sábado, 10 de agosto de 2024

Revisão do PNEC apresentada pelo governo ainda é insuficiente

 

O Plano Nacional de Energia e Clima 2021-30 (PNEC) carece de urgente revisão, em relação ao armazenamento via bombagem hídrica, tal como urge anunciar um calendário para as iniciativas tendentes à sua concretização.

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Em 2015, o Acordo de Paris (AP) gerou uma mudança de paradigma na sociedade, com o explícito reconhecimento de que só com o contributo de todos se pode ultrapassar o desafio das alterações climáticas e travar o aquecimento global do planeta a apenas dois graus centígrados (2ºC) acima dos níveis pré-industriais. Na sequência, a Comissão Europeia produziu pacotes estratégicos para dar resposta, nas diferentes áreas, a este desafio, sobressaindo o Pacote Energia Clima 2030, o Pacote Mobilidade Limpa e o Pacote Energia Limpa para todos os Europeus.

Em 2016, a Comissão Europeia apresentou o Pacote Legislativo “Energia Limpa para todos os Europeus”, com o objetivo de promover a transição energética na década 2021-2030, visando o cumprimento do AP, o crescimento económico e a criação de emprego. O pacote previa que todos os estados-membros elaborassem e apresentassem à Comissão Europeia um Plano Nacional Integrado de Energia e Clima (PNEC) para o horizonte 2030, para o estabelecimento, pelos estados-membros, de metas e objetivos, em matéria de emissões de gases com efeito de estufa, de energias renováveis, de eficiência energética, de segurança energética, de mercado interno e de investigação, inovação e competitividade, bem como uma abordagem clara para o alcance dos mesmos. O PNEC é o principal instrumento de política energética e climática para 2021-2030.

Neste sentido, a União Europeia (UE) aprovou metas ambiciosas que visam alcançar, em 2030: (i) 32% de quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto; (ii) 32,5% de redução do consumo de energia; (iii) 40% de redução das emissões de gases com efeito de estufa, relativamente aos níveis de 1990; e (iv) 15% de interligações elétricas.

Enquanto Portugal se preparava para cumprir o seu desafio para 2020, que passava por uma meta de 31,0% de incorporação de renováveis no consumo de energia (a 5.ª meta mais exigente do UE-28), importava definir novas ambições para a década 2021-2030. Nesta matéria, Portugal tinha e tem fortes argumentos para continuar a construir uma estratégia, rumo à neutralidade carbónica e à economia neutra em carbono, baseada em fontes de energia renovável, com foco na eficiência energética e no consumidor de energia. A prova é a ambição defendida, a nível nacional e europeu, para as metas no horizonte 2030, na definição dos objetivos para a próxima década.

O PNEC, como instrumento de política nacional, decisivo para a definição das linhas estratégicas para a próxima década rumo à neutralidade carbónica, estará necessariamente alinhado com as visões e narrativas definidas no “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” (RNC 2050).

No âmbito do RNC 2050, Portugal comprometeu-se, internacionalmente, com o objetivo de redução das suas emissões de gases com efeito de estufa de forma que o balanço entre as emissões e as remoções da atmosfera (ex., pela floresta) seja nulo, em 2050. Este objetivo a que se deu o nome de “neutralidade carbónica”, está em linha com o AP, no âmbito do qual Portugal se comprometeu a contribuir para limitar o aumento da temperatura média global do planeta a 2ºC e a fazer esforços para que não ultrapasse os 1,5ºC. Este compromisso confirma o posicionamento de Portugal entre os países que assumem a liderança no combate às alterações climáticas.

O objetivo principal do RNC 2050 é a identificação e a análise das implicações associadas a trajetórias alternativas, tecnicamente exequíveis, economicamente viáveis e socialmente aceites, e que permitam atingir o objetivo de neutralidade carbónica da economia portuguesa, em 2050. A descarbonização profunda da economia exige, além de competências analíticas e ferramentas adequadas, o envolvimento alargado e a colaboração de todos os atores, com vista à análise e discussão das opções e estratégias de mitigação, e à definição de trajetórias de baixo carbono para a economia. Por isso, o desenvolvimento do RNC2050 integra um processo participativo na exploração de um conjunto de questões vitais para que Portugal alcance o objetivo enunciado.

