quarta-feira, 31 de julho de 2024

Resultados das eleições na Venezuela sob forte e ampla contestação

 
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a autoridade eleitoral venezuelana, Nicolás Maduro venceu as eleições presidenciais de 28 de julho, com 51,2% dos votos, tendo ficado em segundo lugar Edmundo González Urrutia, da oposição, com 44,2% dos votos.
O CNE divulgou os primeiros resultados pela meia-noite, hora local, garantindo que tinham sido contabilizados 80% dos votos e que a vitória de Maduro era “irreversível”. Contudo, o atraso de seis horas na divulgação dos resultados criou preocupações nos governos sul-americanos e nos Estados Unidos da América (EUA). E a oposição veio a público alegar “irregularidades”.
O CNE ainda tinha de revelar a contagem de cerca de 30 mil mesas de voto. O presidente do CNE disse que não iria rever os resultados.
 “Os venezuelanos e o Mundo inteiro sabem o que aconteceu”, disse Edmundo González, em declaração pública, após serem conhecidos os resultados. A conservadora María Corina Machado – proibida de se candidatar – garantiu, ao lado do antigo diplomata (substituiu-a na corrida) que a margem de vitória de González era esmagadora, já que a oposição tinha resultados da votação de cerca de 40% das urnas em todo o país, o que mostra que González teve 70% dos votos. Por isso, apelou às Forças Armadas a que fizessem respeitar a vontade popular.
 “O regime de Maduro deve entender que os resultados que publicou são difíceis de acreditar”, disse Gabriel Boric, líder esquerdista do Chile. “Não reconheceremos nenhum resultado que não seja verificável”, vincou. E Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, disse, falando a partir de Tóquio, no Japão, que os EUA têm “sérias preocupações de que o resultado anunciado não reflita a vontade ou os votos do povo venezuelano”.
Maduro celebrou os resultados e acusou inimigos estrangeiros de terem tentado sabotar o sistema de votação. “Esta não é a primeira vez que tentam violar a paz da República”, declarou, perante centenas de apoiantes no palácio presidencial, sem fornecer provas para sustentar estas afirmações, mas prometendo justiça para os que tentarem incitar a violência no país. Assim, adiciona seis anos à presidência de uma década, marcada pela crise política, social e económica, com milhões de venezuelanos caídos na pobreza e mais de 7,4 milhões de migrados.
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O período pré-eleitoral foi palco de perturbações que minaram a esperança de eleições livres. O governo proibiu a entrada de visitantes que, em nome de organizações políticas internacionais, iam acompanhar, solidariamente, os partidos da oposição. E um grupo que integrava elementos do Partido Popular Europeu (PPE), incluindo o português Sebastião Bugalho, depois de ter entrado, viu-se na necessidade de abandonar o país. 
María Corina Machado – ex-advogada e líder da oposição venezuelana – no dia 18, denunciou uma tentativa de assassinato, em Barquisimeto, no estado de Lara, após descobrir que os travões do seu carro tinham sido cortados. O incidente ocorreu um dia depois de o chefe de segurança da campanha, Milciades Ávila, ter sido detido, em resultado de discussão, num restaurante, quando regressavam de um comício com o colega da oposição Edmundo González. Corina Machado afirmou-se perseguida pelo chavismo, que mobilizava o eleitorado para lhe boicotar a campanha, e denunciou o assédio e o bloqueio, por militantes chavistas, dos espaços onde pretendia realizar os seus comícios. E o partido de oposição, Vente Venezuela, alertou para mais ameaças recebidas por personalidades em Guanare, capital do estado de Portuguesa, onde a candidata realizou os últimos eventos de campanha.
Também, no dia 26, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a proibição da candidatura presidencial de María Corina Machado, que contava com o apoio dos EUA e que vencera as primárias presidenciais independentes da oposição, com 90% dos votos a favor.
As primárias ocorreram meses depois de o presidente e a oposição, apoiada pelos EUA, chegarem a acordo (Acordo dos Barbados) para nivelarem as opções políticas antes das eleições, o que levou Washington a aliviar as sanções económicas à Venezuela. Por outro lado, a vitória da ex-advogada nas primárias ocorreu no momento em que o governo decretou a interdição de ela se candidatar a cargos durante 15 anos. E a candidata insistiu, durante a campanha, que nunca recebeu notificação dessa “Lei Seca” e afirmou que cabiam aos eleitores as legítimas decisões sobre a sua candidatura.
