Foi descoberto o altar-mor dos cruzados na igreja do Santo Sepulcro, em
Jerusalém, que é considerado o maior altar medieval já descoberto e que
evidencia profunda conexão entre Roma e Jerusalém. É provável que tenha sido
erguido por ordem do Papa Eugénio III.
É uma
descoberta inesperada que parece saída de uma trama dos filmes de Indiana
Jones. A descoberta, anunciada pela Academia Austríaca de Ciências (ÖAW, na
sigla em Alemão), oferece uma janela revestida de mármore para a arte cristã
medieval e a projeção do poder papal.
A igreja do
Santo Sepulcro tem primordial importância para os católicos como local da
crucifixão, sepultamento e ressurreição de Cristo. A sua importância, como destino
de peregrinação, perdura há quase dois mil anos, atraindo fiéis de todo o Mundo
para os seus terrenos sagrados.
Os
pesquisadores procederam à reconstrução digital preliminar do altar-mor dos
cruzados, decorado com duas figuras e com o chamado quincunx. Com cinco
círculos formados por uma única faixa entrelaçada, o quincunx é um dos aspetos
favoritos dos mestres cosmatescos. Essa figura é cheia de significado
espiritual, incluindo a infinidade da criação de Deus. Os círculos simbolizam
as cinco chagas de Cristo e aludem à Cruz de Jerusalém, o emblema do Reino
Cruzado de Jerusalém.
Os
pesquisadores esperam que investigações mais aprofundadas nos arquivos papais
possam revelar mais pormenores sobre a criação do altar e, talvez, mesmo
identificar os artesãos qualificados que estão por trás dessa obra monumental.
Na verdade,
em 15 de julho de 1149, Jerusalém celebrou um dia marcante: exatamente meio
século antes, os cruzados europeus, sob o comando de Godofredo de Bulhão,
haviam tomado a cidade santa, estabelecendo o Reino de Jerusalém, depois de
séculos de domínio muçulmano. Para manifestar a alegria dos cristãos em posse
daquele lugar santo, foi confecionado o novo altar-mor, que foi posicionado no
meio da Igreja do Santo Sepulcro, um dos mais importantes santuários do
Cristianismo.
O altar serviu, pois, de sentinela silenciosa para inúmeros
peregrinos, durante séculos, antes de desaparecer da memória coletiva, em 1808,
quando um incêndio devastou a parte românica da igreja, a qual desperta o interesse de pesquisadores e arqueólogos,
há muito tempo. Porém, cerca de dois terços da laje de pedra original do
frontal do altar foram preservados.
Serviu
também de testemunho das oito cruzadas, expedições dos cristãos da Europa Ocidental, com apoio
papal, entre os séculos XI e XIII, para retomarem a posse de Jerusalém e
dos Lugares Santos, caídos, no século VII, em poder dos muçulmanos.
“Sabemos de
relatos de peregrinação, dos séculos XVI, XVII e XVIII, sobre um magnífico
altar de mármore em Jerusalém”, conta Ilya Berkovich, historiador do Instituto
de Pesquisa sobre a Monarquia dos Habsburgo e os Balcãs da Academia de Ciências
da Áustria (ÖAW) e coautor de um novo estudo sobre essa obra de arte histórica.
Apesar da forte impressão que causou nas pessoas ao longo dos séculos, o altar
desapareceu, repentinamente, da memória coletiva.
Ilya
Berkovich, da ÖAW, e Amit Re’em, da Autoridade de Antiguidades de
Israel, encontraram o altar durante uma reforma do local. O altar recém-descoberto
estava escondido da vista de todos, atrás de uma laje de pedra coberta por grafitti que
pesa várias toneladas.
Segundo a
ÖAW, o altar, consagrado em 1149, tem 3,5 metros de largura, o que faz dele o
maior altar medieval conhecido até hoje. “O Papa honrou a igreja mais sagrada
da cristandade”, disse Berkovich, ao sugerir que o envio de um mestre
cosmatesco para Jerusalém, pelo Papa, foi um movimento calculado, para fazer ressaltar
as reivindicações cristãs à Cidade Santa.
