quarta-feira, 17 de julho de 2024

Parlamento Europeu adota resolução sobre apoio a Kiev, só por maioria

 

Arrancou, a 16 de julho, em Estrasburgo, na França, a primeira sessão plenária da nova legislatura do Parlamento Europeu (PE), em resultado das eleições de junho com prolongamento até dia 19.

No primeiro dia da sessão plenária, tomaram posse os novos eurodeputados, incluindo 21 portugueses. Com efeito, na sequência da votação de junho e das recentes alterações partidárias no PE, o Partido Popular Europeu (PPE) é o que dispõe de mais lugares (188), seguido pelos Socialistas e Democratas (S&D) (136) e pela nova família política de extrema-direita, Patriotas pela Europa (84). Em conformidade com a recente distribuição da assembleia europeia, os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) ocupam 78 assentos, os Liberais ou Renew Europe (RE) um total de 77, sendo seguidos pelos Verdes (53), pela Esquerda (Left) (46), e pelos Europe Sovereign Nations (ESN) (25). Os não inscritos (NI) são 33.

A seguir, o plenário elegeu, por votação secreta, como presidente do PE, para um período de dois anos e meio (primeira metade do mandato), a maltesa Roberta Metsola (do PPE), a candidata proposta pelo Conselho Europeu, que já se tornara presidente desta assembleia europeia, em janeiro de 2022. Eram necessários 361 votos (50% mais um) para a maioria absoluta. Metsola obteve 562 votos, entre 699 votantes, numa votação em que houve 76 votos brancos ou nulos e em que 21 dos 720 eurodeputados não votaram. A espanhola Irene Montero, do grupo (Left), a única adversária recolheu apenas 61 votos.

Seguiram-se as diligências necessárias para a eleição dos 14 vice-presidentes do PE, assim como dos presidentes e vice-presidentes dos grupos parlamentares.

O arranque deste novo ciclo institucional do PE foi também marcado pela visita do eleito presidente do Conselho Europeu, o ex-primeiro-ministro português António Costa.

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Entretanto, o PE aprovou a sua primeira resolução da nova legislatura, reafirmando o apoio à Ucrânia. A resolução não legislativa foi aprovada por larga maioria: 495 votos a favor, 137 contra e 47 abstenções. A resolução reafirma o compromisso de apoiar o país, política, económica e militarmente, “enquanto for necessário para garantir a vitória contra a invasão russa”.

Até à data, diz o texto, a União Europeia (UE) e os seus estados-membros forneceram à Ucrânia o montante total de cerca de 95 mil milhões de euros, um terço dos quais em ajuda militar. A UE apoia, igualmente, o levantamento das restrições à utilização de armas ocidentais fornecidas à Ucrânia para atingir alvos militares em território russo. E condena a recente visita a Moscovo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que detém a presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia, desde o passado 1 de julho até ao dia 31 de dezembro, e que se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, no âmbito do que chamou uma “missão de paz”.

Os eurodeputados consideram, na sua maioria, que se tratou de uma “violação flagrante dos tratados da UE e da política externa comum”, que, entre outras coisas, não produziu quaisquer resultados apreciáveis. “Este comportamento é uma clara violação dos tratados, mas, claro, também do ponto de vista político, penso que é um grande erro da parte de Orbán. Isto mostra não só que ele não segue os objetivos e as regras da UE, mas também que se comporta como um agente de Putin”, declarou Andrius Kubilius, eurodeputado do PPE.

Nos termos da resolução, a violação das regras deve levar a repercussões para a Hungria, acusada pelo PE, entre outras coisas, de “abusar do seu poder de veto, para impedir a concessão de ajuda essencial à Ucrânia”.

O apoio à Ucrânia divide os grupos da direita radical. O grupo dos ECR promoveu a resolução, votando, de forma compacta, a favor, com exceção de algumas deserções. O Grupo dos Patriotas pela Europa (incluindo a Liga) e a ESN, por outro lado, votaram contra.

