O Plano
Nacional de Energia e Clima 2021-30 (PNEC) carece de urgente revisão, em relação
ao armazenamento via bombagem hídrica, tal como urge anunciar um calendário
para as iniciativas tendentes à sua concretização.
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Em 2015, o Acordo de Paris (AP) gerou uma mudança de
paradigma na sociedade, com o explícito reconhecimento de que só com o
contributo de todos se pode ultrapassar o desafio das alterações climáticas e
travar o aquecimento global do planeta a apenas dois graus centígrados (2ºC)
acima dos níveis pré-industriais. Na sequência, a Comissão Europeia produziu pacotes
estratégicos para dar resposta, nas diferentes áreas, a este desafio,
sobressaindo o Pacote Energia Clima 2030,
o Pacote Mobilidade Limpa e o Pacote Energia Limpa para todos os Europeus.
Em 2016, a Comissão Europeia apresentou o Pacote
Legislativo “Energia Limpa para todos os Europeus”, com o objetivo de promover
a transição energética na década 2021-2030, visando o cumprimento do AP, o
crescimento económico e a criação de emprego. O pacote previa que todos os
estados-membros elaborassem e apresentassem à Comissão Europeia um Plano
Nacional Integrado de Energia e Clima (PNEC) para o horizonte 2030, para o
estabelecimento, pelos estados-membros, de metas e objetivos, em matéria de
emissões de gases com efeito de estufa, de energias renováveis, de eficiência
energética, de segurança energética, de mercado interno e de investigação,
inovação e competitividade, bem como uma abordagem clara para o alcance dos
mesmos. O PNEC é o principal instrumento de política energética e climática
para 2021-2030.
Neste sentido, a União Europeia (UE) aprovou metas
ambiciosas que visam alcançar, em 2030: (i)
32% de quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final
bruto; (ii) 32,5% de redução do
consumo de energia; (iii) 40% de
redução das emissões de gases com efeito de estufa, relativamente aos níveis de
1990; e (iv) 15% de interligações
elétricas.
Enquanto Portugal se preparava para cumprir o seu
desafio para 2020, que passava por uma meta de 31,0% de incorporação de
renováveis no consumo de energia (a 5.ª meta mais exigente do UE-28), importava
definir novas ambições para a década 2021-2030. Nesta matéria, Portugal tinha e
tem fortes argumentos para continuar a construir uma estratégia, rumo à
neutralidade carbónica e à economia neutra em carbono, baseada em fontes de
energia renovável, com foco na eficiência energética e no consumidor de
energia. A prova é a ambição defendida, a nível nacional e europeu, para as metas
no horizonte 2030, na definição dos objetivos para a próxima década.
O PNEC, como instrumento de política nacional,
decisivo para a definição das linhas estratégicas para a próxima década rumo à
neutralidade carbónica, estará necessariamente alinhado com as visões e
narrativas definidas no “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” (RNC 2050).
No âmbito do RNC 2050, Portugal comprometeu-se, internacionalmente, com o objetivo de redução
das suas emissões de gases com efeito de estufa de forma que o balanço entre as
emissões e as remoções da atmosfera (ex., pela floresta) seja nulo, em 2050. Este
objetivo a que se deu o nome de “neutralidade carbónica”, está em linha com o
AP, no âmbito do qual Portugal se comprometeu a contribuir para limitar o
aumento da temperatura média global do planeta a 2ºC e a fazer esforços para
que não ultrapasse os 1,5ºC. Este compromisso confirma o posicionamento de
Portugal entre os países que assumem a liderança no combate às alterações
climáticas.
O objetivo principal do RNC 2050
é a identificação e a análise das implicações associadas a trajetórias
alternativas, tecnicamente exequíveis, economicamente viáveis e socialmente aceites,
e que permitam atingir o objetivo de neutralidade carbónica da economia portuguesa,
em 2050. A descarbonização profunda da economia exige, além de competências
analíticas e ferramentas adequadas, o envolvimento alargado e a colaboração de
todos os atores, com vista à análise e discussão das opções e estratégias de
mitigação, e à definição de trajetórias de baixo carbono para a economia. Por
isso, o desenvolvimento do RNC2050 integra um processo participativo na
exploração de um conjunto de questões vitais para que Portugal alcance o
objetivo enunciado.