Ora, tratando-se de instrumento decisivo para a definição dos investimentos estratégicos para a próxima década na área da energia, o PNEC está alinhado com o Plano Nacional de Investimentos 2030 (PNI). De facto, reconhecendo a inevitabilidade da transição energética, dada a urgência climática e a necessidade de mudança do paradigma económico, em particular, no atinente aos combustíveis fósseis, Portugal assumiu, claramente, o compromisso da transição energética, com o objetivo de redução das suas emissões de gases com efeito de estufa. Assume-se, pois, a visão para Portugal de alcançar a neutralidade carbónica em 2050.

O PNEC 2030 foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2020, de 10 de julho, com referência ao Regulamento da Governação da União da Energia e da Ação Climática / Regulamento (UE) n.º 2018/1999, de 11 de dezembro de 2018 (UE-28).

Segundo o UE-28, até 30 de junho de 2023, os estados-membros deviam apresentar à Comissão Europeia um draft de atualização do último plano nacional integrado, em matéria de energia e clima, o que Portugal cumpriu com um documento de 245 páginas, que estabelece metas nacionais ambiciosas, mas exequíveis para o horizonte 2030, em termos de redução de emissões de gases com efeito de estufa, de incorporação de energias renováveis, de eficiência energética e de interligações, e concretiza as políticas e medidas para as alcançar. 

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Entretanto, o XXIV Governo Constitucional reviu o PNEC, definindo metas mais ambiciosas para a redução de emissões de gases com efeito de estufa e para o aumento da quota de energias renováveis, traçando uma trajetória clara para atingir a neutralidade climática, em 2045, em linha com a ambição prevista na Lei de Bases do Clima. O PNEC inclui, agora, oito objetivos, 65 linhas de atuação e 297 medidas, que definem o rumo da transição energética, em prol do interesse estratégico do país. Uma das alterações é o aumento da meta nacional para a redução de emissões de gases com efeito de estufa para 55%, até 2030, em relação aos níveis de 2005, fixando o limiar mais ambicioso do intervalo anteriormente estabelecido de 45% a 55%. O PNEC traça uma meta de 51% para a quota de energias renováveis no consumo final bruto de energia, até 2030, acima da meta anterior (47%), refletindo a aposta estratégica nas renováveis e nas suas potencialidades de atração de investimento. Para atingir esta meta, propõe-se o reforço da exploração do potencial de energias renováveis, com foco nas tecnologias solar e eólica onshore/offshore, entre 2025 e 2030, com o aumento do solar de 8,4 Gigawatts (GW) para 20,8 GW; o incremento do eólico onshore de 6,3 GW para 10,4 GW e o crescimento do eólico offshore de 0,03 GW para 2 GW.

O documento estabelece maior prioridade ao armazenamento de energia, com a elaboração de um plano nacional, visando o aumento da capacidade, até 2030, através de hidroelétrica reversível com bombagem, da produção de hidrogénio renovável e, numa fase mais avançada da década, através do contributo das tecnologias de baterias.

A proposta está em consulta pública de 22 de julho a 5 de setembro, para receção e integração de contributos por parte da sociedade civil. E será remetida ao Parlamento, para discussão.

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Em artigo no ECO, de 9 de agosto, o economista João Galamba, ex-secretário de Estado da Energia, refere que o Ministério do Ambiente e da Energia apresentou a sua revisão do PNEC, alinhada com o já proposto pelo anterior governo. Esta revisão aumenta a potência renovável a instalar até 2030. Face ao plano aprovado em 2020, o aumento é justificado por metas de descarbonização mais ambiciosas, mas resulta, segundo Galamba, em grande medida, da inclusão de novos consumos associados a oportunidades de industrialização verde e à competitividade do país nas renováveis que permite atrair esse tipo de projetos. Por isso, a nova ambição nas metas de solar e eólico é “muito positiva e deve ser celebrada”, mas enfrenta desafios relevantes que importa reconhecer, com o objetivo de que o PNEC não seja ambição inconsequente, mas “efetiva oportunidade que o país não pode desperdiçar”. Todavia, passar dos 4,6 GW de solar para 20,8 GW e dos 5.9 GW no eólico para 12,4 GW é um quádruplo desafio: a nível do licenciamento, da eletrificação dos consumos, do armazenamento e da rede elétrica.

