sexta-feira, 26 de julho de 2024

Medidas de valorização da carreira nas Forças Armadas

 

Era expectável que o governo, depois de ter estabelecido a recuperação integral do tempo de serviço de muitos professores, para efeitos de progressão na carreira, e de ter resolvido os problemas salariais das forças de segurança (a PSP – Polícia de Segurança Pública e a GNR – Guarda Nacional Republicana) – por semelhança aproximada com o estipulado para a Polícia Judiciária (PJ) –, dos guardas prisionais e dos funcionários judiciais, no atinente a suplementos e subsídios, se voltasse para o problema remuneratório nas Forças Armadas.

Assim, o Conselho de Ministros, a 26 de julho, em sua reunião extraordinária, alargada aos secretários de Estado, no Forte de São Julião da Barra, em Oeiras, apresentou um conjunto de medidas de valorização e dignificação da carreira militar. 

Tais medidas têm por objetivo inverter o contexto de diminuição sistemática no número de efetivos nas Forças Armadas (FA). Entre 2015 e 2024, este número reduziu em um quinto: os 29178 militares registados, em 2015, passaram para 23220, em 2024. Neste sentido, no dizer do governo, urge captar e reter efetivos nas FA e tomar medidas que os valorizem e dignifiquem.

Assim, o Conselho de Ministros, no concernente ao suplemento de condição militar, decidiu aumentar-lhe a componente fixa dos atuais 100 euros (100€) para 400€, nos seguintes termos: para 300€, em 2024; para 350€, a 1 de janeiro de 2025; e, para 400€, a 1 de janeiro de 2026.

Este suplemento, atribuído a todos os militares das FA era composto por uma componente fixa, de 100 euros, e por uma componente variável, fixada em 20% sobre a remuneração base, o que o governo decidiu alterar nos termos expostos.

No atinente à equiparação salarial das patentes, deixa de haver discrepância entre as remunerações-base dos postos de praças e sargentos das Forças Armadas e da GNR. A entrada em vigor será de forma faseada: metade a 1 de janeiro de 2025 e metade a 1 de janeiro de 2026.

O ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, assegura que “nenhum militar ganhará menos daquilo que ganha um guarda da GNR ou um polícia na PSP”. Exemplos: o soldado de 1.º escalão passará de 821 euros para 961 euros, o furriel de 1.º escalão passa de 1017 euros para “cerca de 1290 euros”, que se somarão ao aumento do suplemento da condição militar, refere o governante.

No âmbito do suplemento de residência, fica estabelecida a redução da distância para obtenção do direito ao suplemento de residência dos atuais 100 quilómetros (Km) para 50 Km, quando os militares sejam colocados em local distanciado da localidade da sua residência habitual.

Também é aumentado o valor mensal do suplemento de serviço aéreo, que passará da indexação à 1.ª posição remuneratória de capitão para a indexação à 1.ª posição remuneratória de tenente-coronel. A entrada em vigor será de forma faseada: metade a 1 de janeiro de 2025 e metade a 1 de janeiro de 2026.

Passa a haver um aumento do valor mensal do suplemento de serviço aéreo, que vai abranger “todos os que voam”, garante Nuno Melo, “na Força Aérea, na Marinha e, quem sabe, um dia também no Exército”. O ministro da Defesa Nacional sublinhou que há militares que preferem “pagar a indemnização para rumarem à iniciativa privada.

No respeitante ao suplemento de embarque, é estabelecida a majoração em 20% do valor das ajudas de custo aos militares que embarquem e prestem serviço em navios da Armada. A entrada em vigor será de forma faseada: metade a 1 de janeiro de 2025 e metade a 1 de janeiro de 2026.

É atribuído um suplemento para as funções de deteção e inativação e engenhos explosivos. Nestes termos, os militares habilitados com o curso de especialização adequado e que estejam no exercício efetivo de funções de deteção e inativação e engenhos explosivos perceberão um suplemento específico para esse efeito. Esta medida entra em vigor a 1 de janeiro de 2025.