Segundo
pesquisadores, a instalação do altar, em 1149, coincidiu com um período de
relativa estabilidade na Jerusalém controlada pelos cruzados. O Reino de
Jerusalém procurou consolidar a sua presença através de grandes projetos de
construção e cerimónias religiosas, 50 anos depois da primeira cruzada, e
retomou a cidade. A rededicação da igreja do Santo Sepulcro, com esse altar
recém-descoberto como sua peça central, marcou um ponto alto na posse dos
cruzados na Terra Santa.
Essa
redescoberta enriquece a compreensão da arte cristã medieval e ilumina a
complexa trama de relações entre Roma e Jerusalém, durante a era das cruzadas. “Que
algo tão significativo pudesse permanecer desconhecido por tanto tempo em tal
lugar foi uma surpresa completa para todos os envolvidos!”, exclamou Berkovich.
As intrincadas
decorações cosmatescas do altar – uma técnica dominada exclusivamente por
artesãos na Roma papal – sugerem uma conexão, até então desconhecida, entre a
Cidade Eterna e o Reino Cristão de Jerusalém fundado pelos cruzados.
Esses
artesãos criaram padrões e ornamentos geométricos deslumbrantes ao usar
fragmentos de mármore frequentemente recuperados de antigos edifícios romanos,
disse Berkovich.
“Em 1808, um
incêndio de grande proporção atingiu a parte românica da Igreja do Santo
Sepulcro”, explica Berkovich. “Desde então, acreditava-se que o altar dos
cruzados tinha desaparecido”, acrescentou o historiador.
Recentemente,
Ilya Berkovich e Amit Re’em, da Autoridade de Antiguidades de Israel, fizeram
uma descoberta extraordinária: no corredor traseiro da igreja encontraram uma
pesada laje de pedra, recoberta de grafitti.
Contudo, ao
virarem a laje, devido às obras, revelou-se um rico e antigo património
artístico: a laje decorada daquele lado foi rapidamente identificada como a
antiga e esplêndida fachada do altar medieval dos cruzados.
Este altar,
de impressionante beleza, oferece a oportunidade de investigar a rara técnica cosmatesca,
dificilmente encontrada fora de Roma. Esta técnica especial de decoração em
mármore foi dominada exclusivamente por mestres de guilda, na Roma papal, que
transmitiam essa habilidade de geração em geração. A técnica carateriza-se pelo
uso de pequenas quantidades de mármore valioso, principalmente raspado de
edifícios antigos da Roma medieval, para decorar superfícies extensas, colocando
pequenos fragmentos com grande precisão, criando padrões geométricos e
ornamentos deslumbrantes.
Da arte
cosmatesca, apenas era conhecida uma obra de arte fora da Itália, na Abadia de
Westminster, para a qual o Papa havia enviado um dos seus mestres. O altar
cosmatesco redescoberto em Jerusalém também deve ter sido criado com a intervenção
do Papa, possivelmente Eugénio III. Ao enviar um dos seus mestres cosmatescos
ao Reino de Jerusalém para fazer o altar dos cruzados, o Pontífice,
literalmente, sublinhou a reivindicação da cidade pela Cristandade. “O Papa
honrou assim a igreja mais sagrada da cristandade”, observou Berkovich.
A descoberta
do altar-mor revela uma conexão até então desconhecida entre Roma e Jerusalém,
que também é importante para a história da arte europeia. “Com mais de 3,5
metros de largura original, este é o maior altar medieval atualmente conhecido”,
destaca Berkovich, esperando que pesquisas futuras nos arquivos papais possam
trazer à luz mais pormenores sobre a História da criação do altar,
possivelmente até a identidade do mestre cosmatesco responsável pela obra.
***
A descoberta
motiva um excursus sobre o Santo
Sepulcro. Localizado no coração de Jerusalém e um
dos centros de peregrinação mais sagrados do cristianismo, é conhecido como o
lugar onde Jesus Cristo foi crucificado, foi sepultado e ressuscitou. Visitar o
Santo Sepulcro é experiência espiritual que permite aos visitantes caminhar
literalmente nas pegadas de Jesus.