O eurodeputado belga Tom Vandendriessche, do partido soberanista flamengo Vlaams Belang, explicou a posição da sua delegação, nestes termos: “Queremos que a matança acabe; e, para que isso aconteça, penso que um dos elementos é o diálogo e a diplomacia. Precisamos de iniciar um diálogo com todos os atores relevantes: Orbán não fala apenas com Zelensky, mas também com Putin, Xi Jinping e, nos Estados Unidos [da América (EUA)], com Biden e Trump. Penso que é necessário dialogar, para tentarmos chegar ao resultado desejado de parar as mortes e trazer a paz de volta a este país.”

Entre outros opositores, contam-se muitos dos eurodeputados com assento entre os Não-inscritos, parte do grupo da Esquerda (incluindo os eurodeputados do Movimento Cinco Estrelas), e três da Aliança Verde/Esquerda, dissidente do grupo Verde/Ale.

Por sua vez, a Comissão Europeia anunciou que boicotará os grandes eventos da presidência húngara do Conselho da UE, por afronta à unidade política do bloco, significando que, em vez de ministros e comissários, apenas funcionários se deslocarão a Budapeste para conversações.

“À luz dos recentes acontecimentos que marcam o início da presidência húngara, a presidente (Ursula von der Leyen) decidiu que a Comissão Europeia será representada a nível de altos funcionários apenas durante as reuniões informais do Conselho”, anunciou Eric Mamer, porta-voz do executivo, na noite do dia 15, acrescentando: “A visita do Colégio à Presidência [o grande evento que marca o início de cada presidência rotativa foi cancelado] não terá lugar.”

As reuniões ministeriais formais, que se realizam em Bruxelas e no Luxemburgo, não serão afetadas, pois a sua organização não depende da presidência rotativa.

János Bóka, ministro húngaro dos Assuntos Europeus, sustenta que a presidência continua “empenhada numa cooperação sincera”, para enfrentar os “desafios comuns”. “A UE é uma organização internacional constituída pelos seus estados-membros. A Comissão Europeia é uma instituição da UE”, afirmou Bóka, nas redes sociais, considerando: “A Comissão Europeia não pode escolher as instituições e os estados-membros com os quais quer cooperar. Será que todas as decisões da Comissão se baseiam, agora, em considerações políticas?”

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Também a opinião pública húngara parece estar dividida, em relação à campanha diplomática de Viktor Orbán, a que o primeiro-ministro chama de “missão de paz”, e à reação de Bruxelas.

Num vídeo publicado no Facebook, o secretário de Estado para os Assuntos Europeus da Hungria afirmou que a UE se recusa a negociar, porque quer resolver o conflito na Ucrânia a qualquer custo com armas, o que não conseguirá. “Lamentamos ver que a atual Comissão von der Leyen está a subordinar a prosperidade, a paz e a segurança da Europa aos seus próprios interesses político-partidários”, considerou Barna Pál Zsigmond, vincando: “Continua a não se importar com a opinião do povo europeu, continua do lado da guerra. E está a chantagear aqueles, incluindo a Hungria, que estão a trabalhar para a paz.

Porém, a oposição húngara pensa o contrário. Segundo o DK, ninguém se quer sentar à mesma mesa com Viktor Orbán, desde que este visitou Moscovo e Pequim. Está, pois, isolado na UE.

Já o cientista político Gergely Rajnai sustenta que o primeiro-ministro não violou qualquer regra, pelo que não é de esperar qualquer punição grave. “Se ele assinasse documentos ou conduzisse negociações sérias como representante oficial da UE, então a presidência húngara ou Viktor Orbán poderiam ser sancionados, pessoalmente, de alguma forma. Mas penso que o governo é mais inteligente do que quebrar as regras desta forma”, anota Rajnai.

Está prevista a realização de uma cimeira de Negócios Estrangeiros em Budapeste, no final de agosto, mas não estará presente qualquer ministro dos países UE, porque o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, está a organizar um evento paralelo.

Não obstante, Orbán quer nova estratégia da UE para a Ucrânia e avisou Bruxelas de que Trump está a chegar e agirá em relação à Ucrânia, logo após a reeleição como presidente dos EUA. Fê-lo em carta, de 12 de julho, enviada após as suas viagens a Pequim, a Moscovo e a Washington, anunciando uma mudança radical da política em relação ao conflito.