É atribuído um suplemento para operador de câmara hiperbárica. Assim, os militares habilitados com formação específica em fisiopatologia hiperbárica, que exercem funções e desenvolvem a sua atividade em câmara de pressão hiperbárica perceberão um suplemento. Esta medida entra em vigor a 1 de janeiro de 2025.

Estes dois suplementos são novos. Em conselho de ministros, o governo decidiu criar dois novos suplementos mensais para as FA: o suplemento de deteção e inativação de engenhos explosivos é de 303 euros; e o suplemento para operador de câmara hiperbárica é de 436 euros.

É estipulada a compensação especial por invalidez permanente ou morte. O valor da primeira varia entre 150 e 250 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (RMMG); e o valor da segunda é de 250 vezes o valor desta.

No atingente aos antigos combatentes, é atribuído um apoio de 100% da parcela não comparticipada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) para os utentes pensionistas beneficiários do Estatuto do Antigo Combatente (EAC); e a majoração para 90% da comparticipação dos medicamentos psicofármacos para os beneficiários do EAC não pensionistas. A entrada em vigor será de forma faseada: metade a 1 de janeiro de 2025 e metade a 1 de janeiro de 2026.

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Antes da apresentação mais exaustiva pelo ministro da Defesa Nacional, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, fez um resumo das medidas e começou com os números do aumento do suplemento da condição militar e considerou que estas medidas para as FA são “uma mensagem de atração grande que o governo quer dar à sociedade portuguesa, sobretudo aos que sentem vocação para desenvolver uma carreira militar e de grande respeito pelos que estão nos quadros – e que, diria, estão a aguentar o nosso sistema de Defesa Nacional”.

“Numa área que é particularmente relevante, a dos antigos combatentes”, Luís Montenegro anunciou que o governo vai “atribuir uma comparticipação de 100% aos medicamentos dos que têm este estatuto. É um encargo orçamental muito relevante, mas é sobretudo um ato de justiça para os que serviram a nossa Pátria em teatros de guerra e que, por via disso, tiveram as suas vidas marcadas pelas sequelas”. E, referindo que “Portugal tem tido uma especial incapacidade de atrair e de reter recursos humanos na área da Defesa Nacional”, o primeiro-ministro disse que “o governo está a trabalhar no reforço da atratividade da carreira militar”. 

Por outro lado, Portugal assumiu o compromisso de, até 2029, alocar o equivalente a 2% do produto interno bruto (PIB) a despesa para a área da Defesa. “Dentro deste objetivo, inscrevem-se despesas que vão dos recursos humanos aos equipamentos, mas também o desenvolvimento, estímulo e incremento que queremos dar às indústrias de Defesa e às que com elas se relacionam”, disse o chefe do governo.

Este é “um compromisso firme do Estado português perante os seus parceiros da Aliança Atlântica” e é também hoje “um compromisso que tem muito a ver com o nosso projeto de participação na União Europeia”, referiu.

Luís Montenegro deixou uma “palavra de grande consideração e respeito a todos os profissionais das Forças Armadas, que, embora pressentíssemos que estivessem ansiosos por perceber em que direção o governo iria, tiveram sentido de responsabilidade de aguardar as nossas decisões”.

De acordo com o líder do Executivo, o Conselho de Ministros deliberou um acréscimo do suplemento da condição militar equivalente ao montante decidido para as forças de segurança, ou seja, “300 euros mensais para todo o efetivo, com aplicação imediata de uma valorização de 200 euros”. Por isso, este “é um dia histórico para as Forças Armadas”.

Por sua vez, o ministro da Defesa Nacional afirmou que “o governo herdou problemas muito graves nas Forças Armadas, depois de mais de uma década de desinvestimento”.

“O que recebemos foi um ambiente de desalento que dificulta o recrutamento e a retenção dos militares”, cujo número baixou um quinto, desde 2015, observou, para dizer que, “entre as várias prioridades, a primeira que atacamos tem a ver com as pessoas, os militares”, pois, “sem militares, por muito bem equipadas que estejam, não há Forças Armadas”.