Ora, tratando-se de instrumento decisivo para a
definição dos investimentos estratégicos para a próxima década na área da
energia, o PNEC está alinhado com o Plano Nacional de Investimentos 2030 (PNI).
De facto, reconhecendo a inevitabilidade da transição energética, dada a
urgência climática e a necessidade de mudança do paradigma económico, em
particular, no atinente aos combustíveis fósseis, Portugal assumiu, claramente,
o compromisso da transição energética, com o objetivo de redução das suas
emissões de gases com efeito de estufa. Assume-se, pois, a visão
para Portugal de alcançar a neutralidade carbónica em 2050.
O PNEC 2030 foi
aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2020, de 10 de julho,
com referência ao Regulamento da Governação da União da Energia e da Ação
Climática / Regulamento (UE) n.º 2018/1999, de 11 de dezembro de 2018 (UE-28).
Segundo o UE-28,
até 30 de junho de 2023, os estados-membros deviam apresentar à Comissão
Europeia um draft de atualização do último plano nacional
integrado, em matéria de energia e clima, o que Portugal cumpriu com um documento
de 245 páginas, que estabelece metas nacionais ambiciosas,
mas exequíveis para o horizonte 2030, em termos de redução de emissões de gases
com efeito de estufa, de incorporação de energias renováveis, de eficiência
energética e de interligações, e concretiza as políticas e medidas para as
alcançar.
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Entretanto, o
XXIV Governo Constitucional reviu o PNEC, definindo metas mais ambiciosas para a redução de emissões de gases com efeito de
estufa e para o aumento da quota de energias renováveis, traçando uma
trajetória clara para atingir a neutralidade climática, em 2045, em linha com a ambição prevista na Lei de Bases do Clima.
O PNEC inclui, agora, oito
objetivos, 65 linhas de atuação e 297 medidas, que definem o rumo da transição
energética, em prol do interesse estratégico do país. Uma das alterações é o aumento da meta nacional para a redução
de emissões de gases com efeito de estufa para 55%, até 2030, em relação aos
níveis de 2005, fixando o limiar mais ambicioso do intervalo anteriormente
estabelecido de 45% a 55%. O PNEC traça
uma meta de 51% para a quota de energias renováveis no consumo final bruto de
energia, até 2030, acima da meta anterior (47%), refletindo a aposta
estratégica nas renováveis e nas suas potencialidades de atração de
investimento. Para atingir esta meta, propõe-se o reforço da exploração do
potencial de energias renováveis, com foco nas tecnologias solar e eólica
onshore/offshore, entre 2025 e 2030, com o aumento do solar de 8,4 Gigawatts (GW) para 20,8 GW; o incremento do
eólico onshore de 6,3 GW para 10,4 GW e o crescimento do eólico offshore de 0,03
GW para 2 GW.
O documento
estabelece maior prioridade ao armazenamento de energia, com a elaboração de um
plano nacional, visando o aumento da capacidade, até 2030, através de
hidroelétrica reversível com bombagem, da produção de hidrogénio renovável e,
numa fase mais avançada da década, através do contributo das tecnologias de
baterias.
A proposta
está em consulta pública de 22 de julho a 5 de setembro, para receção e
integração de contributos por parte da sociedade civil. E será remetida ao
Parlamento, para discussão.
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Em artigo no ECO,
de 9 de agosto, o economista João Galamba, ex-secretário de Estado da Energia,
refere que o Ministério do Ambiente e da Energia apresentou a sua revisão do
PNEC, alinhada com o já proposto pelo anterior governo. Esta revisão aumenta a
potência renovável a instalar até 2030. Face ao plano aprovado em 2020, o
aumento é justificado por metas de descarbonização mais ambiciosas, mas
resulta, segundo Galamba, em grande medida, da inclusão de novos consumos
associados a oportunidades de industrialização verde e à competitividade do
país nas renováveis que permite atrair esse tipo de projetos. Por isso, a nova
ambição nas metas de solar e eólico é “muito positiva e deve ser celebrada”, mas
enfrenta desafios relevantes que importa reconhecer, com o objetivo de que o
PNEC não seja ambição inconsequente, mas “efetiva oportunidade que o país não
pode desperdiçar”. Todavia, passar dos 4,6 GW de solar para 20,8 GW e dos 5.9
GW no eólico para 12,4 GW é um quádruplo desafio: a nível do licenciamento, da
eletrificação dos consumos, do armazenamento e da rede elétrica.
