segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Festa de São Lourenço, diácono mártir assado numa grelha em Roma

 

Celebrou-se, a 10 de agosto, a festa litúrgica de São Lourenço e, nestes dias, várias comunidades católicas realizaram festas devocionais e/ou populares em honra do santo diácono mártir.

“A Igreja Romana convida-nos, hoje, a celebrar o triunfo glorioso de São Lourenço, que, desprezando as ameaças e as seduções do Mundo, venceu a perseguição do demónio”, disse, em certa ocasião, Santo Agostinho, bispo de Hipona, num dos seus sermões.

São Lourenço era um dos sete dos diáconos mais famosos do período paleocristão e que ajudavam o Papa Sisto II, que foi assassinado pela polícia do imperador, quando estava a celebrar a missa num cemitério de Roma.

Antiga tradição conta que Lourenço, ao ver que iam matar o pontífice, exclamou: “Meu pai, vais sem levares o teu diácono?” E o Papa respondeu: “Meu filho, em poucos dias, seguir-me-ás.”

Lourenço alegrou-se muito por saber que, em breve, iria para o céu; e, vendo que o perigo se aproximava, recolheu todos os bens que a Igreja tinha em Roma, vendeu-os e distribuiu o dinheiro para os mais necessitados.

O prefeito, que era pagão e apegado ao dinheiro, chamou Lourenço e mandou que o levasse aos tesouros da Igreja para custear uma guerra que o imperador ia começar. O santo pediu alguns dias de prazo para os reunir.

O diácono, então, reuniu os pobres, deficientes, mendigos, órfãos, viúvas, idosos, cegos e leprosos que ele ajudava com esmolas. Mandou chamar o prefeito e disse-lhe que estes eram o tesouro mais precioso da Igreja de Cristo.

O prefeito, cheio de raiva, mandou matá-lo lentamente. Colocaram o santo num braseiro ardente. Os fiéis viram o rosto do mártir rodeado de um esplendor muito formoso e sentiram um agradável aroma, enquanto os pagãos não percebiam nada disso.

Depois de estar queimando na grelha por um tempo, o valente mártir disse ao juiz que o virassem do outro lado, para ficar completamente queimado. Quando já se se aproximava a sua hora e com uma tranquilidade impressionante, pediu a Deus pela propagação do cristianismo no Mundo e partiu para a Casa do Pai. Era 10 de agosto de 258.

Conta-se que esse martírio significou o declínio da idolatria romana e que a Basílica de São Lourenço, em Roma, é considerada a quinta em importância.

A devoção a este grande santo espalhou-se por toda a parte e muitos povos e cidades levam o seu nome. Até mesmo o nome da equipa de futebol favorita do papa Francisco, o ‘Club Atlético San Lorenzo de Almagro’, é em honra do diácono mártir, como foi o desejo do padre salesiano Lorenzo Massa, fundador da equipa.

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São de destacar alguns dados curiosos da vida deste importante santo:

1. São Lourenço de Roma é o santo padroeiro dos cozinheiros. O santo foi condenado a morrer queimado numa fogueira, especificamente numa grelha de ferro. E, de acordo com a tradição, despois de estar queimando, durante algum tempo na grelha, disse ao juiz: “Vira-me, que já estou bem assado deste lado”. O carrasco mandou que o virassem e assim se queimou por completo.

2. É-lhe dedicada uma Basílica de Roma. A Basílica de São Lourenço Extramuros, onde se encontra o túmulo do santo, é uma das cinco basílicas patriarcais ou papais. No interior do templo, está uma pedra de mármore onde, segundo a tradição, foi colocado o corpo de São Lourenço imediatamente depois do seu martírio, ficando impressa parte da sua silhueta.

Todos os anos é realizada uma peregrinação no bairro de São Lourenço precedida da celebração da Santa Missa e acompanhada de uma relíquia do santo, levada numa pequena custódia.

3. Em Roma, é o santo mais importante, depois de Pedro e Paulo. Com uma tranquilidade que ninguém imaginaria, durante o seu martírio, o santo rezou pela conversão de Roma e pela difusão da religião de Cristo em todo o Mundo, até ao seu último suspiro.

