quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Nenhum consumo de tabaco (mesmo ligeiro) é seguro para a gravidez

 

A nível mundial, estima-se que 1, 7% das mulheres grávidas fumem, embora a taxa seja de 8,1%, na Europa, e de 5,9%, nas Américas. Ora, fumar durante a gravidez pode afetar, negativamente, a saúde do recém-nascido, aumentando o risco de parto prematuro, de baixo peso, à nascença, de crescimento infantil limitado e de morte.

A este respeito, um estudo publicado pelo The Lancet Global Health, a 30 de maio de 2018, e que refere a estatística indicada acima, sustenta que “fumar durante a gravidez tem sido associado a inúmeras consequências adversas para a saúde, tanto para o feto em desenvolvimento como para a mãe”, considerando a prevalência do tabagismo, durante a gravidez, por país, por região da Organização Mundial da Saúde (OMS) e globalmente e a proporção de mulheres grávidas que fumaram durante a gravidez, por frequência e quantidade, a nível global.

Entretanto, de acordo com nova análise que contou com mais de 12 milhões de famílias, fumar um ou dois cigarros por dia, antes ou durante a gravidez, pode provocar graves problemas de saúde, nos recém-nascidos. Assim, o tabagismo ligeiro também está associado a maus resultados no parto, mesmo que a mãe deixe de fumar durante a gravidez.

No estudo, que foi publicado no Journal of Epidemiology & Community Health, a 21 de agosto, os investigadores analisaram a relação entre o tabagismo e as principais complicações de saúde neonatais, como a necessidade de ventilação assistida imediatamente após o nascimento, o internamento na unidade de cuidados intensivos neonatais (UCIN), com ventilação, suspeita de sépsis (ou sepses –  infeção do sangue num bebé com menos de um mês, geralmente causada por bactérias da flora normal, podendo estar associada a meningite, a pneumonia, a pielonefrite ou a gastroenterite), de convulsões ou de disfunção neurológica.

No total, cerca de 9,5% dos bebés tiveram estes problemas. No entanto, os investigadores concluíram que a probabilidade de os bebés terem várias destas complicações era 27% superior, se a mãe fumasse antes da gravidez, e 31% superior, se fumasse em qualquer altura da gravidez.

Embora os investigadores conheçam, há muito tempo, os maus resultados associados ao tabagismo, durante a gravidez, o novo estudo indica que mesmo o tabagismo ligeiro não é seguro, incluindo nos meses que antecedem a gravidez.

“Qualquer tipo de fumo, durante a gravidez, tem impacto nos resultados dos bebés”, sustenta Health Caitlin Notley, que lidera o grupo de investigação sobre dependência na Universidade de East Anglia, em Inglaterra, que não esteve envolvida no estudo.

A análise incluiu cerca de 12,2 milhões de pares mãe-bebé, nos Estados Unidos da América (EUA), e concluiu que os riscos para a saúde se mantiveram, mesmo depois de os investigadores terem ajustado outros fatores, como a idade, a etnia e o peso, mas não abrangendo as mulheres com tensão arterial elevada ou com diabetes.

Das mães contemplados pelo estudo, 9,3% fumavam antes da gravidez, enquanto 7% fumavam, no primeiro trimestre, 6% fumavam no segundo trimestre e 5,7% fumavam no terceiro trimestre.

Os resultados neonatais foram piores entre as mulheres que fumaram, mais tarde, na gravidez, mas as mulheres que deixaram de fumar, durante a gravidez, continuaram a correr um risco mais elevado de maus resultados neonatais, em comparação com as que não fumaram de todo.

Os riscos eram também mais elevados para as fumadoras intensivas. Os filhos de mulheres que fumavam 20 ou mais cigarros por dia tinham 29% mais probabilidades de serem internados nos cuidados intensivos. Não obstante, as que fumavam apenas um ou dois cigarros por dia apresentavam um risco 13% superior de admissão em cuidados intensivos. “É evidente que reduzir o consumo de tabaco, especialmente durante a gravidez, não é suficiente”, afirmou Notley, vincando que se deve cessar completamente o consumo de tabaco para proteger a saúde dos bebés.