Crê-se que o
local foi identificado, pela primeira vez, como o local da crucifixão de Jesus
no século IV, no reinado do imperador Constantino, o qual, após a sua conversão
ao cristianismo, enviou a sua mãe, Santa Helena, para identificar os locais
sagrados da vida de Jesus, em Jerusalém. Segundo a tradição, Helena descobriu a
cruz em que Jesus foi crucificado (pelo que se chama Helena da Cruz), e
Constantino mandou construir ali uma igreja. Desde então, o local sofreu
inúmeras destruições e reconstruções. Apesar disso, continua a ser um dos
locais mais sagrados do cristianismo, atraindo milhões de peregrinos de todo o
Mundo, em cada ano.
Tem um
significado profundo para os cristãos de todo o Mundo. É considerado o local
mais sagrado da cristandade, pois marca o lugar onde se acredita que Jesus foi
crucificado, foi sepultado e ressuscitou dos mortos. Visitá-lo é uma
oportunidade de se ligar profundamente à fé e reviver os eventos cruciais da
vida de Jesus.
Além do
significado religioso, o Santo Sepulcro tem um valor significativo arqueológico.
A igreja, que abriga uma variedade de artefactos históricos e arqueológicos
importantes, continua a ser um campo ativo de pesquisa e de descoberta.
Constantino desempenhou
papel fulcral na formação do Santo Sepulcro. A construção da igreja original,
um esforço monumental, assinalou o início do cristianismo como religião
oficialmente reconhecida. O Imperador, que se converteu ao cristianismo, após
uma visão miraculosa, queria que o local fosse um símbolo poderoso da fé. Não poupou
despesas no projeto. Contratou os melhores arquitetos e artesãos do império
para criar uma estrutura que combinasse beleza e simbolismo. Era para ser um
local de peregrinação, onde os cristãos de todo o Mundo poderiam reunir-se,
orar e adorar. E foi assim que se tornou um dos lugares mais sagrados do
cristianismo, um testemunho da fé de Constantino e da sua determinação em
estabelecer o cristianismo como força dominante no Mundo.
A cúpula do
Santo Sepulcro é uma das caraterísticas mais impressionantes da igreja. Eleva-se,
majestosamente, acima do resto da estrutura, como testemunho da habilidade e da
visão dos arquitetos. É um marco notável em Jerusalém, visível de muitas partes
da cidade. E, dentro da igreja, é impressionante. Abriga o Edículo, pequena
capela que marca o local acreditado como túmulo de Jesus. Ornada a mármore e a ouro,
em homenagem à importância do local, é a peça central da igreja, um lembrete da
importância do local e testemunho da habilidade dos artesãos que a construíram
e da fé que inspirou a sua criação.
Dentro do
Santo Sepulcro, está a Capela de Santa Helena, um dos tesouros escondidos.
Localizada num nível mais baixo da igreja, é local tranquilo de oração, longe
do burburinho do resto da igreja. Dedicada a Santa Helena, mãe de Constantino,
creditada com a descoberta da Verdadeira Cruz, é lugar de beleza tranquila. As
paredes e o teto são ornados de mosaicos coloridos e de ícones religiosos,
criando um ambiente de serenidade e de reverência.
O local específico
da crucifixão, conhecido por Calvário, é dos pontos mais sagrados da igreja,
aonde os peregrinos vêm para refletir sobre o sofrimento e o sacrifício de
Jesus. É marcado pela Capela da Crucifixão, local de oração intensa, onde os
peregrinos oram reverentemente. Explorar o Calvário é uma experiência poderosa,
visto que é um lugar que convida à reflexão, à oração e à contemplação do
significado da crucifixão e da mensagem de amor e de redenção que ela carrega.
A Basílica,
estrutura complexa, composta de várias capelas e santuários, é uma colcha de
retalhos de estilos arquitetónicos, cada um refletindo uma época diferente na História
do local. É o coração do Santo Sepulcro. Aqui, os peregrinos oram e participam nos
rituais sagrados.
O Santo
Sepulcro continua como local de pesquisa, como se viu com o referido achado arqueológico.
Arqueólogos e historiadores trabalham, constantemente, para desenterrarem os
segredos do local e para entenderem melhor a sua História. Recentemente, os pesquisadores
realizaram uma série de restaurações no Santo Sepulcro, incluindo uma renovação
do Edículo.
É um local de
grande importância histórica e religiosa. As pesquisas em curso no local prometem
lançar nova luz sobre sua História, contribuindo para a compreensão do
cristianismo e da sua génese e da sua evolução.
2024.07.20 – Louro de Carvalho
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