O professor de Teologia Sistemática, Dom Francesco Moraglia, explica, num artigo, que “a cidade, que lhe atribuía a vitória sobre o paganismo, o elegeu como seu terceiro padroeiro e celebra a sua festa desde o século IV, como segunda festa em grau de importância, depois da dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo”.

Do mesmo modo, foram erguidas em sua honra “34 igrejas e capelas, sinal tangível de gratidão àquele que, fiel ao seu ministério, tinha sido, entre eles, um verdadeiro ministro e servidor da caridade”.

4. Seu martírio foi prenunciado pelo Papa São Sisto II. São Lourenço era um dos diáconos que ajudava o papa Sisto II, que foi martirizado pela polícia do imperador, enquanto celebrava Missa num cemitério de Roma. A antiga tradição diz que Lourenço, quando viu que iam matar o Pontífice, este lhe disse: “A nós, porque somos velhos, foi-nos designado o percurso de um caminho mais fácil; a ti, porque és jovem, corresponde um triunfo mais glorioso sobre o tirano. Logo virás, deixa de chorar: dentro de três dias me seguirás. Entre um bispo e um levita, é conveniente que exista este intervalo” (Santo Ambrósio, in De Officiis, n. 206).

5. O Papa São Leão Magno lhe dedicou uma bela homilia. Já no século V, o doutor da Igreja e papa São Leão Magno disse, sobre São Lourenço, que “as chamas não puderam vencer a caridade de Cristo; e o fogo que o queimava por fora era mais débil do que aquele que ardia dentro dele”.

E acrescentou: “O Senhor quis exaltar a tal ponto o seu glorioso nome em todo o Mundo que, do Oriente ao Ocidente, no esplendor vivíssimo da luz que irradiou dos maiores diáconos, a mesma glória concedida a Jerusalém por Estêvão também foi dada a Roma por mérito de Lourenço” (Homilia 85, 4: PL 54, 486).

6. Um fenómeno astronómico tem o seu nome. “Lágrimas de São Lourenço” é o nome popular com que se designa uma chuva de meteoros (as Perseidas) visíveis, em todos os anos, por volta dos dias 11 e 12 ou 12 e 13 de agosto. O nome começou a ser usado em memória do diácono martirizado, muito tempo depois, na Europa medieval.

7. Uma equipa de futebol ostenta o seu nome. O nome da equipa de futebol favorita do Papa Francisco, o ‘Club Atlético San Lorenzo de Almagro’, foi-lhe dado em honra do diácono mártir, como foi o desejo do padre salesiano Lorenzo Massa, na fundação da equipa.

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Por ocasião da festa de São Lourenço, diácono e mártir da Igreja, no dia 10 de agosto, também se celebra o Dia dos Diáconos Permanentes. No século III, Lourenço era, como se disse, um dos sete diáconos de Roma que ajudavam o Papa Sisto II, o qual o nomeou administrador dos bens da Igreja e mandou que distribuísse esmolas aos pobres e aos demais necessitados. Na História da Igreja, os diáconos ajudavam os bispos e os outros sacerdotes (os presbíteros) a desenvolver o seu ministério. Embora o diácono tenha recebido o sacramento da ordem, este não é propriamente um sacerdote e, portanto, não tem as suas faculdades.

O sacramento da ordem tem três graus – episcopado, presbiterado e diaconado – que estão explicados nos números 1554 a 1571 do Catecismo da Igreja Católica (CIC).

O diácono ordena-se ao ministério da palavra, da liturgia e da caridade. A sua função principal é a assistência qualificada ao sacerdote nas celebrações, não sendo um simples “ajudante”.

As outras funções dos diáconos estão explicadas na constituição dogmática Lumen Gentium e nos cânones 757, 835, 910, 943 e 1087 do Código do Direito Canónico (CDC).

Algumas das suas competências são: batizar, conservar e distribuir a Eucaristia, ministrar a exposição do Santíssimo e a bênção eucarística, ser ministro ordinário da sagrada comunhão, levar o viático aos doentes terminais, em nome da Igreja assistir e abençoar o matrimónio, ler a Sagrada Escritura aos fiéis, administrar os sacramentais, como, por exemplo, a água benta, a bênção das casas, de imagens e de outros objetos, e presidir ao ritual fúnebre e ao do sepultamento.