As mulheres grávidas podem ter mais dificuldade em deixar de fumar, porque o metabolismo da nicotina acelera durante a gravidez, o que significa que o corpo a absorve mais rapidamente.

Assim, as mulheres grávidas que estão a tentar deixar de fumar podem experimentar terapias de substituição da nicotina, como a pastilha de nicotina, e optar por uma dose mais elevada, se continuarem a recorrer aos cigarros.

Podem também tentar substituir os cigarros tradicionais por cigarros eletrónicos, que podem conter nicotina, mas não tabaco. A investigação em referência é mista sobre os efeitos do vaping (cigarro eletrónico, que é um dispositivo eletrónico, alimentado por bateria, a simular tabagismo) nos resultados da gravidez. “É uma abordagem de redução de danos que consiste em fazer tudo o que for possível, basicamente, para ajudar as mulheres a deixarem de fumar”, afirmou Notley.

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Embora os avanços nos cuidados obstétricos, intraparto e neonatais tenham contribuído para uma diminuição substancial da mortalidade neonatal, a morbilidade neonatal grave (SNM) após o parto, incluindo a admissão numa UCIN, continua a ser grave problema de saúde pública. Nos EUA, a taxa de admissão numa unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) aumentou de 66 para 77,9 por mil nascidos vivos, de 2007 a 2012. Muitas vezes, os recém-nascidos afetados necessitam de cuidados neonatais prolongados e de internamentos hospitalares mais prolongados. Além disso, os comprometimentos do desenvolvimento neurológico conexos com o SNM infantil podem persistir na infância e na idade adulta. Portanto, importa compreender os fatores de risco modificáveis ​​associados ao SNM infantil.

A prevalência do tabagismo é de quase 10% entre mulheres grávidas, nos EUA. O tabagismo é um fator de risco modificável, bem documentado, para resultados adversos no parto, incluindo o parto prematuro, o baixo peso, ao nascer, e a restrição de crescimento intrauterino. Todavia, apenas alguns estudos avaliaram a associação entre o tabagismo materno e o SNM infantil, com resultados conflituantes. Por exemplo, um estudo de coorte retrospetivo de base populacional do Registo Médico Finlandês de Nascimento relatou um risco aumentado de internamento em UTIN de bebés nascidos de mães que fumavam cigarros. Em contraste, outro estudo de coorte retrospetivo de bebés únicos, na Austrália, não mostrou correlação entre o tabagismo materno e o SNM composto infantil.

O estudo de coorte é aquele em que o investigador se limita a observar e a analisar a relação entre a presença de fatores de risco ou caraterísticas e o desenvolvimento de enfermidades, em grupos da população. No estudo retrospetivo, o evento ou exposição à substância ocorreu há anos e planeia-se analisar o impacto causado por ele, geralmente com o aparecimento de novos factos.

O termo “coorte” vem do nome latino “cohors, cohortis”, que identificava um décimo das legiões de soldados romanos que marchavam juntos nas campanhas bélicas do Império. Em epidemiologia, “coorte” identifica um grupo de pessoas com experiência comum.

Além disso, a maioria dos estudos anteriores estava sujeita a algumas questões metodológicas, incluindo uma amostra, relativamente de pequeno tamanho, dos casos de SNM infantil, a ajuste insuficiente para possíveis fatores de confusão, ou a pouca generalização dos resultados (por exemplo, incluíam, apenas, nascimentos prematuros tardios e prematuros). Além disso, as associações entre o tabagismo materno e outros subtipos de SNM, como convulsão ou suspeita de sépsis neonatal, não foram avaliadas até ao momento. Finalmente, também faltam estudos que quantifiquem as associações entre o momento e a intensidade do tabagismo materno e o SNM infantil. É uma questão importante, pois muitas mulheres acreditam que não é perigoso fumar cigarros, antes da conceção ou no primeiro trimestre da gravidez ou, pelo menos, que fumar ligeiramente causa pouco ou nenhum dano.

Portanto, este estudo teve como objetivo avaliar as associações do momento (antes da gravidez e em cada trimestre da gravidez) e a intensidade (número de cigarros por dia) do tabagismo materno com SNM infantil, com base em grandes dados de coorte de nascimentos nos EUA.

