com a administração da instituição.
Interrogada sobre o desafio do líder parlamentar do
PSD, Hugo Soares, que aconselhou o PS a “meter a mão na consciência” e a
aceitar que é preciso unidade para recuperar o SNS do “colapso que resultou dos
últimos oito anos”, rejeitou lições, pois o que “estamos a viver é um agravar
da situação, face ao ano passado”, por se “terem desmontado as estruturas e a
organização que o professor Fernando Araújo e a direção executiva estavam a
fazer das urgências”. Afirmou que nunca fugirá a responsabilidades do governo
do PS, “mas era o que faltava não poder acompanhar a forma como os
problemas são resolvidos no terreno e não poder criticar”.
A ex-ministra dos governos de António Costa atirou que
há, na ótica do PSD, “uma dimensão de investimento na relação com o setor
privado e não de reforço no investimento do setor público e o PS não
acompanha”. Contudo, o PS está disponível para falar sobre questões de carreiras
dos profissionais de saúde. “Agora, não podemos esconder que aquilo a que
assistimos a partir de março: foi um desmontar do que estava feito: o
afastamento de pessoas, a criação de instabilidade que começa na direção
executiva e acaba no INEM”, frisou.
O governo criou a expectativa de resolução de um
problema complexo em 60 dias, cabendo-lhe responder pelas expectativas que
criou e não cumpriu, deixando os serviços “pior do que estiveram no verão
passado”. “O problema não é novo, mas […] tem instrumentos para ser
enfrentado, como seja a dedicação plena, os centros de responsabilidade
integrada, mecanismos que permitam pagar mais aos profissionais, para
assim os poder fixar nos territórios”, defendeu a deputada socialista.
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Apesar de o portal do SNS indicar que a urgência de
obstetrícia do Hospital de Santa Maria está encerrada, o presidente do conselho
de administração da Unidade Local de Saúde Santa Maria (ULSSM), Carlos Martins,
esclarecendo que essa informação não está correta, rejeitou qualquer situação
de caos no hospital. Ao mesmo tempo, sublinhou que a urgência de Obstetrícia,
por enquanto, está aberta apenas para grávidas até às 22 semanas. Contudo, “por
uma questão de segurança da mulher grávida e da sua família, se uma situação,
mesmo dentro das 22 semanas, for detetada e for necessário uma intervenção em
bloco cirúrgico” é aberta uma sala “de bloco cirúrgico no bloco central”. O
novo Bloco de Partos – Maternidade Luís Mendes da Graça, cujas obras foram
iniciadas no último trimestre de 2023, estará pronto a 1 de setembro. E Carlos
Martins, defendendo uma articulação e complementaridade de resposta entre o
setor público e privado, alertou para a necessidade de valorizar recursos
humanos. “Podemos ter as melhores instalações, podemos ter a melhor tecnologia
e podemos ter o maior número de portas abertas, agora, o essencial e
determinante chama-se capital humano. Tem de haver capital humano, eu diria, em
quantidade, para haver qualidade”, avisou.
Para o secretário-geral do PS, os “inúmeros Serviços
de Ginecologia e Obstetrícia encerrados” nos últimos dias são a evidência de
que “o Plano de Emergência e Transformação na Saúde da AD está
a falhar”. Está em curso um plano “de degradação, não de transformação”, que
reflete a “instabilidade que o atual governo introduziu na Área da Saúde”,
atirou Pedro Nuno Santos.
Do lado do governo, há a consciência de que “a
situação é crítica”. Mas “é o reflexo da forma como o PS deixou esta área”, aponta
Miguel Guimarães, deputado do PSD e ex-bastonário da Ordem dos Médicos (OM), referindo
que, “ao longo dos últimos anos, a economia tornou-se mais importante do que o
Estado Social, que se foi degradando”. Esta situação, acusa Miguel Guimarães,
foi herdada do PS e ouvir socialistas a criticá-la “é profundamente injusto”.
Referindo que o PS “não conseguiu alargar a
reorganização dos Serviços de Urgência”, Miguel Guimarães sustenta que “a
população médica reflete um pouco a população do país: está envelhecida e isso
prejudica os serviços hospitalares” por causa das restrições profissionais, devido
à idade. Além disso, releva que “o Plano de Emergência é para
ser aplicado até 2025” e que não se resolvem estes problemas de um dia para o
outro, são situações que levam tempo.
Na sequência dos vários encerramentos de Urgências, os
socialistas manifestaram a intenção de se reunirem com as administrações das
Unidades Locais de Saúde que tiveram Urgências de Ginecologia/Obstetrícia e
Pediatria encerradas. Pela voz do deputado João Paulo Correia (que coordena a
Área da Saúde no grupo parlamentar), o PS considera que estas reuniões
permitirão ter “um nível de informação importante passar para o público e para
a opinião pública”.
Reagindo ao caso da grávida das Caldas da Rainha, que
lhe viu negada a assistência na Urgência, estando a sangrar e com o feto morto
num saco após aborto espontâneo, João Paulo Correia atirou, na rede social X:
“O Serviço Nacional de Saúde está nas mãos de uma Direção Executiva e de um
Plano de Emergência impostos pelo atual governo. Há grávidas a fazer 200
quilómetros da sua zona de residência. A Ministra da Saúde está em silêncio. O
primeiro-ministro tem de se explicar ao país.”
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A Inspeção-Geral das Atividades em
Saúde (IGAS) decidiu abrir inquérito ao caso da grávida que terá visto recusada
a assistência no Hospital de Caldas da Rainha após ter sofrido um aborto
espontâneo, quando estava com uma hemorragia e o feto morto num saco. O caso
foi denunciado pelo comandante dos Bombeiros de Caldas da Rainha, Nélson Cruz,
que afirmou que a sua corporação foi chamada à porta do Hospital de Caldas da
Rainha após chamada da grávida para o 112. Aí, acrescentou, encontraram a
mulher dentro do carro “com uma hemorragia abundante” e “um feto num saco”. O
hospital recusou a entrada da grávida, segundo o comandante dos bombeiros e só
após muita insistência destes é que a unidade de saúde, cuja urgência de
obstetrícia estava encerrada, acabou por atender a mulher.
Também a Entidade
Reguladora da Saúde (ERS), no âmbito das suas competências, abriu inquérito ao
atendimento no Hospital de Caldas da Rainha a uma mulher com hemorragias que
sofreu um aborto espontâneo e prometeu colaborar com a IGAS.
Por fim, a OM (por que
carga de água a OM?) vai, a pedido da DE-SNS, reorganizar tarefas de obstetras
nas urgências, para evitar fechos em pleno.
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Não é o Ministério
da Saúde máquina de triturar ministros(as). Os erros provêm da OM, que tem dificultado
a entrada de alunos nas escolas de Medicina; da proliferação de especialidades e
subespecialidades; da ditadura do Ministério das Finanças; da União Europeia (UE),
que prefere despesas não estruturais a encargos com carreiras; e, sobretudo, da
ideologia neoliberal, privilegiar, em detrimento do setor público, o privado e,
a dourar a pílula, o social e o solidário.
2024.08.09 – Louro de Carvalho
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