O diaconado, considerado em si mesmo como ministério permanente, decaiu no Ocidente depois do século V, tendo sido reduzido a simples etapa para chegar ao sacerdócio. Depois do Concílio Vaticano II, foi restabelecido o diaconado “como um grau particular dentro da hierarquia”. A constituição Lumen Gentium especifica, no número 29: “Com o consentimento do Romano Pontífice, poderá este diaconado ser conferido a homens de idade madura, mesmo casados, e a jovens idóneos; em relação a estes últimos, porém, permanece em vigor a lei do celibato”. Estes deverão ter uma preparação de, pelo menos, três anos, para receberem as sagradas ordens, conforme está estabelecido no CDC, cânone 236.

O Papa São Paulo VI, na carta apostólica Sacrum diaconatus ordinem, de 18 de junho de 1967, assinala que a ordem do diaconado “não deve ser considerada como simples grau para ascender ao sacerdócio, mas recebe tal riqueza pelo seu caráter indelével e pela sua graça particular que os que a ele são chamados podem dedicar-se de modo estável aos mistérios de Cristo e da Igreja”.

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Atente-se na reflexão de Santo Agostinho a propósito da vida e do martírio de São Lourenço.

A Igreja Romana apresenta-nos, hoje, o dia glorioso de São Lourenço quando ele calcou o furor do Mundo, desprezou a sua sedução e, num e noutro modo, venceu o diabo perseguidor. Nesta mesma Igreja – ouvistes muitas vezes – Lourenço exercia o ministério de diácono. Aí servia o sagrado sangue de Cristo; aí, pelo nome de Cristo, derramou o seu sangue. O santo apóstolo João expôs, claramente, o mistério da ceia, ao dizer: ‘Como Cristo entregou a sua vida por nós, também nós devemos entregar as nossas pelos irmãos’ (1Jo 3,16). São Lourenço entendeu isto; entendeu e fez; e, da mesmíssima forma como recebeu daquela mesa, assim a preparou. Amou a Cristo na vida, imitou-o na morte.  

Também nós, irmãos, se de verdade amamos, imitemos. Não poderíamos produzir melhor fruto de amor do que o exemplo da imitação; ‘Cristo sofreu por nós, deixando-nos o exemplo para seguirmos suas pegadas’ (1Pe 2,21). Nesta frase, parece o apóstolo Pedro querer dizer que Cristo sofreu apenas pelos que seguem as suas pegadas e que a morte de Cristo não aproveita senão aos que caminham em seu seguimento. Seguiram-no os santos mártires até à efusão do sangue, até à semelhança da paixão, mas não só eles. Depois que estes passaram, a ponte não foi cortada; ou depois que beberam, a fonte não secou. Tem o jardim do Senhor não apenas rosas dos mártires; tem também lírios das virgens, heras dos casados, violetas das viúvas. Absolutamente ninguém, seja quem for, desespere da sua vocação; por todos morreu Cristo. Com toda a verdade, d’Ele se escreveu: ‘Quer salvos todos os homens, e que cheguem ao conhecimento da verdade’ (1Tm 2,4).  

Compreendamos como pode o cristão seguir Cristo além do derramamento de sangue, além do perigo de morte. O Apóstolo diz, referindo-se ao Cristo Senhor: ‘Tendo a condição divina, não julgou rapina ser igual a Deus. Que majestade! Mas aniquilou-Se, tomando a condição de escravo, feito semelhante aos homens e reconhecido como homem’ (Fl 2,7-8). Que humildade!  

Cristo humilhou-Se: aí tens, cristão, a que te apegar. Cristo humilhou-se: por que te enches de orgulho? Em seguida, terminada a carreira desta humilhação, lançada por terra a morte, Cristo subiu ao céu; sigamo-Lo. Ouçamos o Apóstolo: ‘Se ressuscitastes com Cristo, descobri o sabor das realidades do alto, onde Cristo está assentado à destra de Deus’ (Cl 3,1).

- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (Sermo 304,1-4: PL 38, 1395-1397) (Século V), proclamada como II Leitura do Ofício de Leituras, na festa de São Lourenço.

2024.07.12 – Louro de Carvalho

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