Apenas sabemos que alguns estudos avaliaram a associação entre o tabagismo materno, durante a gravidez, e a morbidade neonatal grave (SNM) na prole, com resultados conflituantes. Porém, faltam estudos que quantifiquem as associações entre o momento e a intensidade do tabagismo materno durante a gravidez e o SNM, na prole.

Nesta grande coorte populacional de 12150535 pares mãe-bebé, nos EUA, de 2016 a 2019, descobriu-se que o tabagismo materno, antes da gravidez ou em cada um dos três trimestres da gravidez, estava associado a um risco aumentado de SNM composto infantil e a componentes individuais, comparativamente com mães não fumantes, no período específico de antes e depois da conceção. A associação foi significativa, mesmo para uma baixa intensidade de consumo de cigarros (ou seja, um a dois cigarros por dia). Em comparação com as que nunca fumaram, antes e durante a gravidez, as mães que pararam de fumar, em cada trimestre da gravidez, ainda apresentavam risco maior de SNM composto infantil. Assim, as mulheres em idade reprodutiva devem abster-se de fumar cigarros, em relação ao SNM, pois fumar também é prejudicial do ponto de vista de outros resultados de saúde (não examinados neste estudo).

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Não é por falta de estudos que o tabagismo não se elimina ou deixa de impactar na saúde humana. A título de exemplo, é de recordar que um estudo publicado, a 15 de fevereiro deste ano, na revista científica Nature, concluiu  que o tabagismo tem impacto, a longo prazo, no sistema imunitário.

Cientistas do Institut Pasteur, em França, descobriram que, anos depois de os fumadores deixarem de fumar, os efeitos do tabaco na defesa imunitária do organismo permanecem.

Os investigadores propuseram-se estudar que outros fatores, para lá da idade, do sexo e da genética, desempenham um papel na forma como o corpo se defende contra agentes externos.

Expuseram amostras de sangue de mil indivíduos saudáveis a vírus e a bactérias e observaram as respostas imunitárias, analisando 136 variáveis, incluindo o índice de massa corporal (IMC), o tabagismo, o sono, o exercício físico, entre outras. E destacaram-se três variáveis: o tabagismo, a infeção latente por citomegalovírus (um vírus assintomático da família do herpes) e o IMC.

Os fumadores atuais apresentavam uma resposta inflamatória acrescida, quando expostos a bactérias, que diminuía, quando deixavam de fumar, mas os efeitos do tabaco nas respostas das células T, células que ajudam a proteger contra as doenças, continuavam anos depois de deixarem de fumar. “Uma comparação das respostas imunitárias em fumadores e ex-fumadores revelou que a resposta inflamatória regressou, rapidamente, aos níveis normais, após a cessação do tabagismo, enquanto o impacto na imunidade adaptativa persistiu durante 10 a 15 anos”, declarou, em comunicado, Darragh Duffy, chefe da Unidade de Imunologia Translacional do Institut Pasteur e um dos autores do estudo, acrescentando: “Esta é a primeira vez que foi possível demonstrar a influência, a longo prazo, do tabagismo nas respostas imunitárias.”

Os investigadores concluíram que fumar provoca alterações duradouras no sistema imunitário, ao afetar a expressão genética. “Esta é uma descoberta importante que elucida o impacto do tabagismo na imunidade de indivíduos saudáveis e também, por comparação, na imunidade de indivíduos que sofrem de várias doenças”, afirmou Violaine Saint-André, bióloga computacional do Institut Pasteur e principal autora do estudo.

Os cientistas afirmam que são necessários mais estudos em populações mais diversificadas. Mais investigação poderá também ajudar a identificar as interações entre proteínas e genes afetados pelo tabagismo. “Estas descobertas fornecem novos conhecimentos sobre os efeitos do tabagismo na saúde humana e o papel dos efeitos ambientais modificáveis na variabilidade da resposta imunitária”, concluíram os investigadores.

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É preciso contiguar a investigação. A saúde das pessoas e a saúde pública o exigem.  

2024.08.21 – Louro de Carvalho

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