Corina Machado apresentara uma ação no STJ, em dezembro, aduzindo que a proibição era nula e solicitando ordem judicial para proteger os seus direitos políticos. Porém, o tribunal confirmou a proibição, que alega fraude e violações fiscais, e atribiu à candidata a responsabilidade pelas sanções económicas que os EUA impuseram à Venezuela, na última década.
Nas últimas duas semanas, Maduro, Saab e Jorge Rodríguez, líder da Assembleia Nacional e principal negociador do governo, ligaram apoiantes da oposição e pessoas próximas de Corina Machado a conspirações concebidas para assassinar o presidente e os seus círculos internos. Em Paralelo, um painel apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que investiga abusos contra os direitos humanos, determinou, em setembro, que o governo de Nicolás Maduro intensificou os esforços para limitar as liberdades democráticas, antes das eleições. Isso inclui detenção, vigilância, ameaças, campanhas difamatórias e processos penais arbitrários de alguns políticos, defensores dos direitos humanos e outros opositores.
As campanhas eleitorais na Venezuela envolvem entrega de alimentos, de eletrodomésticos e outros bens, em nome dos candidatos do partido do governo, que obtêm cobertura favorável da imprensa estatal. Os candidatos da oposição e apoiantes tentam encontrar locais para se reunirem, sem assédio dos ativistas do governo, e obter combustível para viajarem pelo país.
É prática governamental comum, para marginalizar os adversários, proibi-los de ocuparem cargos públicos, não se limitando às disputas presidenciais. A proibição foi usada retroativamente, em 2021, para destituir o candidato a governador Freddy Superlano, que estava à frente de um irmão de Hugo Chávez, mas ainda não tinha sido declarado vencedor. O substituto também foi expulso das urnas por sanção. E, no dia 26, o tribunal confirmou a proibição imposta ao ex-governador e bicandidato à presidência, Henrique Capriles, que abandonou a corrida primária antes da votação. “O que nunca poderão proibir é o desejo de MUDANÇA dos venezuelanos”, tuitou Carpiles. “Hoje, mais do que nunca, nada nem ninguém, nos tira da rota eleitoral.” 
Entretanto, Maduro, que chegou dizer que, se os resultados não lhe fossem favoráveis, não os aceitaria e que o país mergulharia num banho de sangue, acabou por dizer que os aceitaria e pediu que todos acatassem as indicações do CNE.   
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A União Europeia (UE) juntou-se ao crescente coro de vozes que exigem transparência para determinar o vencedor legítimo das eleições, que Bruxelas considera “marcadas por numerosas falhas e irregularidades”. No entanto, os apelos a novas sanções são “prematuros” nesta fase, disse o porta-voz da Comissão Europeia para a política Externa, Peter Stano, que insistiu na necessidade de se encontrar uma saída para a crise política”. Porém, Edmundo González e a sua aliança política, a Plataforma Unitária Democrática, contestaram vigorosamente os resultados, aduzindo que os números do CNE não correspondem às sondagens de opinião e às estimativas estatísticas.
A oposição diz ter obtido 73% dos boletins de apuração (ultimamente, fala-se em 84%), mostrando que González obteve 3,5 milhões de votos a mais do que Maduro. “Temos nas nossas mãos as folhas de contagem que demonstram a nossa vitória categórica e matematicamente irreversível”, disse González aos apoiantes.
Embora o ato eleitoral tenha sido saudado como um dos mais pacíficos dos últimos tempos, o rescaldo torna-se cada vez mais intenso, com os manifestantes a saírem à rua, com bandeiras, e a entrarem em confronto com a polícia. Os apoiantes da oposição consideraram o escrutínio como a oportunidade mais credível para pôr fim a 25 anos de governo de partido único.
Maduro condenou a manifestação de descontentamento, apontando o dedo aos EUA. “Está a ser feita uma tentativa de impor um golpe de Estado na Venezuela, novamente de natureza fascista e contrarrevolucionária”, atirou o presidente. “Já conhecemos este filme.”