“Em 115 dias, fizemos o que não foi feito nos últimos oito anos”, afirmou o governante. “O Estado tem a obrigação de compensar a condição militar”, acrescentou. “Os aumentos vão começar nos soldados, depois na classe de sargentes e por fim os oficiais”, especificou. 

“Investimento nas Forças Armadas não é despesa, é investimento”, afirmou o governante, na resposta a uma pergunta de um jornalista, que o questionava sobre o impacto orçamental destas medidas. Ainda assim, revelou que este investimento não será inferior a 120 milhões de euros.

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Porém, não há bela sem senão. A Associação de Praças (AP) acusou, a 25 de julho, o ministro da Defesa Nacional de desconsideração pelo facto de o governante não ter estado presente numa reunião, no Ministério, sobre salários, queixando-se de que não ter sido apresentada qualquer proposta concreta. Num comunicado intitulado “Reunir para quê?”, a AR refere que, no dia 24, fora convocada para uma reunião, à semelhança da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e da Associação Nacional de Sargentos (ANS) no Ministério da Defesa, na qual foram recebidos pelo secretário de Estado Adjunto e da Defesa, Álvaro Castelo Branco.

“Consideramos uma desconsideração, que não tenhamos sido recebidos pelo ministro da Defesa Nacional, à semelhança do que tem acontecido com outros representantes de trabalhadores, nomeadamente as forças e serviços de segurança que foram recebidos pela ministra da Administração Interna. Exigimos o mesmo tratamento”, criticam no comunicado.

Segundo a AP, o secretário de Estado disse, na reunião, que queria ouvir os dirigentes militares, tendo a associação respondido que os interessados em ouvir eram os praças, uma vez que foram convocados. “Importa referir que, um mês e meio antes, numa reunião com o mesmo secretário de Estado, apresentámos o nosso caderno de preocupações e soluções, pelo que não havia nada que podíamos dizer de novo”, escrevem.

De acordo com a associação, o governante “não disse nada de concreto sobre salários e remunerações dos militares, nem a forma como poderá acontecer qualquer melhoria das remunerações”, apelando a que o final de um eventual diploma legislativo não seja acrescentada a frase habitual “foram ouvidas as Associações Profissionais de Militares”.

“A Associação de Praças reiterou o direito que nos assiste para negociar a valorização dos salários e das remunerações com os responsáveis pelo Ministério da Defesa Nacional. Só com essa negociação, com a associação representativa da categoria de Praças das Forças Armadas, é que se poderá falar de um processo negocial. Sem isso, não há qualquer negociação”, vincam.

A 25 de julho, também a AOFA e a ANS manifestaram desilusão, após uma reunião com o secretário de Estado da Defesa sobre remunerações, apelando a uma “verdadeira e legítima ronda de negociações” com o ministro, à semelhança do ocorrido com as forças de segurança.

Entretanto, em Torres Vedras, o ministro disse que poderia haver, “muito em breve”, atualizações salariais para os militares, a quem pediu para esperarem uns dias, escusando-se a fazer promessas.

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O aspeto remuneratório – remuneração-base, suplementos e subsídios – é crucial para a sobrevivência do pessoal e, no caso, das FA. Não sei dizer se as nove medidas, que passarão a letra de forma em diploma(s) legislativo(s), serão suficientes para atrair candidatos ao serviço nas FA. São precisos equipamentos, instalações, condições de trabalho, ação motivadora, formação, meios de transporte, armamento convencional e extraordinário e, sobretudo, mística de missão.

É precisa organização e aumento de efetivos, a quem deve acenar-se uma perspetiva de futuro. Sem militares, não haverá FA, pois o elemento humano é indispensável; e os equipamentos e a tecnologia são auxiliares do elemento humano. Há quem diga que as falhas nos Estados Unidos da América (EUA) se devem ao excessivo peso da tecnologia, à subvalorização do dado humano e à contenda entre serviços. Será?

2024.07.26 – Louro de Carvalho

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