A nível do licenciamento, importa alinhar os planos
diretores municipais (PDM) com os objetivos da descarbonização, para que o licenciamento
municipal não seja entrave ao investimento em renováveis, e cumprir o que
decorre de legislação europeia, no atinente ao interesse público prevalecente
dos projetos renováveis em licenciamento ambiental. Sem eliminar os atuais entraves
e acelerar os processos de licenciamento, o PNEC é impossível de cumprir.
Quanto ao segundo desafio, é de reforçar articulação
entre as áreas governativas da Energia e da Economia. O melhor exemplo de
aceleração da economia é um programa que prevê investimentos superiores a 25
mil milhões de euros até 2030. Mas os investimentos previstos, sobretudo os
conexos com a eletrificação dos transportes e da indústria, estão ausentes do
programa Acelerar a Economia, o que põe em causa a suficiência de consumo para
a nova geração renovável prevista.
Sobre o terceiro desafio, é de referir que o
armazenamento é imprescindível para integrar volumes crescentes de energia de
fontes renováveis. Se o armazenamento, nomeadamente, via bombagem hídrica, foi
essencial para integrar a capacidade eólica que temos, por permitir absorver os
excedentes, facilitando o alinhamento da produção com o consumo, sê-lo-á ainda
mais para integrar a capacidade solar e eólica que queremos ter. Aí, o PNEC
fica aquém do necessário.
Quadruplicar capacidade instalada de solar e duplicar
a de eólico não são metas compatíveis com o aumento da capacidade de
armazenamento inferior a 40%. Basta ver o que propõe a Espanha: com aumentos
inferiores a Portugal na nova capacidade renovável, em particular no solar, é
suposto que o armazenamento quadruplique. Isto implica ter mais do que o GW de
baterias previsto e rever os 300 MW de nova bombagem hídrica.
Se o reforço de armazenamento fosse só o que consta do
PNEC, mesmo que houvesse muita flexibilidade do lado do consumo, e tendo em
conta a limitação nas interligações, o crescimento exponencial do curtailment (geração de eletricidade
desperdiçada por incapacidade de integração no sistema) seria inevitável, pondo
em causa a viabilidade do investimento em nova geração. Porém, o potencial de
nova bombagem hídrica é muito superior ao previsto no PNEC. No passado, já
havia cerca de 2,3 GW de nova potência de bombagem hídrica, mas a Iberdrola
apresentou projeto para acrescentar um GW adicional de bombagem hídrica na
cascata do Tâmega. No caso do Cabril, cessada a concessão do domínio público
hídrico, devia ser aproveitada a oportunidade do novo concurso para prever
bombagem hídrica na bacia do Zêzere, olhando para Girabolhos, a nova barragem
no Mondego, que inclui bombagem hídrica. Tudo somado, teríamos nova potência de
bombagem hídrica que permitiria duplicar a potência existente no sistema.
É necessário duplicar bombagem hídrica, porque o
armazenamento é central, para atingir um sistema elétrico 100% renovável, e
porque consolida a bombagem hídrica enquanto backup sustentável, no contexto de redução da disponibilidade da
produção hidroelétrica convencional. Num cenário de redução das
disponibilidades hídricas, recorrer a bombagem hídrica aumenta a segurança do
abastecimento, porque não consome um recurso hídrico crescentemente escasso.
Quanto ao quarto desafio, pode dizer-se que, havendo
reforço significativo do armazenamento previsto, o desafio da rede elétrica
continuará a ser grande, mas não será impossível de atingir.
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Veremos o que rezará a consulta pública e novo artigo
que Galamba prometeu. Talvez devamos ter um PNEC em constante revisão. Umas medidas
implicam outras e um setor implica outros. E os projetos têm dificuldade em
sair do papel, por falta de vontade política e por falta de capacidade de mobilização
de meios. O poder é altamente conservador, pomposo e burocrático.
2024.08.09 –
Louro de Carvalho
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