Um dos pomos da discórdia é a recusa de o CNE divulgar os resultados detalhados de cada circunscrição, que podem ser usados para cruzar os números a nível nacional. O Carter Center, fundado pelo ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, diz não poder verificar os resultados e acusa a administração de Maduro de “total falta de transparência”.
Josep Borrell, chefe da política externa da UE, apelou ao CNE para “exercer a máxima transparência no processo de apuramento dos resultados, incluindo a concessão de acesso imediato aos registos de votação de cada assembleia de voto e a publicação dos resultados eleitorais desagregados”. “A UE apela à calma e insta as forças de segurança a garantirem o pleno respeito pelos direitos humanos, incluindo o direito de reunião pacífica”, refere Borrell.
A declaração da UE estava para ser assinada pelos 27 estados-membros, mas a Hungria bloqueou a iniciativa. Este facto levou Borrell a publicar a declaração por sua conta, falando em nome do bloco. O veto é má notícia para qualquer reforço das sanções contra o regime de Maduro. As atuais sanções da UE datam de 2017 e incluem a proibição de exportar armas e equipamentos utilizados para reprimir os protestos de rua e a lista de 54 indivíduos acusados de minar a democracia e o Estado de direito da Venezuela.
Milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas de várias cidades venezuelanas, após Maduro ter sido declarado vencedor das eleições presidenciais, com a oposição a acusá-lo de fraude. Na capital, a polícia dispersou os manifestantes a gás lacrimogéneo. Houve quem descesse as ruas a cantar e a bater em tachos e panelas, a queimar pneus e automóveis; e, segundo a PROVEA, organização venezuelana de direitos humanos, grupos armados pró-Maduro dispararam contra manifestantes pacíficos que desciam a Avenida Urdaneta. E Maduro revelou que houve “dezenas de detenções” (mias de 700) por ações “criminosas e terroristas”, responsabilizando a oposição.
Pelo menos sete pessoas foram mortas desde o início dos protestos. Sete jovens foram mortos violentamente às mãos de forças revolucionárias e paramilitares chavistas. Estátuas de Hugo Chávez foram derrubadas durante as manifestações contra a reeleição de Maduro.
Os eleitores votam por máquinas eletrónicas, que registam os votos e fornecem ao eleitor recibo em papel com a indicação do candidato da sua escolha. O eleitor deposita o recibo na urna. Após o fecho das urnas, cada máquina imprime a folha de registo com os nomes dos candidatos e os votos que receberam. Porém, o partido no poder faz apertado controlo no sistema de votação, através de um conselho eleitoral de cinco membros leais e de uma rede de coordenadores locais, de longa data, do partido, com acesso quase ilimitado aos centros de votação. Os coordenadores, alguns dos quais são responsáveis pela distribuição de benefícios governamentais, têm impedido os representantes dos partidos da oposição da entrada nos centros de votação (permitida por lei), para testemunharem o processo de votação, a contagem dos votos e, o que é crucial, para obterem uma cópia da folha de contagem final das máquinas.
Vários governos da América do Sul e o norte-americano não reconheceram os resultados. E a UE, tal como Joe Biden (dos EUA) e Lula da Silva (do Brasil), instou as autoridades da Venezuela a divulgarem os registos oficiais da votação. O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Maduro vai retirar o pessoal diplomático de sete países das Américas, incluindo o Panamá, a Argentina e o Chile, pedindo a tais governos que fizessem o mesmo com seu pessoal na Venezuela. O governo do Peru rejeitou os resultados, o que levou ao encerramento da embaixada venezuelana em Lima.
De uma varanda no palácio presidencial, o presidente dirigiu-se à multidão que exigia a prisão de Corina Machado: “Até agora, temos estado contidos: vamos descobri-los e capturá-los a todos e seremos vitoriosos, mais uma vez vitoriosos”, prometeu Maduro. Porém, a líder da oposição prefere continuar no país, apesar do asilo oferecido pela Costa Rica.
Assim, um ato eleitoral para ditar a normalidade, acirra os ânimos e protela a democracia.

2024.07.30 – Louro de Carvalho


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