A nível do licenciamento, importa alinhar os planos diretores municipais (PDM) com os objetivos da descarbonização, para que o licenciamento municipal não seja entrave ao investimento em renováveis, e cumprir o que decorre de legislação europeia, no atinente ao interesse público prevalecente dos projetos renováveis em licenciamento ambiental. Sem eliminar os atuais entraves e acelerar os processos de licenciamento, o PNEC é impossível de cumprir.

Quanto ao segundo desafio, é de reforçar articulação entre as áreas governativas da Energia e da Economia. O melhor exemplo de aceleração da economia é um programa que prevê investimentos superiores a 25 mil milhões de euros até 2030. Mas os investimentos previstos, sobretudo os conexos com a eletrificação dos transportes e da indústria, estão ausentes do programa Acelerar a Economia, o que põe em causa a suficiência de consumo para a nova geração renovável prevista.

Sobre o terceiro desafio, é de referir que o armazenamento é imprescindível para integrar volumes crescentes de energia de fontes renováveis. Se o armazenamento, nomeadamente, via bombagem hídrica, foi essencial para integrar a capacidade eólica que temos, por permitir absorver os excedentes, facilitando o alinhamento da produção com o consumo, sê-lo-á ainda mais para integrar a capacidade solar e eólica que queremos ter. Aí, o PNEC fica aquém do necessário.

Quadruplicar capacidade instalada de solar e duplicar a de eólico não são metas compatíveis com o aumento da capacidade de armazenamento inferior a 40%. Basta ver o que propõe a Espanha: com aumentos inferiores a Portugal na nova capacidade renovável, em particular no solar, é suposto que o armazenamento quadruplique. Isto implica ter mais do que o GW de baterias previsto e rever os 300 MW de nova bombagem hídrica.

Se o reforço de armazenamento fosse só o que consta do PNEC, mesmo que houvesse muita flexibilidade do lado do consumo, e tendo em conta a limitação nas interligações, o crescimento exponencial do curtailment (geração de eletricidade desperdiçada por incapacidade de integração no sistema) seria inevitável, pondo em causa a viabilidade do investimento em nova geração. Porém, o potencial de nova bombagem hídrica é muito superior ao previsto no PNEC. No passado, já havia cerca de 2,3 GW de nova potência de bombagem hídrica, mas a Iberdrola apresentou projeto para acrescentar um GW adicional de bombagem hídrica na cascata do Tâmega. No caso do Cabril, cessada a concessão do domínio público hídrico, devia ser aproveitada a oportunidade do novo concurso para prever bombagem hídrica na bacia do Zêzere, olhando para Girabolhos, a nova barragem no Mondego, que inclui bombagem hídrica. Tudo somado, teríamos nova potência de bombagem hídrica que permitiria duplicar a potência existente no sistema.

É necessário duplicar bombagem hídrica, porque o armazenamento é central, para atingir um sistema elétrico 100% renovável, e porque consolida a bombagem hídrica enquanto backup sustentável, no contexto de redução da disponibilidade da produção hidroelétrica convencional. Num cenário de redução das disponibilidades hídricas, recorrer a bombagem hídrica aumenta a segurança do abastecimento, porque não consome um recurso hídrico crescentemente escasso.

Quanto ao quarto desafio, pode dizer-se que, havendo reforço significativo do armazenamento previsto, o desafio da rede elétrica continuará a ser grande, mas não será impossível de atingir.

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Veremos o que rezará a consulta pública e novo artigo que Galamba prometeu. Talvez devamos ter um PNEC em constante revisão. Umas medidas implicam outras e um setor implica outros. E os projetos têm dificuldade em sair do papel, por falta de vontade política e por falta de capacidade de mobilização de meios. O poder é altamente conservador, pomposo e burocrático.    

2024.08.09 – Louro de Carvalho

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