Na carta, Orbán propõe iniciar conversações políticas de alto nível com a China, para explorar as modalidades de nova conferência de paz sobre a Ucrânia, para reabrir a comunicação diplomática direta com a Rússia e para lançar uma ofensiva política coordenada em direção ao Sul Global, a fim de recuperar o seu apoio. Além disso, partilha “uma avaliação sumária” das suas recentes discussões com os líderes da Ucrânia, da Rússia, da China, da Turquia e com o ex-presidente Donald J. Trump – viagens controversas que realizou nas duas primeiras semanas da presidência húngara da UE e que provocaram reações por parte da Comissão Europeia, que decidiu boicotar a presidência húngara como retaliação.

Orbán manifestou a sua preocupação com o atual clima político dos EUA e as suas implicações na política externa europeia, em especial no atinente ao conflito em curso na Ucrânia. Segundo diz, “o conflito militar vai aumentar radicalmente num futuro próximo” e os únicos três atores globais que podem influenciar a evolução da situação são a UE, os EUA e a China, com a Turquia a desempenhar um papel fundamental, como mediador entre a Ucrânia e a Rússia.

Orbán observou que o presidente Trump, preocupado com questões de política interna, priorizará as questões internas, em detrimento da política externa durante a sua campanha. Portanto, não haverá quaisquer iniciativas de paz imediatas, por parte dos EUA, até depois das eleições.

“Posso, no entanto, afirmar com segurança que, logo após a sua vitória eleitoral, ele não vai esperar pela sua tomada de posse, mas estará pronto para atuar, imediatamente, como mediador de paz. Tem planos pormenorizados e bem fundamentados para isso”, afiançou Orbán, sugerindo que a provável eleição de Trump alterará a dinâmica financeira entre os EUA e a UE, no atinente ao apoio a Kiev, prevendo que a UE suporte o maior fardo, no futuro. E, criticando a estratégia da UE, em sua opinião, mera replicação da política dos EUA, sem planeamento soberano e independente, propõe que se discuta se esta política é racional para o futuro.

Orbán propõe que a UE aproveite a oportunidade para reconsiderar a sua abordagem. Defende a realização de esforços para diminuir as tensões, para estabelecer condições para um cessar-fogo e, potencialmente, para iniciar negociações de paz. “Na situação atual, podemos encontrar uma janela de oportunidade com uma forte base moral e racional para iniciar um novo capítulo na nossa política”, escreveu.

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Na visita a Moscovo, Orbán avistou-se com Vladimir Putin, um homem procurado por crimes de guerra, para discutir a guerra na Ucrânia e, nas palavras do primeiro-ministro, para “iniciar um diálogo sobre o caminho mais curto para a paz”. Dias depois, as tropas russas bombardearam um hospital pediátrico em Kiev. Em Pequim, elogiou o “plano de paz chinês”, do presidente Xi Jinping, que a UE rejeitou por fazer uma interpretação seletiva do direito internacional e confundir o agressor com o agredido. “A China é a única potência mundial que tem estado claramente empenhada na paz desde o início”, disse, desafiando as preocupações ocidentais de que Pequim está a apoiar a economia de guerra da Rússia.

Budapeste diz que tais viagens foram efetuadas ao abrigo da diplomacia bilateral. Mas o calendário da digressão, a seleção dos países e a utilização do logótipo oficial da presidência húngara da UE alimentaram acusações de abuso de poder e de deslealdade. Por outro lado, Orbán participou na cimeira informal da Organização dos Estados Turcos, que inclui a “República Turca do Norte de Chipre”, que só a Turquia reconhece, o que levou a novas condenações.

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Não é pelo facto de formações da extrema-direita estarem contra o apoio incondicional da UE à Ucrânia que mudo de opinião. Em meu entender, a agressão russa é intolerável e inqualificável, mas o acolhimento na UE ou na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), a efetivar-se em tempo de guerra, será precipitado. É arriscado a NATO ou a UE enviarem a Kiev armas para operarem em território russo. Os EUA desaceleram o apoio. As sanções lesam mais os povos que as decretam do que a Rússia. Portanto, há que procurar, sinceramente, a paz.

2024.07.17 – Louro de Carvalho

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